Comida caipira

Não é que os alimentos andam cada vez mais sem gosto? Pão não tem gosto de pão, banana não tem mais gosto – nem de banana nem de nada - leite tem gosto de água e refrigerante tem gosto de remédio. Afora os pães que podemos comprar nas padarias mais tradicionais, o resto é uma massa com miolo dentro. Sem falar nos queijos do Serro que, como se não bastasse, andam na mira das regulamentações sanitárias, correndo sério risco de serem banidos de nossa mesa e culinária – e tradições. E lembremos dos ovos, que você poderá achar desde os originais – chamados de caipiras – até os falsos – chamados de granja.

Chateia-me só de pensar no fato de que meus filhos – e netos, que virão um dia – não saberão o gosto dos alimentos a menos que consigam usar bastante a sua imaginação. Se a imaginação poderá ser estimulada com isso, certamente o prazer não o será. Já vivemos num mundo sem gosto - sabe-se lá que tipo de conseqüência terá esse fato.

Já nos vemos fazendo perguntas como: você reparou que essa banana tem gosto verdadeiro de banana? Isso há pouco me ocorreu e, investigando, fui descobrir que a tal banana com que me presenteou meu pai veio de Fidalgo. Assim sendo, aprendo mais uma lição, qual seja a de que os bons alimentos – no sentido do gosto e da originalidade – não vêem do Ceasa, mas do quintal do Sô Zé de Fidalgo. Aprendo por isso que um de nossos desafios está em preservarmos o que há de valor nas práticas tradicionais de produção dos alimentos. Essa é uma reflexão fundamental, ainda mais em tempos de escassez mundial de víveres, da qual não está livre o Brasil – Pedro Leopoldo inclusive.

Quantas vezes você se assustou com o sabor – ou com a falta dele – ao provar algum alimento? Quantas vezes você se preocupou com as verduras que compra na vendinha próxima de sua casa? Quantas vezes se espantou também com a falta de higiene e cuidado que impera nas bancas de verduras da cidade – inclusive as de supermercados?

Quase não há hortas domésticas – da mesma maneira, quase não há verdureiros na cidade – falo daqueles produtores que comercializavam diretamente seus produtos, certificando-nos de sua inequívoca qualidade. O que comemos, curiosamente, vem-nos de longe, geralmente aportado e armazenado por dias no Ceasa, chega aqui após vários atravessamentos. Não é raro que chegue a nossas mesas um alimento banhado em agrotóxico, comumente amadurecido à base de produtos que nem sequer suspeitamos. Não nos alimentamos mais da mesma maneira que nossos avós. O bom mesmo seria poder comer sempre uma comidinha caipira – anátema do verdadeiro, do bom e do belo nessa pequena crônica mensal.

Algumas crianças e jovens nem sabem mais o que são e de onde vêem os alimentos. Recentemente, um rapaz espantou-se curioso com o fato de que alguém à mesa estava comendo algo parecido com um pé. E era verdadeiramente um pé de galinha, algo que ele jamais supôs existir.

Como já relatei certa vez, meu pai vendia leite de roça de porta em porta nos anos 70. Há alguns anos não vemos mais as caminhonetes de comercialização de porta em porta de verduras produzidas em hortas e plantios de Pedro Leopoldo. Talvez seja esse um sintoma da atuação da vigilância sanitária, mas creio também ser devido à pauperização e falência geral dos pequenos e médios produtores da cidade observada de uns cinco anos para cá. Aliás, não custa lembrar que Pedro Leopoldo foi a primeira cidade do país a aprovar o seu Plano Diretor Rural. De lá, para cá, o que terá ocorrido?

Arrisco dizer que este é o cenário propício a um futuro sem paladar - metáfora de uma cidade que certamente abandonou algumas de suas práticas “caipiras” para render-se aos benefícios das coisas “de granja”.

Se o que comemos é, então, o que somos, seremos nós, num futuro próximo, simulacros? Estaremos nós também sem gosto algum? Só de pensar...

Júnia Sales
Enviado por Júnia Sales em 04/05/2008
Código do texto: T974128
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