UMA AVENTURA DA ADOLESCÊNCIA

Eles são amigos há muitos anos, acho que desde os tempos de criança. Moravam próximos, cresceram praticamente juntos. Hoje trabalham com e para a justiça. Em ramos diferentes, é verdade. Um está sempre de óculos escuros. Parece até muito sisudo. Mas, quem dele se acerca, sabe que é muito boa praça. O outro é mais expansivo, faz da comunicação uma especialidade e é mestre em artes marciais. De vez me quando, durante o café matinal, rememoram fatos divertidos da juventude, enquanto observam a fumaça das xícaras subindo devagar, como se vissem os anos passando, deixando para trás uma época despreocupada.

Pois bem, numa dessas manhãs, a história surgiu assim, espontânea. Foi lá nos meados da década de sessenta. Outros tempos, muita vida pela frente! E o circo chegou à cidade. Foi armado lá pelas bandas da Vila Sampaio. Era sempre uma festa. Quem nunca pensou em aventuras sob a grande lona, não tinha sonhos nem imaginação! E o dia da estréia chegou. Luzes, música, pipoca, guloseimas, o chão de terra batida, poeira. Mas quem se importava com isso? Havia, ainda, a possibilidade de se entrar sem pagar os ingressos.

Foi o que fizeram. E quando o mestre anunciou “respeitável público”, lá estava ela, Diana a trapezista, filha do próprio Piranha, o homem que vendia ilusões. Deram um jeito de fazer amizades, chegar mais perto. Uma semana depois, o circo se foi. Restou o espaço escuro onde as esperanças brilharam. E também as saudades, é claro! Afinal, ela era linda, corpo bem feito, roupas curtas e reluzentes. Os dois amigos falavam sempre sobre isso. Quem sabe não poderia se tornar verdade? O mundo era pequeno, como diziam. Mas, onde a lona estaria armada?

Um dia, dois anos depois, sem querer, um deles viu, num jornal, que o circo estava numa das então nascentes Marginais de São Paulo. Bateu a saudade da moça do trapézio voador, com seu traje colorido, capaz de mexer com a imaginação! Impetuosos, tomaram o ônibus e rumaram para a capital, mesmo com o dinheiro minguado que possuíam. As horas do trajeto pareciam eternas. Mas, de repente, estavam lá, na cidade grande e movimentada, olhando aquela mesma lona, deserta no meio da tarde calorenta. Ao redor, cinco ou seis veículos que serviam de transporte e residência simples.

Bateram palmas no primeiro “trailer”, com o coração aos pulos. Como estaria ela depois de tanto tempo? Atendeu um sujeito forte, estilo domador. Perguntaram pela jovem. Em resposta, indicou a terceira das moradias improvisadas. Palmas hesitantes, novamente. Surgiu um homem baixinho. Bem baixo mesmo, mas atarracado, indicando muito exercício. Perguntaram pela moça. Ele informou que era o marido. Fez-se um silêncio diferente. Em seguida, apareceram duas crianças gritando pelo pai. Os jovens interioranos entenderam a situação. Nunca mais viram a moça nem o circo humilde.

Nem explicaram porque estavam lá. Agradeceram de forma gaguejada e saíram rápido. Não era hora de argumentações nem mais perguntas. Numa cidade estranha, com tanta gente forte ao redor, o melhor era ir embora mesmo! E voltaram curtindo a desilusão. Restaram, contudo, as poucas imagens, hoje amareladas, daquilo que foi apenas “uma aventura da adolescência...”