Os sapos

O sapo de pelúcia, cuidadosamente colocando em um canto da mesa de trabalho, parecia encará-la com seus grandes olhos negros. Sapos, só sapos, pensou ela pela enésima vez. Não sabia onde estava com a cabeça quando comprara mais aquele “mascote” para a sua coleção. Será que se beijasse todos os sapos que possuía algum deles viraria um príncipe?

Não lembrava mais quando ganhara ou comprara o primeiro deles. Teria sido um presente de aniversário? O souvenir de alguma viagem? Ou fora presente daquele seu primeiro namoradinho, do qual sequer lembrava o nome? Sim, provavelmente tinha sido isso: ganhara-o de quem pensava ser um príncipe, o seu príncipe, e depois vira que nem todos os beijos do mundo lhe fariam encantado.

Não percebera isso logo, porém, e fora acumulando os sapos no decorrer dos anos. E não eram apenas os sapos de enfeite, engraçadinhos até, mesmo que não bonitos: acumulara também sapos entalados na sua garganta, vários, muitos deles.

Da mesma forma que os de pelúcia, os que engolira também tinham começado com o antigo namorado. Relevando alguma coisa aqui, outra ali, outra acolá, os sapos entalando sem que ela dissesse qualquer coisa. Sufocando-a, e ao mesmo tempo abrindo caminho para que engolisse outros nos relacionamentos futuros, no círculo de amizades, no trabalho.

Assim como não conseguia pedir que parassem de lhe dar os malditos sapos de porcelana, pelúcia, gesso ou biscuit, também não conseguia dizer não quando lhe pediam para abrir mão de sua folga e trabalhar domingos seguidos, enquanto outros nunca podiam fazer isso. Também aceitava quando a repreendiam sem motivo, mesmo sabendo que ela tinha razão. E não reclamava quando alguém, namorado ou amigas, lhe dava bolo e a deixava esperando horas a fio.

Não queria parecer chata, antipática, ciumenta, de má vontade. E, sabia disso, acabava sendo somente a boba, a que aceita tudo, a que pode ser manipulada e enganada. Afinal, até mesmo as traições de seus ex ela aceitara sem reclamar!

O resultado acabou sendo noites e mais noites sem sono, ansiedade, depressão. Talvez devesse consultar um psicólogo, talvez até mesmo um psiquiatra. Quem sabe um deles conseguisse afastar dos seus ouvidos o coachar ensurdecedor de sapos que sempre parecia acompanhá-la.

Ou, quem sabe, tivesse simplesmente de se livrar dos sapos. Todos eles. Sem pensar duas vezes, reuniu toda a sua coleção num grande saco e o jogou no lixo.

Maristela Scheuer Deves
Enviado por Maristela Scheuer Deves em 14/03/2008
Reeditado em 27/03/2008
Código do texto: T900164
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