Beleza interior

Bonita ela não era, sabia. Também não era tão feia, dizia. Tinha lá seus encantos, imaginava que assim fosse.

Cruel esta vida. Não lhe dera um rosto bonito. Sequer um corpo bem feito. Nem dinheiro ela tinha.

Família pobre, sem posses, vida difícil. Um pouco de dinheiro, quem sabe, esconderia um pouco daquela feiúra. Mas, também, não era tão feia assim. Acreditava.

E tinha a beleza interior. E beleza interior, todos diziam, é melhor que a exterior. A beleza do corpo, da juventude, se vai. A beleza interior, ao contrário, é perene, é eterna.

Eterna também não. É exagero. Afinal, todos morremos e, aí, lá se vai a beleza interior. E a beleza exterior também, é claro, se ainda houver.

Se conformava um pouco por achar que toda mulher bonita era burra. E isto ela não era. Certamente que não. Enquanto tinha estudado, suas notas tinham sido, sempre, acima da média.

Não era das primeiras da classe, era verdade. Mas ficava sempre naquele segundo grupo de alunas mais destacadas. No primeiro ficavam aquelas alunas mais sortudas. Sim. Só podia ser sorte. Afinal ela estudava tanto ou mais que elas e acabava no segundo grupo. Pura falta de sorte.

Será que ela era perseguida por algum tipo de sina? Só podia ser. Sim, porque ela não era linda, pelo menos por fora, não tinha dinheiro e ainda por cima se matava de estudar e não ficava no grupo das melhores alunas.

Bem, ficava no segundo grupo. Boa aluna, linda por dentro e sem dinheiro. Não teve jeito. Teve de abandonar os estudos e partir para a vida. Trabalhar.

Certamente encontraria um bom emprego. Salário bom. Razoável, talvez. Independência financeira, imaginou. Chega de pobreza. Carro?

Claro. Não um zero quilômetro. Seria querer demais. Mas um semi-novo. Não é assim que se diz?

Sabe que ela poderia até ficar menos feia dentro de um carrinho bonito? Melhor falar mais bonita ao invés de menos feia. E falar era algo que ela sabia fazer. Às vezes falava até demais. Era incontrolável.

Quantas confusões já arranjara por, às vezes, falar demais. Quantas amigas perdidas por causa da sua língua. Amigas? Pensando bem, não. Amigas verdadeiras não se vão assim, só porque a gente faz um comentário maldoso e, claro, um pouquinho exagerado.

Gostava de falar. De verdade. Falar, bem ou mal, fazia com que ela se sentisse bem. Quando falava, geralmente, ficava no centro das atenções. Azar de quem desse motivos para que ela falasse mal. Aqui se faz, aqui se paga. Ou melhor, aqui se faz, aqui se fala.

Só não conseguia falar mal da Bia. Coitadinha da Bia. Já não bastava ser a mais feia do grupo. De uma feiúra marcante, notada, indiscutível, inquestionável. E olha que a Bia nem tinha a tal da beleza interior.

Era feia, mesquinha, maldosa, invejosa, falsa, fofoqueira, mentirosa. Mas, tirando isto, seus defeitos eram iguais aos de qualquer outra pessoa. Como falar mal de uma amiga assim?

Era uma amiga querida, a Bia. Quando estava a seu lado, ora, tinha certeza que era a mais bonita das duas. Aí sim, podia até se orgulhar, levantar o nariz.

O emprego não veio. Pelo menos aquele bom. Aquele do carrinho semi-novo. Era mesmo uma sina.

Namorado? Nem pensar. Os candidatos, até aqui, não valiam a pena. Muito feinhos, coitados. Só tinham beleza interior.

E excesso de beleza interior, convenhamos, cansa!