Impressões sobre meu pai - (valente ou determinado?) *

*Texto extraído do livro "Ocaso e resnacer de uma vida", publicado em dezembro de 2006

Os filhos homens costumam espelhar-se no pai, ídolo natural, independente do seu comportamento em relação a eles, à mulher, e, às vezes, até em relação à sociedade. Faltam-me elementos teóricos para uma explicação científica, psicológica, sociológica, social ou outra derivação.

O certo é que, malgrado certas atitudes não condizentes com o papel de co-responsável pela criação dos filhos, há sempre uma tendência de, se não lhe seguir o exemplo, pelo menos considerá-lo vítima ou parte mais fraca da relação conjugal.

Nesse caso, a mãe, por melhor que se esforce para atenuar ou suprir as falhas, ausências ou omissões do companheiro, fica sempre em segundo plano no confronto da benquerença dos filhos. Pode até este quadro constituir exceção, e de fato, constitui, mas isso vem a reforçar o entendimento, segundo o qual o pai é o ídolo do filho, pelo menos na infância.

Não fugi à regra em todas as fases da vida.Sempre tive uma admiração profunda por meu pai desde a tenra idade, passando pela adolescência e até a idade adulta, quando ficou ainda mais fortalecida. Jamais tivemos conflitos de ordem pessoal ou de outra natureza.Nem de trabalho, porquanto desde cedo fui ajudá-lo nos serviços de construção de estradas de rodagem.

Mas a razão dessa convivência harmoniosa provinha, dentre outros fatores, da admiração que sempre tive à sua figura, para mim, a de um homem disposto, conforme ouvia de terceiros. Reportando-me aos meus tempos de moleque, em Caicó, quando costumava ouvir de adultos para adultos a advertência para não “mexer” com os filhos de Julio Rodrigues.

A mesma advertência eu ouvia de garotos, quando os maiores pretendiam provocar brigas comigo e com meu irmão Julinho. Mas quanto a estes, sabia o porquê. Como éramos considerados valentes, todo o cuidado era pouco em nos provocar, pois a reação era de imediato e violenta.

Mas com relação aos adultos, entendia como referência a meu pai, ele ser considerado um homem valente. Confesso que me aproveitava da situação e, em razão disso, tornava-me mais atrevido nos embates de rua com os outros garotos. Às vezes também era inconseqüente no trato com pessoas mais velhas ou maiores, escudado na sua valentia. Com o tempo, e o amadurecimento natural, comecei a questionar essa qualidade a ele atribuída.

Nunca ouvira ou presenciara qualquer manifestação de coragem de sua parte, a não ser em episódio relatado em outro texto, quando enfrentou um grupo de trabalhadores famintos à procura de comer e de trabalho.

Mas isso ocorreu sem qualquer atitude de valentia, arrogância ou de superioridade. Simplesmente usou de argumentos e propôs solução temporária e pacífica para o problema.

Esse meu questionamento quanto à razão de considerá-lo um homem valente, esbarrava também no fato de jamais haver portado arma de uso pessoal. Em nossa casa, por outro lado, de objetos considerados armas, nada havia além dos “trinchetes” de cortar carne e de cortar sabão, pela incompatibilidade de uso em comum para as duas necessidades domésticas.

Onde, então, estava a sua valentia ou a sua coragem ?

Muitos anos após, fazendo comparações entre o seu modo de agir e o meu, que procurava seguir-lhe o exemplo, cheguei à conclusão que, na verdade, ele era sim, um homem determinado. Esta qualidade, porém, muitas vezes é confundida ora com valentia, ora com coragem. Na consulta ao “Aurélio”, verifiquei que uma das designações de “coragem” é “a força ou energia moral que leva a afrontar os perigos”, e valentia, a qualidade de ser valente, destemido.

Especificamente, meu pai poderia se enquadrar no primeiro exemplo, pela força moral da qual era possuidor. Esta qualidade já demonstrara no episódio antes referido e no trato diário com os operários, sem a necessidade de demonstrar força ou autoritarismo.

Quanto ao segundo, não lhe cabia bem a designação, porquanto jamais demonstrou destemor, no sentido de provocar enfrentamento de situações perigosas.

O problema era outro.

Sem provocá-las, enfrentava-as, no entanto.

Na prática, com base em observações meramente empíricas, costumo fazer a distinção entre os dois vocábulos, classificando a valentia como espécie do gênero coragem.

Tomo como exemplo, entre vários outros, o destemor dos alpinistas em galgar montanhas íngremes e dos adeptos dos esportes radicais, de um modo geral.

Neles, eu identifico um “plus”, intimamente ligado ao desejo de provocar uma situação, conscientes do perigo a que serão expostos. O perigo não vem a eles, e sim, eles o procuram. E nisso há um sentimento de prazer, de satisfação ou afirmação pessoal. Como não entendo de psicologia, deixo a explicação para os especialistas do insondável da mente humana.

No que se refere ao meu pai, como não tenho conhecimento de haver procurado perigo para enfrentá-lo, prefiro qualificá-lo como detentor de uma força moral, que o tornava um homem corajoso, capaz de enfrentar o perigo quando este chegasse.

Vou mais além, ainda com a permissão dos especialistas. Acresço-lhe outro adjetivo, que, embora do mesmo gênero, constitui outra espécie. Ele era um homem determinado. Quando tomava uma decisão, quaisquer que fossem as conseqüências, dificilmente retrocedia do intento. Resolvida essa questão de ordem existencial com relação a ele, procurei o quanto possível seguir-lhe o exemplo

Numa análise do passado, especialmente a partir do ingresso na magistratura trabalhista, quando resolvi alterar a concepção de alguns valores e conceitos, a determinação tornou-se um dos mais importantes valores a serem seguidos.

Posso dizer que uma das características mais marcantes de minha personalidade é a determinação.

Algumas vezes, mal sucedido, porém, no geral, vitorioso.

Serve de consolo, reconhecer que nem tudo na vida são flores, pois até estas necessitam dos espinhos para compor seu gênero. Os valores morais do meu pai foram publicamente reconhecidos em vida. Em primeiro, com a designação do seu nome à rua de entrada da cidade,em Caicó, vindo de Cruzeta ou Jucurutu.

Em segundo, a outorga do título de cidadão honorário, pela Câmara Municipal de Caicó, de iniciativa do vereador Darcy Costa (ou Darci Frade), cuja solenidade está registrada na foto a seguir.

* Texto extraído do livro Ocaso e Renascer de Uma Vida, do mesmo Autor, Editado em dezembro de 2006

Biuza
Enviado por Biuza em 26/03/2008
Código do texto: T916825