COMER MUITO, NÃO É COMER BEM!

Era apenas mais um almoço. O estômago estava roncando e os pensamentos já estavam confusos. Os neurônios, sem nutrientes já estavam meio grogues. A fila no restaurante não era tão grande assim que me desestimulasse e como já estava lá passei a observar os pratos que passavam à minha frente.

Em alguns o colorido das verduras atiçava os olhos e deixava o rango até mais apetitoso, e em outros o tradicional arroz, feijão e bife era campeão de popularidade. Percebi que o prato era dos menores talvez em função dos glutões de plantão. Penso que alguns até já tenham desistido do local.

- Vou embora, um "pratin" desses... não sacia a fome de um cidadão. Já teriam dito os mecânicos da oficina da esquina.

Peguei o de sempre, com ênfase nas saladas. Eu diria até que um prato modesto se fosse comparar aos outros. Sentei-me à mesa com apenas uma senhora do outro lado. Pedi a velha coca para acompanhar e estava desatento quando de repente sentou-se à minha frente um sujeito com uma obra de arte no pequenino prato. Olhei e não acreditei. Era uma montanha literalmente. Uma montanha de arroz cuidadosamente amassada(o sujeito tinha uma colher nas mãos) mas na verdade se fosse uma pá... o uso seria o mesmo. Fiquei imaginando que talvez o cara fosse um escultor, quem sabe um arquiteto... tal a arrumação de tanta coisa em tão diminuto espaço. A altura seria maior pouca coisa que talvez uma chave(abertura com os dedos indicador e polegar... ao máximo). O macarrão estava por cima...descendo montanha abaixo... realmente era tudo bem tramado. Os pedaços de bife estavam dos lados, servindo de barricada, para a montanha não desabar, o que seria uma tragédia para um estomago tão faminto. A montanha reluzia tal como ouro... era farofa... jogada por cima de tudo, como só um bom gourmet sabe fazer.

Fui comendo bem devagar, estava até com vergonha da miséria que iria me alimentar. O sujeito olhou de leve para minha refeição deu um pequeno riso de canto de boca e balançou a cabeça com ares de desaprovação. Partiu para cima do monte Everest com uma técnica invejável. Eu já tinha derramado alguns caroços de arroz e uns pedaços de beterraba na mesa, enquanto do outro lado o prato era rodado com cuidado a cada investida da colher; e nada era derramado. Parecia que o conteúdo era implodido... a montanha estava ruindo aos poucos... O macarrão por cima e escorrendo lembrava o gelo derretendo no Aconcágua(efeito estufa)... Eu particularmente achava que ele não tinha dentes... parecia um jacaré(engolindo sem mastigar)... estomago, nem pensar, ia tudo para o papo. Concentrei-me no meu prato mas percebi um leve movimento do outro lado.... uma banana daquelas corudas ia saindo discretamente do bolso do guloso... foi cortada em segundos por sobre o que ainda restava. De repente o silêncio é quebrado:

- Garçon... um refri!

Na realidade garçom era força de expressão. Era o dono do restô em uma de suas multiplas funções.

- Coca?

Nosso personagem respondeu negativamente apenas com um meneio de cabeça, a boca já estava cheia.

- Pepsi?

Resposta negativa.

- Fanta?

Até que....

- Um FREVO cola... bem "geladin".

Caraca... o sujeito ainda aguentava tomar o "espoca bucho".

Olhei para o lado e percebi na parede um cartaz onde dizia.

"Quem deixar sobra no prato vai ter que pagar uma multa de 1 real".

Fiquei imaginando quantos glutões já haviam estado no estabelecimento e deixado sobras que poderiam alimentar uma alguém normal ou até uma multidão.

Eu já estava terminando... quando ouvi um ruído estranho. Depois outro...olhei para a senhora que estava a minha esquerda e nada. Encarei o famigerado e percebi que havia saído daquelas bandas os sons estranhos. Outro barulho.. ou seria um trovão.

Perdi o apetite... ainda bem que tinha sobrado pouco... Mas no prato a frente do meu ainda havia uma quantidade considerável. Tome mais um trovão.... O companheiro de mesa parou de comer, tentou de novo. Respirou fundo... olhou para o cartaz.. conferiu as moedas no bolso... até que olhou prá mim e perguntou:

- Ei "loro".... tem um real aí?