Jessica

Jessica

Jessica casou com um milionário. Já foi um parto, como se diz, descolar o homem. Mais desconfiado de que o quisessem pelo dinheiro era impossível, mas Jessica uma mulher muito habilidosa o levou na brincadeira ,e quando ele falava em casamento ria ou debochava .E tanto sorriu, tanto fez pouco caso das propostas que Gilberto acreditou no seu amor e não no interesse pelo seu dinheiro. As colegas todas sabiam, mas solidárias, e esperando futuros favores de Jessica quando fosse milionária ,"comeram em tranca". Beto não era feio, não era bonito, chegava até a antipatia certas vezes tal era sua proa na juventude em esnobar os amigos com o dinheiro. Exigia dos outros e outras um tratamento especial como se fora alta personalidade ou de sangue nobre. Dizem que nem o príncipe Filipe da Inglaterra ou Albert de Mônaco exigem tal tratamento, mas estamos em Riocomprido e o que êle mais gostava era esnobar e esnobou, inclusive a mulher. Depois de casado teve todas as amantes que o dinheiro ou a cobiça pelo dinheiro pode dar.

Jessica é uma ruiva, bem proporcionada, nem feia, nem bonita. O dinheiro do marido ajuda a embelezar com vestidos estrangeiros , jóias, festas, viagens ao exterior, marketing, em resumo. Ela suspeitou da fidelidade dele e passou a conviver com um ciúme doentio. Dizia sempre :

-"O Marido é meu!"

Mas claro! O amante, entretanto, era de outras. Se uma das amigas se destacava, já desconfiava, já acreditava que Gilberto ia procurar. E fazia o que sabia e podia para vencer a possível concorrente. Chegou ao cúmulo de mandar editar um livro, pagando uma escriba(porque escritores não fazem isto), para dizer que era seu, que ela também escrevia.

Beto costumava olhar a coluna Social, e ela, então , passou a ser colunável. Tinha dinheiro, pagava. Houve uma sucessão de fotos para exibir seus dotes: em um leilão de arte(porque o marido andou interessado em uma pintora), depois foi a Jessica selvagem ,vestida de pele de leopardo(Gilberto gostava de uma mulher a quem chamava leoa), e, finalmente, a Jessica autografando o seu livro. O ciúmes era infantil, pueril, mas feria os outros .Sabiam todos que tinha a cabeça ornamentada. Obviamente os chifres eram de ouro, mas que os tinha, tinha...Dizem que todas tem mas os dela eram de ouro.

Certa vez, escutando o elogio dele a uma mulher que comentavam ser interessante e que tinha "alguma coisa", o ouviu sugerir que tinha uma forte personalidade. Bastou para que Jessica não pintasse o cabelo, a fim de que aparecessem suas mechas brancas e se fazer fotografar na coluna social de cabelo branco, com os dizeres de "Uma Dama de Forte Personalidade". Acabou em uma perseguição insana a esta mulher que, além de ignorar Beto, tinha poucos recursos econômicos e lutava para trabalhar e ganhar seu sustento. Passou a fazer maus comentários dela às amigas, reduzindo as chances de renda econômica da outra. A situação piorou quando ela percebeu que esta, lutadora que era, não se vendia e tão pouco gostava ou apreciava seu marido. O ódio redobrou. Como? Alguém não gostar dele, sendo uma pobretona? Todas o queriam, em sua opinião, pois como se referia ao marido: "-O Beto é um pau cheio de dinheiro"! Todas querem um assim, e esta pobretona é uma hipócrita.

Entretanto, êle, que não sabia da situação, não sabia, incluso, que ela pusera o seu segurança vestido com belas roupas para convidar a outra a um encontro o qual foi recusado,o que gerou mais ódio, pois Jessica ficou sem as provas de que ela era uma qualquer.

Contudo, êle era dotado de bons sentimentos, ria do ciúme da mulher ,brincava, não sabia até onde ela ia pelo sentimento e, consequentemente, vendo a luta pela vida da conhecida de ambos a elogiava. Desta maneira, sem querer ,sem saber, ele abriu uma cova para esta, pois pior ficava a Jessica, nossa colunável. Dizem que quem mais sofreu foi o cronista social. Sofreu, mas calou, afinal era seu trabalho. Os anos passaram na perseguição implacável. Jessica com a idéia paranóica a perseguindo e chamando a outra de desagradável, antipática, despeitada ou frustrada. Quanto a esta, inocente, estranhava o interesse, mas nunca desconfiou das razões. Os cabelos ficaram prateados quando Gilberto descobriu. Enrubesceu, envergonhou ,perdeu a graça.

Aposentado, o cronista revoltado deu com a língua nos dentes, tinha se embuchado anos a fio e um dia comentou que a fulana era boa pessoa, conhecida como humanitária. Foi o suficiente para que Jessica colaborasse com creches, às custas do dinheiro do marido. A falsa bondade transparecia no rosto e no olhar, duro e raivoso.

Beto ,constrangido e já velho ao saber da história e ao perder a cegueira da paixão e enxergar a mulher como verdadeiramente era, resolveu viver encarcerado com ela que, das colunas sociais sumiu toda vida.

Êle resolveu fazer filantropia para recompensar a todos dos desgostos que a mulher lhes infringiu. Alguns amigos comentam que ele foi infelicíssimo , e que se não se separou vive ainda com ela , por dó ou piedade, pois nenhum homem a quer . Representava bem, entretanto, para fins sociais.

- Afinal, porque queres ficar só em casa comigo ?Nunca mais saíste, nem viajaste ,nem participastes de festas como sempre fazíamos...

- Agora que estou velho vou te contar Jessica .Sempre sofri de ciúmes de ti, minha querida, - respondeu Gilberto com pena ao ver a cabeça toda "enfeitada" da mulher.

Dizem que os dois morreram solitários e sorridentes. Jessica sorrindo de felicidade por não ser ciumenta( pela mentira do marido) e êle feliz de morrer ( e nunca mais a ver), como também por não ter mais que ostentar um sorriso hipócrita, ou o falso sentimento de amor.

Quanto á mulher perseguida, casou,era alta profissional e deu gargalhadas ao saber da estória. Nunca quis aparecer na coluna social apesar dos insistentes pedidos do marido e, dizem , que usava muito a coluna social para as suas gatas fazerem xixi.

Suzana Heemann

Suzana da Cunha Heemann
Enviado por Suzana da Cunha Heemann em 02/05/2008
Reeditado em 29/06/2008
Código do texto: T971527
Classificação de conteúdo: seguro