O Mundo Feio Da fama

Eu morri mais ou menos as 03:40 da manhã do sábado, fui encontrada morta na banheira de minha casa com uma garrafa de alguma bebida não importante e com uma caixa de shanex... Chamam isto de overdose. O IML passou aqui em casa seguido da policia e de. Levaram meu corpo sem vida para o necrotério e descobriram a causa da morte.

Era quinta feira, ou foi quinta feira, as horas não eram importantes tanto por que eu estava sem relógio. Tinha chovido forte na tarde daquele mesmo dia mas agora o céu estava limpo e as ruas estavam cheias de poças d’água prontas para destruir o vestido branco daquelas madames. Meu carro parou pomposo em frente ao hotel Marine, flash, flash, flash, os fotógrafos das revistas famosas como Caras, estavam todos lá. Um tapete vermelho estendido para minha pessoa. Estava meio úmido, o dia era quente e úmido. Meu vestido era negro como a noite, meus cabelos eram curtos e negros como o vestido, usava sombra e passei sem falar com ninguém... Como uma sombra. As portas pomposas daquele hotel abriram para mim e eu adentrei como uma rainha.

O salão era estupidamente garboso, escadarias rotatórias, mesas, garçons. Era uma festa, a espécie de festa que as pessoas vão pra mostrar suas bolsas da Riveoux, seus sapatos da Natelli, seu botox, e sua alma podre. Os artistas sem arte lá se apresentam, e a comida é mero enfeite, pois quem senta a mesa são um bando de anorexos e bulimicos.

O murmúrio das vozes que não tem nada a dizer, a bebida, os pobres garçons humilhados por não serem “tão importantes” como os convidados. Sorrisos,sorrisos, sorrisos. Meus passos eram macios e calmos, andava devagar por aquele salão todos olhavam para mim, acenavam, sorriam, falavam como eu estava bonita para depois falar como eu estava feia. Flashes, Flashes, Flashes.

Aproxima-se de mim um bando da nova geração das modelos, garotas anorexas que lembravam muito as meninas da África, a diferença é que as meninas da África não comiam por que não podiam, estas não comem por que não querem, todas pesam entre trinta e cinco e quarenta e cinco quilos, que seria perigosos para alguém da idade delas, mas...

As vozes cintilantes, os sorrisos falsos e medrosos, as marcas famosas da nossa sociedade de consumo, eu estava mergulhada até o pescoço nesta coisa, nesta lama que engloba tudo, nesta falsa alegria trazida pelo dinheiro, trazida pela fama que um dia irá acabar como a vida de cada garota presente nesta sala, presente nesta vida falsa que fazem elas engolirem, a única coisa que elas engolem... Meninas que iram virar prostitutas sob o nome de modelos, que casam-se com homens bem mais velhos pelo seu dinheiro e pelo seu carro o - esperando morrer... Prostitutas particulares, diga-se de passagem.

- Sorriso para a Caras – flash.

- Sorriso para a Gente – flash.

- Sorriso para a Capricho – flash.

- Sorriso para a Moda – flash.

São sorrisos de três segundos, sorrisos rápidos e inconseqüentes que não querem mostrar nada. São revistas feitas para assassinar a juventude mostrando as meninas que estão um pouco acima do peso como é bonito ser magro ser rico, coisas que nunca serão, é a regra do eu posso você não.

- Sorriso para a Caras – sorriso.

- Sorriso para a Gente – sorriso.

- Sorriso para a Capricho – sorriso.

- Sorriso para a Moda – sorriso.

Sorrir por fora, chorar por dentro... é o mundo feio da fama.

Era sexta-feira ou foi sexta feira, as horas brilhavam no relógio digital na AV Paulista: 20:10. Meu carro cortava a avenida e parava novamente em frente a um tapete vermelho, minha vida é uma eterna sensação de Dejá vu. Um funcionário abre a porta para mim e eu como uma falsa rainha desço mostrando meu salto alto da Breends que custou R$1.500, tenho vinte seis pares deste sapato, se eu vendesse todos daria para alimentar 20% dos mendigos de São Paulo por uns três anos ou mais. Se todos vendessem as porcarias sem utilidade que compram neste salão daria para alimentar os mendigos de São Paulo por um bom tempo, ou ensinar-los a ter um emprego. As câmeras começam a atirar em mim, os flashes queimam meus olhos, as pessoas sorriem e falam meu nome em voz alta, as pessoas não gostam de mim e sim das roupas que eu visto, tanto que meu verdadeiro nome foi substituído para rimar com uma das marcas que me patrocinam.

A musica era eletrônica.

A mesma batida.

Tum!

Tum!

Tum!

Tum!

Todos sorriam, todos fingiam que sorriam. As meninas de dezoito e dezenove anos beijando seus maridos de oitenta e noventa anos, as pessoas sorrindo, a doença do consumo e da moda apodrecendo esta ferida chamada vida urbana, as garotas de quinze anos vomitando a janta no banheiro as garotas de quinze anos praticando bulimia, em suas residências de subúrbio, isso tudo era culpa minha, tudo fazia parte de um padrão Inatingível de beleza, tudo pelo belo, pelo exato, tudo para ser bonito, tudo para nada.

Entram as modelos desfilando, face sem expressão (assim é ser rico) andar sem expressão (assim é ser rico) vida sem expressão (assim é ser rico) tudo isto numa sopa que será vomitada depois, tudo isto faz parte da nossa vida, dos anúncios, dos cartazes com meu nome.

- Quero ir embora!

- Mas é cedo, vamos ficar um...

- Quero ir embora!!! Agora! - todos obedecem e se retiram junto comigo, as manchetes iram dizer: Modelo dá “Pití”

Meu apartamento é um reduto que não existe vida segura, todo mundo sabe quem sobe e sabe quem desce, ao olhar para fora ainda vejo os flashes que me perseguem, os famosos paparazzi, perseguem minha vida, querem que eu me envolva num escândalo, querem me pegar cometendo o crime, querem ser famosos sob minha caveira purifica e morta, abutres da mídia inútil.

Você vê tudo ficar escuro, não consegue mais segurar a garrafa com bebida alcoólica, sua cabeça desce e fica submersa na banheira, tudo vai apagando lentamente e você se sente realmente livre, você começa a sentir o Shenax agir no estomago, isso é morrer

Eu morri mais ou menos as 03:40 da manhã do sábado, fui encontrada morta na banheira de minha casa com uma garrafa de alguma bebida não importante e com uma caixa de shanex... Chamam isto de overdose. O IML passou aqui em casa seguido da policia. Levaram meu corpo sem vida para o necrotério e descobriram a causa da morte.

Suicídio, as manchetes iram adorar, as revistas iram adorar, todos iram adorar em saber que uma modelo morreu, isto vende, vende mais do que ser miss universo ou casar com o dono de uma emissora de TV, isso vende e o que vende é o importante

“Vou-me sem dizer adeus a estes falsos homicidas que matam crianças com seu padrão de beleza, fui assassinada por um padrão, por uma doença que não tem mais cura, não tem mais para onde ir, até quando suas crianças iram morrer anorexia e bulimia? Até quando vocês vão deixar as moças virarem prostitutas particulares? Até quando suas revistas famosas vão mostrar os sorrisos que escondem a verdadeira face da tristeza? Dou adeus ao Mundo feio da fama.

Uma modelo.

A mídia ira adorar...