VIVENDO E CRESCENDO

Baseando-me em fatos reais, reconstruí dois textosa mim relatados em um tratamento onde ajudei uma família. Analisem o conteúdo e me digam se este não é um problema sério. Muitas pessoas não percebem o seu problema e só vão sofrer, quando nada mais pode ser feito.

A quem quiser se interessar

Meu nome é Ricardo, tenho catorze anos e cheguei à conclusão de que devo me matar, pois não agüento mais as brigas dos meus pais.

Minha mãe quase não conversa comigo, como fazem as mães dos meus amigos. Vive me dando dinheiro, para comprar balas, pastéis e outras porcariadas. Tive todos os brinquedos que eu podia ter. Meu pai se esforça muito no trabalho e vive resmungando sobre os gastos que fazemos. Quando ele não está em casa, mamãe diz que vai continuar gastando, “para ele não gastar com outras mulheres”.

Fico muito grilado com isso, pois o pai do Marcelo vive cheio de mulheres, mas ele não para em casa; está sempre na rua, dando desculpas que tem negócios a cuidar. Meu pai não, ele está sempre no trabalho ou em casa. Está certo que ele não é de conversar muito, mas eu não acho que ele leva jeito de traidor. Não sei se eu tivesse uma mulher como a minha mãe, se eu ficava casado; acho que eu me mandava.

Ontem o meu pai estava vendo TV e era no programa do Faustão, onde aquelas moças ficam dançando; foi o bastante para a minha mãe começar uma discussão, ao cutucar o meu pai: “Com saudade das farras?”. Meu pai já se irrita, xinga ela de burra e sai da sala, refugiando-se no escritório.

Quantas vezes eu vou até lá e tento conversar com ele, mas vive magoado e dá a impressão de crer que eu não gosto dele.

Eu tinha uma irmã seis anos mais nova, mas ela morreu com infecção na cabeça, quando tinha três anos. Meu pai me disse uma vez, que a minha mãe ficou desse jeito, a partir da morte da minha irmã. O gozado é que ela nunca mais quis ter outra filha.

Hoje, enquanto escrevo, são onze da noite de quarta feira, os dois estão brigando feio. Minha mãe acha que ele mandou lavar o carro, “para esconder alguma coisa errada que fez”. É sempre assim, se ele não lava “é porque está desiludido da vida, sofreu um fora com a amante”. Se ele tenta explicar é porque “se sente culpado”, se cala é “porque aceita a culpa”. Não acho o meu pai certo. Ele devia fazer alguma coisa, ao invés de brigar com ela.

Uma vez eu dei uma bronca nele e ele falou que o que ele faltava fazer era sair de casa, mas acho que não sai por minha causa. Como sinto-me um estorvo, acho que é hora de dar no pé. Me mato e pronto.

Estou escrevendo no meu diário, pois o meu pai vai ler depois que eu me matar e, quem sabe, irá falar pra minha mãe. Pode até que ela mude, se perceber que a causa de tudo é este ciúme exagerado.

Quero que a minha morte sirva para mostrar a todas as famílias, como é que um problema desses bagunça com a vida da gente.

Não tenho raiva de ninguém e perdôo a todos.

RIC.

O Despertar de um Homem

Domingo, onze da manhã, dia lindo, passarinhos cantando, meu quarto está incrivelmente iluminado e com um perfume estranho.

Acabo de chegar do Hospital.

Só me lembro de ter ido ao armário da mamãe na quarta feira, depois de ter escrito aquele desabafo, ter ajuntado um monte de remédios, que minha mãe comprou e nunca usou, e ter bebido todos. Aos poucos fui dormindo e muitos pensamentos gostosos me ocorreram. Sonhei com meus avós, todos falecidos, me esperando num jardim bastante iluminado, com flores exageradamente coloridas e brincando com minha irmãzinha, que vestia um par de asas, que permitiam que ela voasse sobre a minha cabeça e puxasse meus cabelos, igual ela fazia, quando era viva. Vi o Bob, meu cachorro que morreu atropelado, com os pelos tão brilhantes, que ardiam as vistas de olhar para ele. Tudo era muito lindo e eu brincava e ria.

Acordei ontem de manhã, com minha mãe chorando à minha cabeceira e me implorando perdão. Papai abraçava seu ombro e falava: “Não fica assim, vai lhe fazer mal”. Quando abri os olhos, mamãe me disse: “Seu tolinho, como pôde pensar que não o amamos, eu e seu pai quase morremos de sofrer”. “Nós somos burros, doentes mesmo, mas lhe prometemos que tudo vai mudar”.

Papai balançava a cabeça, chorando sem parar e dizendo: “Não tente nos deixar de novo, nós lhe imploramos”.

Foi aí que eu vi que nada se resolve com a morte.

Não creio que meus pais vão mudar tanto assim. Hoje na saída do Hospital, vi o meu pai distrair-se no sinal e acompanhar com os olhos uma moça que atravessava a rua. Nem era bonita, mas minha mãe já falou: “Nem depois do que houve, você toma jeito!”; meu pai ia retrucar, mas ficou sem graça ao cruzar o olhar comigo e disse: “Deixa pra lá!”. Sei que me amam e não os abandonarei. Seria covardia minha, pois eles precisam de mim.

Mas, espere um pouco, que barulho é esse debaixo da minha cama?

Deus do céu!, um cachorrinho, a cara do Bob, só que com o pelo mais claro. Já que não tenho outro irmão, pelo menos um cachorrinho irá me ajudar a cuidar dos meus pais. Ou será que viraram meus filhos?

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