Segundeando

Estou oficialmente relojoado. Sim, é isso mesmo. Quero saber como é Tic-Taquear por aí. Até meus passos estão no ritmo dos segundos. Antes, coisa de meses atrás, era eu o ponteiro das horas. Lento, escondido, avesso a arroubos, sempre a refletir da rapidez dos outros ponteiros. Agora radicalizei! Quero ser os segundos, ágeis, entretidos em seus próprios movimentos, no caminho que fazem, otimistas, empreendedores. Antes, sendo as horas, nem via meu próprio caminho, pelo contrário, analisava demais o dos outros. Quando lembrava do meu ponteiro, era pra falar do passado.

Engraçado, tem dois relógios no meu quarto. Um está desativado (justo o que bamboleia, coitado), e o novo que ganhei hoje, e percebo exatamente agora como ele está orgulhoso dos seus primeiros Tic-Tacs.

Sim, quero funcionar como um reloginho. Acordar, almoçar, ir pra faculdade, mais outra faculdade, jantar, dormir. Pegar ônibus, trem. Quero vivenciar o que eu relegava, no meu mundo fechado de horas. Achei o sentido da vida! Por que refletir, se posso Tic-Taquear, orgulhoso do meu movimento, soberano de si, líder? Poxa, é perfeito! ''Eu faço alguma coisa''. Não é esse o norte humano, a bengala cotidiana?

Queremos viver como relógios porque não suportamos o tempo da natureza. Somos os predadores, ágeis, somos os bandeirantes, os mercenários, os produtores, os criadores da ferramenta. A sabedoria e lentidão natural nos irrita. Somos atormentados pela consciência de vida, impermanência e morte. Por isso queremos ser o ponteiro dos segundos. Se formos ágeis, física e mentalmente, deixamos várias questões existenciais (questões essas que nos deixariam no vazio) de lado, que demandam tempo. Viver apressado dá menos angústia existencial. Estar ''fazendo algo'' é bom, porque evita-se, assim, o horror do vazio interno.

Quem sabe a sabedoria popular não esteja certa? Quem sabe ficar refletindo seja perda de vida mesmo? Eu não acredito em mais nada, principalmente nos preconceitos que adquiri sendo as horas. Quero adentrar nesse mundo, chorar, rir, refletir junto, sofrer junto. Ser o ponteiro das horas cansa. Tem horas que eu quero segundear. Mas, deixa pra lá. Já tá tarde, e tenho que dormir. Que não acabe a pilha!

Caio Almeida
Enviado por Caio Almeida em 13/03/2008
Reeditado em 10/10/2010
Código do texto: T899432
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