É TARDE

     É tarde, disto sei em vê-la, pequenina, gordinha ! Tão branquinha ficou, baixinha. Seus cabelos acordaram sem cor. Ontem conduzia-me pela mão ao jardim da infância, dando conselhos: primeiro dia de aula, não chorar, sem desespero, caladinho na sala. Passos firmes e cabelos noturnos de então :
     - Depois você se acostuma, vai até gostar.
     O fardamento ela mesma cosera. Nossas merendeiras e uniformes eram sacrários onde detinha-se em cuidados. Material escolar sumira-se, casa pequena : com paciência, buscava, achava.
     Mamãe estudara só até a 3ª série, já em idade avançada, passara longe dos jardins, na infância. Não lhe fizera falta, sua simplicidade é comprometimento com a pureza, só olhos tão simples podem ter o coração tão grande.
     Papai foi-se há 17 anos, levou-lhe a juventude, deixou-lhe uma auréola, ficou mais mãe, seis filhos. Aprumou-se no quotidiano.
     Os filhos partiram em busca de suas vidas, ela ficou na casinha vazia, aguando as plantas, limpando as estampas dos santos, alimentando Manchinha, gato de Seu Assis, meu pai.Do oratório pro seu baú, ficou.  
     Trouxeram netinhos que os abençoasse, a casa envelhecera, encolhera
não desaparecendo porque ainda respira aquele sopro original. A mesa com oito lugares, pra quê ? Pra quem ?
     Veio ficar uns dias conosco. Meu filho de oito anos foi ao seu quarto, punha-lhe o lençolzinho:
     - Papai, Vozinha se esqueceu de se embrulhar e tá frio !
     Na sala... jornal, más notícias... outras más notícias... cochilei reclinado sobre seu colo... ouvi-lhe enquanto me acariciava :
     - Meu filho, como envelheceu, cabeça branquinha.
     Transforma leite em queijo, coalhada, doce. Sinal de que está em casa é que o Sol nasce com cheiro de café. Tem as doses certas dos elementos culinários. Seis da manhã a mesa está posta, ela já tomou o primeiro dos quatro banhos diários.
     Hora de deixá-la no terminal rodoviário:
     - Fica mais uns dias, Mãe ! Eu que sempre a chamava mãezinha. Não mais conseguia. Fica, Mãe !
     - É tarde, meu filho, é tarde.


Marconi Barros
Enviado por Marconi Barros em 13/04/2008
Reeditado em 29/09/2011
Código do texto: T943496