Bicho Papão

Levantou cedo com medo de perder a hora. Teria programado o despertador com uma hora de antecedência. Levantou-se, foi devagar até o banheiro onde acendeu a luz rapidamente, com receio de por acaso, aparecer mais uma barata daquelas voadoras. Relanceou os olhos por todo o ambiente, e então, lavou-se. Escolheu uma roupa que não mostrasse tanto as pernas, a fim de evitar qualquer chance de ser abordada na rua, que ultimamente, tem ouvido falar que só dá mala. Desceu as escadas, certa de que tinha trancado bem a casa. Foi até o estacionamento, olhou para todos os lados e entrou no carro, rapidamente. Travou as portas e saiu, com o celular ligado. No trânsito, fez de tudo para manter distância dos outros veículos, cada maluco que passa! Vez ou outra um doido ainda colava em sua traseira, e tinha que acelerar além do permitido. Procurou ainda uma vaga perto da entrada da loja, mas não tinha. E lá ficou, dando voltas, até que alguém saiu. Não poderia, de jeito nenhum, sair no final do expediente, já escurecendo, sozinha. Na loja, todo o circuito de TV ligado. O segurança do prédio zanzando de um lado para outro, de alguma maneira, transmitia-lhe um pouco de sossego. E conseguia até se sentir à vontade com os clientes. Na hora do almoço, porém, não desceu para almoçar. A movimentação lá embaixo era tanta, que se passasse alguém e lhe tomasse a bolsa, de repente, nem daria para ver quem é. Então, ligou no restaurante que fica a dois quarteirões e pediu que lhe entregasse a comida. Esta chegava já quase fria. Pelo menos, tinha a certeza de que fora preparada com os cuidados que lhe parecia necessários. Afinal de contas, sua vizinha e melhor amiga trabalhava lá. Ela mesma já tinha visto como a preparava. Mais algumas horas, e já tinha que fechar o caixa. O banco só funcionava até às dezesseis horas. Preferia vender tudo a cartão, porque assim, não precisava sair com dinheiro e depositar na conta da loja. Mas, não tinha jeito. Sempre vinha um cliente, desses que ainda andam com dinheiro por aí, e fazia algum pagamento. O depósito, não poderia pedir a um moto boy que o fizesse. Teria que ser ela mesma. Momentos antes de sair, contava o dinheiro, dobrava-o e o colocava dentro do soutien. Já ouvira dizer, muitas estórias de levarem sapatos e tênis em assaltos. Bolsa então, nem se fala. Desceu as escadas como se o prédio estivesse em incêndio. Chamou Seu Regis, esse já estava acostumado a acompanhá-la todos os dias. Depositar todo o dinheiro era sempre um alívio. Enfim, saiu da agência e foi até seu carro, Seu Regis ao lado. Entrou nele, depois de olhar para todos os lados e se abaixar para ver se tinha alguém embaixo. Vai que um desses doidos se esconde lá... Seguiu seu caminho, atenta ao noticiário do rádio, que informava sobre a atuação da polícia naquela região. Já em casa, depois de travadas todas as fechaduras, resolveu descansar um pouco. Há tempos não se divertia. Tomou um banho, comeu alguma besteira e se deitou na cama. Ninguém para proteger seu sono naquela noite. Dormiu, ainda ligada, com o barulho da praça. Durante a noite, o bicho-papão veio e a comeu.