EU QUERO A MINHA MÃE

EU QUERO A MINHA MÃE

Paulo “Phaedrus” Marcial Neto

Era um barulho infernal de sirenes, explosões, gritos autoritários, palavrões, e de muita gente chorando. Eu, aterrorizado como tantos outros colegas, com as minhas mãos posicionadas na nuca e sentado desconfortavelmente sobre pedregulhos de um estacionamento de automóveis, não sabia mais o que esperar. O que mais desejava, naquela hora, era acordar e ver que tudo não passava de um pesadelo.

Mas aquela era a noite de 22 de setembro de 1977, quando as forças da repressão invadiram o Campus da PUC de São Paulo, espancando indistintamente alunos, professores e funcionários, destruindo suas instalações e espalhando o terror.

Eu era um jovem de 19 anos que havia, no início daquela noite, entrado na sala de aula em busca de um sonho. Mas igualmente àquelas centenas de jovens ao meu lado, eu não tinha a certeza de mais nada. A não ser o profundo medo que sentia. Estava em estado de choque, desesperado, com o corpo ferido, a alma dilacerada e as roupas sujas e rasgadas. Pensava nos campos de concentração nazistas e me enxergava como um pobre prisioneiro de guerra aguardando para ser colocado defronte ao pelotão, para o fuzilamento sumário.

Pensava muito no telefonema que horas antes havia conseguido fazer para a minha casa, de um telefone público da Universidade, na hora da invasão. Recordava a voz da minha avó, desesperada do outro lado da linha, querendo saber detalhes do que estava acontecendo e me dizendo que os meus pais não estavam em casa, que haviam ido a uma reunião de diretoria no Clube. Naquele momento, desesperançado, questionava-me se iria ver novamente meus pais, minha avó e os meus irmãos.

Os meus olhos então, que buscavam ao redor rostos conhecidos de amigos, viu a cena mais improvável de todas!

Minha mãe, magrinha e franzina, do alto dos seus poucos menos de 1,60m, era furiosa e decidida. Abria caminho entre cassetetes, capacetes e escudos. Tornou-se, naquele momento e sem saber, a mais temível gigante combatendo a ditadura!

Esbravejando e brandindo sua carteira de identidade de esposa de militar, abriu o seu caminho no meio daquele caos, até chegar defronte ao secretário de segurança de São Paulo e que comandava aquele ato bárbaro, o destemperado coronel Erasmo Dias.

Dedo em riste no rosto do coronel, era uma imagem no mínimo inusitada para quem quer que estivesse no local. Menos para mim, é claro! Aquela era a minha tábua de salvação!

Levantei-me rapidamente e, em poucos segundos, um policial já estava ao meu lado, exigindo que eu sentasse novamente. Então eu berrei:

“Ta vendo aquela mulher com o Coronel Erasmo Dias? É a minha mãe!”

E saí correndo ao encontro dela! Quando cheguei ao seu lado, pude ouvir claramente o comandante ordenar: “Tirem essa louca e o filho dela daqui da minha frente!”

Foi dito e feito! Agarrado à mão da minha mãezinha, eu finalmente saí daquele Inferno de Dante, pensando como seria bom dormir mais tarde na minha caminha quente!

Mas antes daquele final feliz, de retornar finalmente à segurança do meu lar, o que não consigo apagar da minha mente - não importa quantos anos passem - foram os rostos suplicantes de centenas de meus colegas, rapazes e meninas, todos desesperados, aterrorizados e ainda sentados no chão de pedregulhos, implorando:

“Me levem junto! Tirem-me daqui!”

Talvez, se puxarem pela memória, muitos daqueles jovens vão se lembrar daquela cena. Porém, dois deles – rapazes - certamente irão se lembrar perfeitamente, se um dia lerem este texto. São aqueles dois rapazes que eu não conhecia, mas levantaram-se de repente, e também seguraram na mão daquela mãe. A minha mãe!

Naquele instante, a fantástica Dona Therezinha adotou, de pronto, mais dois filhos. Eu, orgulhosamente afirmo que foi (e ainda é) uma honra imensa ter dividido o amor da minha mãe com esses dois irmãos, que nunca vi ou falei outra vez.