(IN)TOLERÂNCIA RELIGIOSA NAS ESCOLAS

Não sei se é do conhecimento de todos, mas a intolerância religiosa é considerada, atualmente, uma das questões mais difíceis de serem enfrentadas pelos educadores e pelas escolas. Desde a separação entre ensino o laico e o religioso promovida pela primeira Constituição da República, em final do século XIX, prevê-se que a educação pública seja considerada laica e que o ensino religioso – muitas vezes confundido com proselitismo católico – seja facultativo e optativo. As Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional sempre tiveram que cuidar, em algum artigo, dessa questão.

A Nova Lei de Diretrizes e bases da Educação, artigo 33 – Lei n° 9.394 de 20 de dezembro de 1996 com redação dada pela Lei n° 9475, de 22 de julho de 1997, legisla sobre este assunto do seguinte modo:

“Art.33° - O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.

§ 1° - Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores.

§ 2° - Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição do ensino religioso”.

Como se vê, o texto da lei é ambíguo quanto à forma de operacionalização de um ensino religioso – de que forma promover e como garantir essa dimensão da formação humana. Mas há clareza quanto à necessidade de que uma educação religiosa – quando oferecida – não se realize de maneira proselitista. Proselitismo consiste numa tentativa de convencimento de alguém (um aluno, um vizinho, um familiar, um amigo) de que são mais importantes, ou verdadeiras ou corretas as verdades que você pressupõe, mais do que as de qualquer sujeito: essa é, portanto, uma estratégia de doutrinação dogmática do outro, o que, no caso da educação religiosa é comumente uma armadilha. Em que medida temos o direito de convencimento dos outros de verdades que são nossas se o outro tem as suas próprias, em muitas vezes com outros fundamentos e princípios – evidentemente com suas próprias razões?

A educação religiosa prevista na Lei Educacional não ampara nenhum educador ou escola se a intencionalidade educativa for a de convencimento dogmático – imposição de uma religião.

Uma educação religiosa pautada pelos parâmetros previstos inclui um amplo conhecimento da história e dos fundamentos das mais diferentes religiões e uma reflexão séria sobre a transcendência humana – uma condição de divindade no humano, independentemente de da religião ou, mesmo, da crença no Deus cristão. No limite, independente mesmo da crença na existência de Deus.

Contudo, o que vemos é que muitos professores têm dificuldade de garantir uma educação religiosa às crianças e jovens, seja porque têm como princípio uma intenção catequética (impondo sua religião preferencial) ou porque têm dificuldade de conceber o humano como transcendente, como se fosse preciso manter – a todo custo – a existência máxima de um único Deus para que nós, humanos, nos pensássemos como divinos. E há a dificuldade docente – já há muito conhecida – em reconhecer a pluralidade religiosa existente em nossa sociedade. De outra parte, há um receio – também legítimo – de que o ensino religioso nas escolas freie o processo de laicização do Estado, um dos fundamentos da República no Brasil.

Acabo de ler um livro sobre os evangelhos gnósticos, escrito pela historiadora e professora da Universidade de Princeton (EUA), Elaine Pagels, Editora Objetiva. Os gnósticos são considerados textos datados da origem do cristianismo, dentre eles 52 escritos encontrados na aldeia egípcia de Nag Hammad. Gnósticos, para quem não sabe, são textos que foram banidos do evangelho oficial no início do cristianismo. Há evangelho de Tomé, de São Tomás, de Judas e também de Maria Madalena, além de informações sobre infância e juventude de Jesus. Sugiro que leiam especialmente o capítulo relativo ao Evangelho de Tomé.

Explica-nos a historiadora que o Deus presente nos textos de Tomé prescinde de qualquer instituição para existir: é da humanidade – em sua divindade – de que nos fala o evangelho de Tomé. Essa religiosidade – se assim compreendida - dispensaria os cristãos da obrigatoriedade de filiação a uma instituição religiosa para a prática de princípios cristãos ou, mesmo, para um aprendizado da transcendência no humano e nas relações humanas.

Dessa maneira compreendida, uma aprendizagem religiosa inclusiva e plena poderá se realizar sem que o professor tenha que aderir às causas de uma religião única, transformada em “mais verdadeira ou correta” que outra. Mesmo no marco do cristianismo – nosso maior registro “oficial” por essas bandas - é possível prover os alunos de pluralismo religioso, ensinando-os uma pedagogia dos sonhos e da liberdade de pensar, sentir e escolher suas melhores afinidades, e não somente as religiosas.

Contudo, lastimo dizer ao leitor que em muitas de nossas escolas de Pedro Leopoldo (tido aqui como micro-universo) impera a intolerância religiosa. Se o seu filho for desrespeitado na escola por sua opção religiosa – ou até por não tê-la – a quem você recorrerá? Saiba, além disso, que a intolerância religiosa é fomentada não somente por educadores, mas por famílias que desconhecem os pressupostos do universalismo do saber e das crenças a que se vincula o projeto da escola republicana e da vivência democrática no mundo contemporâneo.

Júnia Sales
Enviado por Júnia Sales em 30/04/2008
Código do texto: T969187
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.