QUANDO A SEMANA ERA SANTA

Este espaço despretensioso é lido pelas senhoras Lucy Targa Rodrigues e Nilza Cappeloza de Campos, saudosistas que relembram, acredito, como era a semana santa há cinco ou seis décadas. Ou seja, bem diferente dos dias atuais. Hoje, quinta feira, quase véspera da Páscoa, bailes, shows e outras promoções do gênero acontecerão em todo o país, numa euforia que se estende ao longo do ano.

Confesso que não tocaria no assunto, não fosse à mensagem da professora Carmen Baccarin, no início de fevereiro, dizendo o seguinte: “... estou ansiosa para ler sobre a semana santa à moda antiga. É que realmente vejo os lugares e acontecimentos que você narra e descreve...” As coisas eram muito diferentes. O silêncio começava já na quarta-feira, depois do carnaval. Os clubes fechavam as portas e não se falava em promoções dançantes por quarenta dias. Por isso o baile de aleluia era tão esperado! As igrejas católicas cobriam altares e santos com um manto roxo, bem lúgubres mesmo! As abstinências de carnes eram observadas à risca. Churrascos, nem pensar!

O domingo de ramos abria as cerimônias da semana. Na segunda e terça-feira aconteciam as vias sacras, com grande afluência de público. Ainda não se cogitava o uso de palmas, baterias e outros instrumentos modernos nas celebrações religiosas. Aplausos, então, nem pensar. Rezava-se muito, isto sim. E compenetradamente, mesmo antes da adoção do português, quando o latim era a língua oficial. Poucos entendiam, é verdade. Mas a fé, pura e simplesmente, parecia imperar. Era assim e pronto. Se a senhora, professora Carmen, tivesse visto, poderia sentir essa grande diferença.

A quarta-feira era chamada de “trevas”, com o soar das matracas. Nós, coroinhas e congregados marianos de então, brigávamos pela honra de tocar o dito cujo instrumento que, acredito, já nem é mais utilizado. A quinta-feira parecia amanhecer de forma diferente. Sentia-se isso em todos os detalhes. Até o canto dos pássaros parecia soar de outra maneira. Era um dia triste, mesmo ensolarado. Algumas empresas encerravam o expediente mais cedo, dispensando seus funcionários. E, à noite, acontecia a cerimônia do lava-pés. Os cinemas apresentavam uma única sessão. Os bares fechavam suas portas mais cedo. Por volta de nove e meia, dez da noite, o silêncio era total. Nem mesmo os carros buzinavam. Encontrar uma farmácia aberta era tarefa quase impossível.

A sexta-feira chegava mais triste ainda. O silêncio continuava mais forte. Encontrar alguma coisa para fazer então, nem se fale! À tarde, as cerimônias da paixão de Cristo lotavam as igrejas. Todo mundo queria ouvir o sermão das sete palavras. E, à noite, a procissão do enterro, com o canto triste da Verônica. Quando tudo terminava, as ruas ficavam desertas. Poucos arriscavam ficar no jardim, jogando conversa fora. E o sábado de aleluia já chegava mais alegre. Mas as igrejas continuavam com os mantos roxos, fúnebres.

A vida só voltava ao normal depois do toque da “Aleluia”. As coisas eram simples assim, professora, naqueles idos diferentes, “quando a semana era santa...”