O tranco

Acabo de receber o maior tranco da vida. Há dois anos venho lutando e me preparando para submeter-me à cirurgia de catarata; como sou diabética o controle da glicemia dificultou manter atualizados todos os exames exigidos. Com a dieta forçada perdi uns bons quilos; se já não era gorda, sequei! Oh, céus!

Fiz a operação e voltei a enxergar. Agora estou me contendo para não meter o pé na porta do centro cirúrgico no Hospital dos Olhos e exigir do Dr. Mário Ursolino:

– Devolva já as cortinas da minha catarata! Não quero mais ver esta rugaiada. Mantenha aquele olhar abestado e inocente, descrente das dobras que me franzem as pálpebras, que me enrugam os lábios e descem pelo pescoço.

Cecília Meireles teria pena de mim ao ver o meu assombro, o meu cruel espanto quando, ao olhar-me pela primeira vez ao espelho, após a cirurgia, perguntei enlouquecida: “Onde deixei a minha outra face?”

E o distinto a jurar-me “Você é linda! Você é muito linda!” Mentiroso, enganador, aproveitador desta velhinha cegueta!

Se ao menos eu pudesse usar um véu de odalisca ou uma burca iraniana...

Contou-me a minha amiga Helena – que não tem catarata - que quando o marido chegou do hospital, depois de fazer a tal cirurgia, ao passar pela varanda do seu apartamento, exclamou, ao olhar para os telhados das casas abaixo:

– Credo! Quantas antenas de televisão!

Depois, ele entrou para o banheiro e ela ouviu um berro medonho:

– Meu Deus! Que caco velho eu estou!

Daí, disse a minha amiga que ela correu para o quarto fazer a maquiagem, tapar as rugas com base, creme e pó-compacto, antes que ele a visse e o impacto o fizesse atirá-la pela janela.

Não, eu não estou brincando não. Eu já usava óculos de lentes grossas para ler, ajudadas por valente lupa, mas estar cega assim, deste um tanto, a ponto de não me reconhecer depois de curada? Não posso acreditar!

Você vai fazer operação de catarata? Vai mesmo? Pois então prepare seu espírito: deixe de ter medo - a coisa é muito simples e rápida, não dói nada - mas, vá descrendo dos elogios maridais, das comparações que os filhos fizerem entre você e as velhinhas circunvizinhas. Deixe de se encabular por arrastar os pés e se queixar de dor nos quartos e diga, com os olhos bem abertos, como o amigo Ricardo Calmon:

– Viva a vida!

Christina Cabral
Enviado por Christina Cabral em 05/04/2008
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