Enquato na Guerra!!

Lá estava ele suando frio, trêmulo, pálido feito pano, mal sabia que sua intrépida jornada estava por terminar, mas antes do fim algumas batalhas a ser travadas e vencidas, o medo da morte, o tremer das pernas, o ranger dos dentes, os calafrios e o coração que parece mais uma britadeira, ditando a sinfonia do que estava por vir.

Acostumado a comer hambúrguer na lanchonete da esquina e batatas fritas com um belo e gelado milk shake, não estava ele preparado ou se quer entusiasmado com a simples ideia de empunhar nas mãos um armamento bélico de alto escalão capaz de cessar com um sorriso sincero ou um pulsar do coração, pelo tímido toque no gatilho, não, não seria justo, no entanto injustiça é algo que permeia nosso cotidiano, e ele um jovem menino na faze dos hormônios a flor da pele não seria abdicado com tal graça maior, na vida nem tudo é um mar de flores, nem sabia ele o quanto era feliz, ou melhor dependera do ponto de vista do que é felicidade, afinal viver de bocejos não tem lá muitas virtudes, mais ainda assim fazia o menino parte do contexto mundano, e agora armado e poderoso, temido, ou melhor tremendo, diante da balburdia da guerra do qual o comedor de batatas de apenas dezenove anos fazia parte agora.

Indagava-o, em tom febril exasperado. Que diabo faz aqui? Tão tenro, tão totipotente , com uma história a ser escrita e interpretada no palco da vida, e prestes a ser apagada pela borracha da guerra, e nesses antagônicos pensamentos o menino mergulhava em agonia perscrutando sua sobrevivência.

Seu trabalho era desarmar minas, sabem aqueles pequenos equipamentos que são enterrados, como será um dia, a única diferença é que não explodimos quando pisados, não esquartejamos pernas nem braços nem tiramos vidas, não mesmo? Então nesse cemitério o trabalho de coveiro era incumbido á ele, que tinha que achar e desenterrar as vivas que faziam mortos, quanta responsabilidade para um magro e franzino jovem, que até então a tarefa mais árdua que lhe fora imputada, fora raspar os pelos pubianos, já que o instrumento bem tosado poderia lhe render alguns acervos, mais não em tempos de guerra. Mas nada tem para defender-se, indaga o destino, coragem responde a medo. As armas pertencem aos amigos que cuidam da sua retaguarda caso algum egrégio inimigo queira matá-lo quando ele engenhosamente tenta retirar do cemitério os equipamentos que fazem “cabum”. O armamento dele era uma velha e enferrujada garrucha, de passado glorioso, muito já se deitaram diante dela, mais como o tempo passa e a força e juventude se esvai, não seria ela no presente o melhor dos armamentos, mais isso não abatia o jovem e destemido soldado.

O rapaz trilhava sua estrada norteada de perigos, sempre a espreita, armado e perigoso.

Logo a guerra mostra sua faze mais medonha e cruel, sem qualquer chispa de piedade, enaltece circunstancialmente o pavor do ledo menino, seus medos se potencializam diante da opressão, além de lutar contra os inimigos que o rodeia agora o menino se vê diante dos seus próprios monstros e assombrações que a guerra pode proporcionar a um individuo normal que antes presenciava no máximo um ataque de cachorro, a uma pobre senhora, que flanava despercebidamente pela calçada, e ele, mesmo assim se intrigava boçalmente com a cena dolorosa, mais não desprovia de qualquer ação capaz de extinguir aquela imagem, ou seja, antes não passava de um mero coadjuvante da vida de tom alvo esbranquiçado, quase invisível, despercebido diante da sociedade, e agora torna-se o protagonista de uma história incrível capaz de mudar seu nefando destino para sempre, e o que antes parecia ser uma simples e irrelevante história poderia se tornar uma gloriosa odisseia, mas não antes que tudo aquilo terminasse, à guerra.

Diante do tremor da guerra, o menino vê-se, o tão quão o ser humano pode ser ínfimo e vil, inerência essa que aflora em corações vazios, chora sobre suas reminiscências, remoendo passado em um presente futuro, e descobre de maneira fatal o quanto inexpressivo era antes, o quanto estava morto, mesmo estando vivo, é como uma máquina de tortura, e com um único objetivo a evolução por meio de sacrifícios.

A guerra era sua sala de aula, a cada passo, um aprendizado a cada morte uma dor incontida de mais um amigo que partira sem dizer adeus, e o menino crescia como tinha que ser, via nas mazelas que sobrava das batalhas vencidas, restos de felicidades cessadas, no chão vermelho que pisava, via quantos corações pararam de bater, quantos filhos cresceriam sem pais, quantas saudades naqueles semblantes tristes e dilacerados ao vai e vem da maré, via o quanto o ser humano pode evoluir e chegar a um estágio de demência total, e de tanto ver sofrimentos acabados, para outros que ainda iriam começar, seus frívolos olhos se enchem de lágrimas e o garoto chora, não sabe muito bem o porquê do choro frenético, ainda são sentimentos não compreendidos pela jovem mente, não conseguiria traduzir em palavras, mais já denotava ao jovem o poder que eles tinham, e nem ao menos precisasse, pois silêncio e choro expressavam com mais veracidade a dor do momento.

E assim dias e noites vão se passando sucessivamente, e o jovem desarmando as armadilhas a sua frente, há espera que todo aquele caos acabe e que ele faça parte do contingente de bravos soldados sobreviventes, que retornarão a seus lares, renovados, vendo com outros olhos o semblante da vida.

O Menino cresce e se torna homem em meio à guerra, mal sabe ele que o teatro chamado guerra esta para acabar, ainda vivo se encontra o antigo menino, hoje homem lapidado pela guerra humana e prestes a voltar para casa, e ser o simples mortal que era antes, e ao invés de batatas fritas, x-salada e milk shake, vive remoendo as lembranças de um passado tortuoso.

Andre Santana
Enviado por Andre Santana em 17/03/2008
Reeditado em 01/07/2014
Código do texto: T905177
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