Os músicos da caserna

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A música sempre nos acompanhou no transcurso da vida. Nos momentos de felicidade; nos momentos aflitivos. Não raro, essa ou aquela canção nos faz recordar, reviver momentos, relembrar pessoas... Os fatos existenciais perdem um pouco da sua essência sem a harmonia das notas e dos sons de uma bela melodia, acompanhada ou não de uma bela voz. Médicos já constataram que crianças com gestação regrada ao som dos clássicos possuem mais equilíbrio que outras geradas ao sabor de sons mais agressivos – talvez a afabilidade esteja diretamente associada ao que se ouve no período de formação fetal.

Nas solenidades militares também se faz necessário o uso de instrumentos musicais. São eles, os sons, que dão uma tônica mais formal à cerimônia, sem torná-la tão enfadonha, e a soberba se professa mais persuasivamente.

Com a preocupação de criar o próprio quadro de músicos, o comando da Corporação decide ousar e busca força política para que se torne real a admissão de militares músicos no Corpo de Bombeiros. Sai o edital e de toda parte jovens se preparam para a luta ferrenha por uma das vagas.

A origem em muito influencia nossas ações e, apesar de o tempo nos modificar, valores familiares e outras peculiaridades humanas são difíceis de serem alterados. Assim, por mais que a tecnologia e os meios de comunicações nos queiram "padronizar" as idéias, o modo de agir e de pensar, não raro, ainda encontramos os matutos brabos do sertão – homens, talvez, enxertados de fidelidade ética raramente encontrada nos senhores da capital.

O casarão vermelho, democrático em sua essência, tem, portanto, mais uma vez, o prazer de congregar tipos brasileiros, do pseudo-intelectual ao homem pudico do sertão.

Esses moços da capital, os mancebos do interior, todos almejam um único propósito: passar.

Prova efetuada. Exames efetuados. Recrutamento. Instruções. Avaliações. Aprovação. Tropa formada. Lotação dos músicos.

1994. De plantão, um jovem egresso do interior cearense e abarrotado de "causos" naturais – um homem que, erroneamente, chamamos de matuto. Ele, um dos tipos brasileiros egresso na vida militar. De onde viera conhecia apenas Josés, Pedros, Marias, Joaquins... Nomes que soam naturalmente aos ouvidos da nossa gente. Esse homem agora, curioso como todos os demais componentes do Corpo de Bombeiros de então, entra no alojamento dos recém formando da primeira turma de músicos da Corporação. Está pensativo e passa o dia assim... "O que teria no alojamento desses recrutas?" – Pensa consigo exaustivamente.

À noite, por ocasião do seu horário de ronda, não suporta a curiosidade e vai, alegre, vistoriar o alojamento. Aproxima-se dos armários. Com a lanterna, presta-se ao trabalho de verificá-¬los. Inicia uma silenciosa leitura: Clarinete, Trompete, Saxofone, Bumbo, Tuba, Trompa, Trombone... De repente, exclama o sobressaltado rondante: "Vixe, Maria! Que nomes estrambóticos! Nunca vi nada parecido! As mães desses rapazes têm muito mau gosto danado!"

Não satisfeito, nosso glorioso bombeiro, guardião do aquartelamento, desce e procura rapidamente o oficial-de-dia, questionando-o:

– Tenente! O senhor já viu o nome dos recrutas? Não tem como mudar, não!? Como é que uma mãe passa nove meses com um bicho no bucho e coloca no filho o nome de "Trompete"!?

Nijair Araújo Pinto

Do meu livro 'Lapso temporal'