Prainha

Fragmentos do Diário de uma Mulher:

Rochas Salgadas, Fevereiro de 1999

PRAINHA

-Os dias de chuva aqui , Emily , parecem tristes mas não o são. Espantas-te? Escuta então a delícia que é esta mistura do barulho das ondas do mar quebrando mesclado ao suave ruído da chuva . Escuta o silencio , a ausência de pessoas pela praia , sente a preguiça que toma conta do corpo , que convida a tomar um café preto forte , a ler , a fantasiar , imaginar ou ,mesmo , poetar. Quero descrever a prainha mas nunca consigo a contento . É um pedaço tão carregado de emoções e recordações que me sinto bloqueada para a colocar como em um quadro ou fotografia , usando as palavras no meu caderno. É o cenário onde se descortina grande parte de minha vida, é o refúgio onde venho me esconder sempre que tenho maiores problemas. É a razão porque te deixo sempre aqui Emily ,minha boneca de pano, como a marcar meu lugar para o próximo ano ou como deixar , através de ti , a menina cheia de ilusões e esperanças que brincou nestas areias. Quando corro da cidade para cá , corro atrás das minhas ilusões e das esperanças aqui guardadas e preservadas. Esqueço que carrego nesta mochila aberta e de boca escancarada quarenta anos de desencantos.

' Acendo um cigarro , encho uma caneca de café preto e resolvo dissertar sobre meu lugar favorito, mas a música começa a rolar e, insinuante , toma o caminho dos neurônios , escorre para as mãos , desce para os dedos e os comanda, me obrigando a segurar a caneta que começa a escrever sofregamente . Resignada , sem controle das emoções que me assolam e brotam lutando para sair, me entrego , contrariada, ao domínio do momento de inspiração e novamente não descrevo a praia...

MOCHILA

Carrego na mochila romances rasgados ,

livros amarelados e versos inacabados.

Carrego na mochila amores desejados,

Concretizados ou frustrados.

Ah , dores,

dissabores nesta mochila ...

Vou andando já vergada,

vou caminhando , vou desabando ,

acumulando dia a dia mais emoções ,

que na mochila vão pesando,

vão me fragilizando,

vão me tornando invisível...

Absurdo !

Sou só espírito ,

e ,

no mundo ,

resta esta mochila...

Suzana Heemann

Suzana da Cunha Heemann
Enviado por Suzana da Cunha Heemann em 06/05/2008
Reeditado em 28/06/2008
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