Vômito

Ah, como poderia escrever longa prosa agora. Prosa à maneira de Kafka, ou como em "A Hora da Estrela", de Clarice, a deusa. Mas, cá entre nós... Ela é mãe da Marília Gabriela?

Eu e as piadinhas, insensatas. Que eu quero esconder com elas, com os estudos, com as músicas, filmes, filosofia? Bem sei, se sei: Amor. Dolorido e irritante, condenado. Não creio que exista, no entanto, amor de outra maneira. E não vou discorrer em páginas e páginas sobre seus cabelos, seus olhos, seu sorriso. Seria indiscrição, seria ridículo. É absurdo pensar em amor e não pensar na pessoa amada? A vida é o teatro do absurdo.

Se todas as meninas bonitas já têm namorados, isso não importa. Importa de fato que eu bebo leite com chocolate em pó - e de maneira alguma isso pode ser chamado chocolate quente - abraçada com meu travesseiro; não tenho ninguém ao lado. Ou isso realmente importa ou nem mesmo é alguma coisa que merece ser escrita. Se sim ou se não, deixo o silêncio berrar em meus ouvidos. O que ele berra é que o amor não está aqui, talvez não estará. E o resto do mundo segue, repugnante e necessário como o sistema linfático.

Se não for a pessoa de agora a me fazer falta, será outra, outra, outra, outras. No meu coração e longe de mim. Quando os procuro, vejo a mim mesma, como no espelho. Um buraco no espelho, como na música de Arnaldo Antunes.

"Eu levo essa canção dançante pra você lembrar de mim

seu coração lembrar de mim..."

Não, nem essa linda música do Skank irá me salvar agora. Não consigo dormir.

"Eu vou dizendo na seqüência, bem clichê:

Eu preciso de você..."

Não vou dormir sem remédio, não vou ter emprego amanhã, não vou passar no concurso público por melhor que eu tenha ido na prova, alguém foi melhor. O amor não me quer.

E entre estas e outras fraquezas sou obrigada a entrar na roda de samba da vida sorrindo, sensual e a dançar. Dançar uma música da Maria Rita, estando tão bonita quanto ela. Pela fraqueza maior: a própria vida. Entre as fraquezas, conservo a franqueza. Também o travesseiro, o copo e o pó de chocolate no fundo dele. Os fracos de estômago e os otimistas que me perdoem agora, ou que vão ler Zé de Alencar ou Olavo Bilac: mas vomito pus em cada palavra escrita. Meu amor é um vômito mais espesso e profundo que não sai do corpo com facilidade; quando sai é produzido novamente. Ser humano é ser um vômito do acaso, de dentro das confortáveis e obscuras entranhas universais.

Escrever sobre a tristeza, sob tristeza, isso é tão fácil. Se um dia tiver um amor entre os braços irei largar de literatura, e minha poesia será a vida. Mas quem hoje em dia quer poesia? Os vagabundos, os aposentados, os jovens que sonham e não fazem nada mais? Não, ninguém. Se quer sucesso, glamour, muito dinheiro. Se quer a Puta que pariu. Eu quero que se foda, já são uma da manhã e eu preciso morrer até umas dez. Quando se morre, mesmo por pouco tempo, ninguém precisa estar ao seu lado. O universo te engole de volta, apesar do sabor amargo, e te digere aos poucos... É quente, escuro e confortável. E não é sexo. É a mais plena solidão de um ser.