O banquete

Os preparativos para a festa iam muito adiantados. A criadagem se esmerava e os cozinheiros especialmente contratados davam o máximo de si na preparação dos mais finos pratos. O banquete marcaria época. Não pelo fato de ser o mais dispendioso das últimas décadas na cidade nem por contar com as mais proeminentes figuras da sociedade mas, sim, porque um velho amigo de “Doutor” ter sido nomeado recentemente para o Ministério e, conforme o combinado, em sua nova condição de ministro, convidaria o velho amigo para assumir a Secretaria Geral do Ministério, minutos antes de iniciar-se o avanço.

Nada poderia falhar. Tudo haveria se ser perfeito. Para isso todos se esmeravam. “Doutor”, inclusive, nem foi ao escritório após o almoço e durante toda a tarde supervisionou o trabalho da criadagem, suando em bicas e com o coração acelerado ante a perspectiva de ser alçado, de forma definitiva, às mais altas esferas políticas do país.

Toda a mansão foi objeto de criteriosa faxina e o salão de jantar mereceu atenção especial. Afinal, ali que a “surpresa” seria anunciada e, portanto, deveria estar como se ali fosse se desenrolar um conto de fadas. Por isso, logo após a preparação do ambiente foi ele fechado para que nem um único grão de pó (no dizer de “Madame”) caísse nele.

Não faltava muito para o horário em que os convivas deveriam começar a chegar e “Madame” determinou ao mordomo que abrisse o salão para que os empregados da cozinha iniciassem a colocação dos talheres e quando o fidelíssimo serviçal abriu as portas sentiu-se a tragédia que pairava no ar: em breve os convidados iriam chegar e o cheiro que recendeu foi horrível.

“Madame”, não entendendo bem o que poderia ter acontecido, chamou marido que, enjoado com a catinga, determinou que os criados suspendessem imediatamente o que estavam fazendo e fizessem uma nova limpeza no salão. Móveis foram arrastados e, embora nada de diferente fosse localizado, tudo foi novamente limpo e encerado. Parecia que tudo estava em ordem mas por força de uma chuvinha marota que começou a cair, janelas e portas do salão foram fechadas e, com isso, o cheiro recrudesceu. O motorista de “Madame” correu à despensa e voltou com alguns daqueles tubos de spray purificadores de ambientes e borrifou aqui e ali e, diga-se de passagem, durante alguns minutos até que deu para disfarçar mas logo depois a catinga parecia mais forte.

“Doutor” perdeu a esportiva. Ameaçava os empregados com demissão e “Madame” com o divórcio. Mais uma busca desenfreada e mais uma limpeza frenética. E nova frustração. O cheiro permanecia e, por incrível que pudesse parecer, quanto mais se limpava o salão, a cada momento a catinga parecia mais forte. O desespero tomava conta de todos e “Doutor”, completamente descontrolado, derramou um vidro de extrato no tapete mas por uma dessa mágicas da química o perfume, ao invés de neutralizar a catinga, a potencializou. Agora, quem entrava no salão tinha ânsias de vômito e, o que é pior, o cheiro começava a se espalhar pela mansão.

“Doutor”, angustiado, via sua tão almejada carreira política terminar antes mesmo de começar. “Madame”, muito cabreira, sentia que sua vida de “socialyte” estava por um fio pois uma das exigências daquela jararaca que tinha por sogra foi, quando do casamento de seu filho único com aquela “suburbana”, a separação de bens. O mordomo, apesar da fleugmática atitude, estava absolutamente angustiado. Não conseguia imaginar uma outra casa, se demitido fosse, em que pudesse ganhar o mesmo salário trabalhando tão pouco. A governanta, sem o saber, pensava o mesmo. O motorista de “Madame” não se preocupava tanto com o emprego e sim em perder o lugar na cama da patroa (e das vantagens que isso lhe trazia) nas longas e repetidas viagens do patrão.

“Doutor”, a cada minuto mais transtornado, gritava com “Madame” acusando sua origem humilde de ser a responsável pela catástrofe que estava prestes a se abater sobre sua cabeça chegando, inclusive, a afirmar que tudo aquilo que se passava nada mais era senão que vingança daquela mulherzinha de baixo nível com quem se rebaixara a casar. “Madame”, por sua vez, também muito transtornada por ver o segredo de sua origem, tão zelosamente guardado durante os anos do casamento, ser revelado aos quatro ventos, gritava com o mordomo que, para se defender, gritava com a governanta, que gritava com o motorista, que gritava com a cozinheira, que gritava com a arrumadeira, que gritava com a lavadeira, que gritava com o jardineiro que, não sendo besta e não tendo mais com quem gritar, saiu de fininho e foi para o lado de “Doutor”, postando-se como se fosse um escudeiro seu e concordando com tudo que ele dizia, aliás, gritava.

E o tempo passava.

Faltava pouco mais de duas horas para a chegada dos convidados e comida estava ainda parada sobre o fogão, pois até os cozinheiros contratados para a ocasião foram convocados para a tentativa de descoberta da origem do cheiro e sua aniquilação e, mais tarde, com o clima que reinava na mansão, foram também envolvidos na troca de acusações e ameaças. Não era possível manter-se as portas e janelas do salão fechadas porque, além da chuva, estava fazendo um frio dos diabos. Fechando-os o cheiro aumentava. O desespero também.

Quando a balbúrdia era geral chegou a mãe de “Doutor” a qual, tão logo foi inteirada dos acontecimentos, sentenciou com a autoridade e sapiência que os anos trazem: - “Eu bem que disse: - casando-se com essa suburbana você só iria mesmo se envergonhar!”. “Madame”, mais que depressa, xingou a velha, um pouco pela ofensa e muito por sua educação, e o sururu generalizou-se. Aliás, foi um sururu dentro de outro sururu, porque enquanto os patrões lavavam a roupa suja não paravam de gritar e ameaçar os empregados, estes gritavam entre si.

E o tempo era cada vez mais curto.

Dali há pouco os convidados começariam a chegar e aí...bem...Uma coisa era certa: depois daquela estariam eles alijados do jet set. “Doutor”, pela catinga em sua mansão, “Madame”, pelo divórcio.

Não agüentando mais a pressão “Doutor”, alucinado, refugiou-se na biblioteca e, em prantos, pedia a Deus que fosse benevolente e lhe mandasse um infarto fulminante pelo menos assim estaria livre dos comentários e das críticas. “Madame”, na porta da biblioteca, ouvia as súplicas do marido e, bem no fundo, desejava o mesmo, pois, como ficou evidenciado, depois daquela, só mesmo a morte do marido permitiria que ela continuasse a levar a vida de luxo e esbanjamento que passou a ter após o casamento. “Doutor”, verificando que não morreria de morte natural passou a considerar a opção da morte provocada. Não restava outro caminho senão o do suicídio. Com o tempo aprenderia a suportar os comentários e gozações da sociedade que, acabariam ou perderiam a graça tão logo outro escândalo viesse ser motivo de troça. Até mesmo poderia aceitar a idéia da desistência da carreira política nos mais altos escalões do país. Claro! Com o tempo poderia aprender a suportar tudo mas jamais se veria livres das críticas de sua mãe e, isso sim, seria insuportável. Só mesmo não se matou por não encontrar a pistola que mantinha na escrivaninha. Provavelmente seu filho a furtara para trocar por drogas numa das favelas que freqüentava. O jeito seria ir para seu quarto e se matar com outra de suas armas. Sendo o desastre definitivo que mais poderia fazer?

Ao sair da biblioteca “Doutor” viu “Madame”, sua mãe, o mordomo, e cada um dos demais criados amuados e acuados pela situação, encolhidos nos mais diversos cantos da casa. Cada qual lamentando os prejuízos individuais que sofreriam em razão daquela catinga miserável. Nesse momento Junior desceu de seu quarto e percebendo o que acontecia, se compadeceu dos pais e antes que fosse encontrar-se com seus amigos para fumar uma maconhazinha, estuprar uma garota e, se tivessem sorte, incendiar um mendigo, temendo perder sua mesada, informou que sabendo que os pais iam dar uma festa para uns chatos resolveu sacanear os velhos.

Como, minha senhora ?

Muito simples: colocou cocô do gato no lustre do salão de jantar.

Dario Castellões
Enviado por Dario Castellões em 30/12/2005
Reeditado em 03/01/2006
Código do texto: T92404