Xangô e Suas Mulheres

Xangô e Suas Mulheres

Muito se tem dito de Xangô, importante Orixá, principalmente lorubá, vindo ao Brasil com os escravos. O que muitos não sabem é que na representação mitológica da nação africana está incluído um modelo tão belo quanto o grego no conflito masculino. Cada homem, como Xangô, tem em seu comportamento coletivo a representação de duas mulheres: Iansã e Oxum. Iansã é a lutadora, combativa, indomável, Senhora dos ventos e tempestades, andando a cavalo, portando lança guerreira. Oxum é a mulher fútil, superficial, parideira. Trata-se da mesma luta entre Afrodite e Psiquê, retratada por Robert Johnson em seu livro “She”.

João Clodomiro do Carmo, no livro “O que é Candomblé?” (Coleção Pequenos Passos) faz uma assertiva contundente: “Freud tinha ´pirado` se tivesse nascido no Brasil”. Se houvesse estudado os candomblés Jejê, Ketu, Nagô, o candomblé de caboclo ou de Angola, ou mesmo a Umbanda, por certo não teria criado a Psicanálise. É que enquanto a religião judaico-cristã se baseia numa moral persa, zoroástrica, do bem e do mal, os ritos africanos aceitam todos com suas características próprias, suas mil fantasias psicológicas de acordo com os doze orixás que fazem suas cabeças.

Uma mulher, em conflito afetivo sexual com o marido, pode recorrer ao candomblé ou à umbanda através da incorporação de seus orixás sexocráticos ou guias espirituais. Invoca Oxum, Iansã ou a Pomba-Gira, um ritual onde não há culpa, e tudo é primitivo. Pode-a dar vazão aos impulsos sexuais reprimidos ou explodir a revolta contra o domínio machista. Inexiste a culpa cristã nos ritos afro. Todos são democraticamente aceitos de acordo com suas “cabeças”.

Retomando o tema, Xangô foi o Príncipe ou Rei na mitologia afro. Como em todos os outros Orixás (Ogum, Oxossi, Nana etc.) há muitos tipos de Xangô. Mas as características principais persistem: Xangô é ciumento, gosta de mulheres, vaidoso, está sempre em movimento, tem censo de justiça. Xangô é apaixonado, exige fidelidade, tem aversão à morte, não suporta disputas em seu território.

Tem duas mulheres prediletas: Iansã e Oxum. As duas brigam por Xangô, que não desiste delas. Iansã é feminista, indomável, mas sempre ao lado de Xangô, invocando raios contra os que querem destruir seu amor. Detesta ser enganada, ciumenta como Xangô, vive com ele em permanente conflito. Mulher histérica, dominante, cruel, que não perdoa e faz escândalos. Iansã é guerreira, mulher de briga.

No lado oposto será Oxum. Mulher parideira, doce, doméstica, sempre apta a servir como esposa. As suas oferendas são o mel de abelha e o ovo (gemada), símbolos afrodisíacos da energia sexual. Superficial, tagarela, fala demais.

Nunca é mal ser filho de Oxum. Há sempre alguém a lhe dar conselhos, arrumar as malas, ser disponível na hora das dificuldades. É a mulher compreensiva, que se levanta para abrir a porta de madrugada e oferecer um lanche. É a Amélia de Ataulfo Alves ou daquele lindo samba de Ary Barroso – Camisa Amarela – “Depois que passa a brincadeira ele é todo para mim”. Oxum é inteligente, a mulher que Sérgio Bittencourt definiu: “Se passa por mandada e manda na gente”.

O homem moderno vive intensos conflitos. Quanto mais a feminista avança, quanto mais forte a pressão de Iansã, mais ele recua. Ao mesmo tempo, quanto mais é aprisionado por Oxum, mais se fascina com Iansã.

Como a vida é conflito, tem-se uma Iansã e uma Oxum a perturbar a vida dos homens, a deixá-los indecisos. Melhor de tudo é que as duas facetas de caráter podem coexistir numa só mulher. Conquista um homem mais fácil aquela que alterna as duas características: ora é Iansã, ora é Oxum.

Isso até enquanto não aparece um Oxossi, o famoso “Ricardão” da mitologia nagô. Cerimonial, vestindo verde, Oxossi é caçador de mulheres bonitas, atleta, um verdadeiro perigo.

Afinal, a carne é fraca. Principalmente nas mulheres carentes.

Maurilton Morais
Enviado por Maurilton Morais em 30/12/2005
Reeditado em 30/12/2005
Código do texto: T92545