Jeitinho

Diferente, mas não excepcional. A amiga a convidava para um fim de semana no balneário de Rancharia. Ela, o marido, a irmã, o cunhado, o sobrinho, os pais e o irmão mais novo chegariam ao balneário antes de o sol nascer e voltariam no dia seguinte, depois de o sol se pôr.

Não seria mal um fim de semana sem incômodo dos vizinhos no sábado – com almoços animados por rodas de samba, estendidas invariavelmente até depois da meia-noite – nem no domingo – quando a banda de rock da esquina realçava o som de guitarras e baixos.

Arrumou três malas, duas bolsas e uma sacola. Um motorista ajudou a descarregá-las na casa da amiga que deixou transparecer a decepção pela quantidade de bagagem. Apenas as bolsas asseguraram lugares na perua.

À entrada do Balneário, uma das responsáveis pela cobrança do dinheiro questionou se dormiriam em barracas. Dentro do carro, adiantou a mãe, pensando na economia: dormir em barracas custava três vezes mais do que dormir no carro.

Depois de muito rodar pelas estradas estreitas e lotadas, encontraram uma vaga perto do banheiro coletivo. Durante o dia, o sol quente passou despercebido e a música estridente do restaurante mal foi ouvida pela família entusiasmada, mesmo sem protetor solar, carvão e carne esquecidos na mesa da sala. Para tudo se dá um jeitinho, falava a filha.

Os últimos raios de sol de sábado encontraram a família na fila do banho. Entretanto, antes que avançasse significativamente, um guarda avisou do fim da água e da interdição do banheiro. Para tudo se dá um jeitinho, falava a filha.

Como o dinheiro desaparecera na aquisição de alguns espetos de carne de vendedores ambulantes, insistentemente transitando entre os turistas, pouco se podia fazer além de banhar-se nas águas do represamento.

Sonhavam uma noite tranqüila.

Um vizinho de estacionamento ofereceu um colchão de casal. A irmã, o cunhado e o sobrinho dormiam serenamente no colchão enquanto os demais acomodavam-se na perua. O churrasco não saíra, os banheiros entupiram. Uma noite morna recomporia as feições. Para tudo se dá um jeitinho, pensara a filha.

Mal completara o pensamento: um estrondo, raios cortando o céu apressaram a entrada do cunhado, da irmã e do sobrinho no veículo. O colchão tomou os primeiros e os últimos pingos de chuva.

O pai e a mãe arranjaram-se no primeiro banco da perua. Ela, a amiga e a irmã, sobrinho nos braços, sentadas no segundo. No terceiro, o marido, o cunhado, o irmão, bolsas e bacafusadas.

A chuva não amainara o calor. Os vidros transpiravam rapidamente causando leve sensação de cozimento. Para tudo se dá um jeitinho, falava a filha, sorridente.

Na manhã seguinte, exaustos, abriram as portas ao primeiro sinal de trégua das nuvens. A filha ensaiava o começo do discurso de que para tudo se dá um jeitinho quando, sem pensar sete vezes, a amiga acertou-lhe a churrasqueira na cabeça. Dias depois, acordou deitada em sua cama. Relatou à mãe o sonho esquisito num balneário...

*Publicado originalmente no Jornal de Assis (Assis – SP) de 6 de março de 2008.