O adeus de Tereza

Vinha dias desses despreocupado pelas ruas de minha cidade, muito embora não tivesse um emprego a séculos, naquele dia andava despreocupado, com a mente a vagar por aí. Estava por assim dizer: “chutando lata” como já dizia uma antiga canção do Roberto.

De súbito, do meio da multidão ouço alguém gritar o meu nome, não aquele de certidão de batismo e casamento, mas uma antiga alcunha que me foi conferida nos tempos de colégio e que já andava adormecida pelo tempo afora:

- Pequeno poeta!

Virei-me.

Era o Ernesto, grandalhão e gozador, antigo companheiro de supletivo e de noitadas farta nos dias de pagamento. Quase não o reconheci, trazia na cabeça uns ralos cabelos grisalhos e na cara uma espessa barba, esta sim, inteiramente branca.

Abraçamos-nos efusivamente e daí a pouco, como nos velhos tempos, estávamos com um copo de cerveja na mão, que ninguém é de ferro e, numa comemoração que se preze, não pode faltar a famosa loira. suada e apetitosa.

As lembranças assaltavam nossa mente a proporção em que discorriamos o passado:

- Sentavas na última fileira de bancos do colégio, lembras? observei.

- E voce na primeira, rebateu Ernesto.

- Eu era o mais baixo da turma, lembrei.

- E o mais inteligente também, acrescentou o meu amigo.

- Que fazes da vida? peguntei de súbito.

- Fiz faculdade, sou executivo em uma empresa multinacional...

Confesso que uma ponta de ciumes aflorou minha mente. afinal, em comparação ao Ernesto, eu era muito mais aplicado no colégio, e agora vendo-o trajando-se com esmero, ostentando roupas de grife, ao passo que eu, quase em andrajos... A surpresa não cabia em mim.

De súbito lembrei-me da Tereza, uma sua prima distante, quase minha namorada nos tempos idos.

- E a Tereza? Perguntei com uma ponta de saudosismo a me aporrinhar a mente.

Como que temendo dar-me uma noticia ruim, Ernesto baixou a vista.

Fiquei por um tempo observando-o e, em se tratando do meu amigo, preparei-me para o pior.

Exceto pelo começo de calvície e a barba branca ele em nada mudara, tinha os mesmos hábitos de outros tempos: jamais comunicar uma má notícia sem que antes fizesse algum suspense.

Preparei-me:

- Não está mais entre nós, ele disse, quebrando o silêncio.

- Morreu! Exclamei espantado.

- Assassinada em um bordel... completou Ernesto.

Estaquei horrorizado com a notícia à queima-roupa da morte de Tereza.

Agora que tinha conhecimento da tragédia de minha quase namorada, milhões de lembrança do passado atordoavam minha mente, sem que eu aceitasse o modo brutal com que minha amiga falecera.

Assassinada num bordel! Como explicar a tragédia? E tudo aquilo me provocava um não sei o que de melancolia e doces recordações.

Lembrava-me da candura de seu olhar, da doçura da voz, dos sonhos. sobretudo dos sonhos de Tereza, tantos... e no fim todos resumiam-se a um só:

- Quero me casar e parir um monte de filhos, pequeno poeta, dizia-me sempre e, travessa, beijava-me a boca.

- A última vez que a vi estava terminando a faculdade, observei com profunda tristeza. Depois, como meu amigo insistisse na mudez, continuei:

- Morrer em um bordel, Ernesto, a Tereza!

Ele levantou-se devagar tocando-me carinhosamente o ombro:

- É o desemprego, meu filho, é o desemprego...

Fiquei a ver navios. Ele emendou:

- A Tereza fazia programa para pagar a faculdade... e despediu-se.

Nunca mais voltei a me encontrar com o Ernesto.

Antes que ele se perdesse na multidão arrisquei um último olhar em direção ao meu amigo, e ainda pude ver o mesmo gingado de outrora por entre os transeuntes, não havia perdido de todo a graça de ser malandro.

E eu assim que ele partira deixei-me ficar à deriva com as minhas lembranças; depois olhei para a catedral de nossa cidade: a torre e os vitrais eram os mesmos de meus vinte anos, mas Tereza já não estava entre nós.

Olympio Ramos

Olympio Ramos é ficcionista com dois romances ainda não editados.

Olympio Ramos
Enviado por Olympio Ramos em 29/04/2008
Reeditado em 19/06/2010
Código do texto: T967266
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