Estes Loucos Sãos

Os Colegas de Hospício ou Estes Loucos Sãos.

Os loucos, quando bem medicados ,desenvolvem entre si uma solidariedade, uma ajuda mútua, difícil de encontrar nos dias de hoje. Foi no Hospício que vim a conhecer a Bonitinha. Bonitinha foi o apelido que lhe colocaram ao saber de sua estória, alem dela ser ,realmente , bonita. Sentei ao seu lado quando, entediada com as tardes que se prolongavam a passar quando ela entabulou conversação;

--Sei, Nicole que és médica aqui. Soube, pelo Raul, aquele ali, um cara legal, lúcido ,mas tentou se matar várias vezes depois que a mulher o abandonou. Foi a primeira coisa que pensei ao te ver lúcida e horrorizada com os enfermeiros que, por erro, vieram me dopar. Mas não perdeste o bom humor com a ignorância alheia, hein?Afinal aconteceu o mesmo com o Paulo Coelho. Foi duas vezes internado,sem necessidade,por ordem do pai.Sabes que eu estou aqui por uma razão semelhante. Vê bem o que tem acontecido por Riocomprido...parece, mesmo que tudo enlouqueceu...eu, por exemplo, me separei do meu marido, ele andava com uma outra. Aí, não deu sabes? Então ele quis voltar e frente a minha recusa, ele, sendo homem, simplesmente chamou uma ambulância e quando eu saí de casa me meteram um saco preto na cabeça e vim parar aqui. É de acreditar? Sou louca porque não o quero, apesar de tudo que ele fez. E os médicos e homens todos aqui acreditam nele. É pintoso, advogado e tem dinheiro. De formas que a louca que sou eu ,só sai daqui para poder viver com ele. Acho que vou concordar para poder sair. Que outra opção tenho senão aceitar o machismo dos homens de Riocomprido?

Encontrei, deliciada, muitos destes loucos sãos pelos corredores do Hospital. E ri, ri muito da ignorância, da impunidade, da mediocridade e mesquinharia destas pessoas que internam uma pessoa sã em uma ala de loucos por desinformação. Isto é abundante em Riocomprido, pois não raro ,são gente sem maldade que fazem a internação, despreparados para o quanto isto é sério, doloroso e traumático. Tem somente como base palavras de um familiar com má vontade , insensível ou, pior, cruel.Afinal,não aconteceu com o nosso escritor,duas vêzes?

Algo me encantou: aquela solidariedade que existe entre os loucos dentro de sua loucura embora a loucura de um não seja compreensível para o outro. Quando os comparava com os técnicos do hospital, eles, em conjunto, formavam um grupo mais humano e menos cruel que o primeiro e talvez isto se deva tanto a medicação pois estão sedados, como a sua possibilidade de maior contato com o inconsciente ,o que os faz mais sensíveis e com maior disponibilidade para o problema do outro.

Bonitinha ,instruída pelos outros, os loucos, saiu nos braços do marido " são", e nos deu uma piscadela de olho, como a dizer que ia agir. E agiu: pôs uma bruta ação contra o marido com um advogado amigo dela e com quem veio a se casar depois, deixando para trás um Hospício abalado em todas as suas estruturas. É, os loucos intruíram Bonitinha...E eu escrevi este artigo publicado no Jornal dos Médicos Escritores.

Suzana Heemann

Suzana da Cunha Heemann
Enviado por Suzana da Cunha Heemann em 27/04/2008
Reeditado em 29/06/2008
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