Um Par de Sapatos Vermelhos

Quando cheguei em casa, deparei-me, em meu quarto, com um par de sapatos vermelhos. Eram de verniz, salto fino, sexy, desesperados por uma fagulha de atenção.

Então lembrei-me que no dia anterior os havia comprado. O preço foi convidativo e muito embora tenha ouvido de alguém que eles não combinavam comigo, não eram o meu estilo, teimei e os levei para casa.

Fui trabalhar com eles no dia seguinte e confesso que me senti muito, muito bem neles. Contrariando todas as minhas próprias expectativas, pois, eles, definitivamente, não eram o meu estilo.

Agora, eles estão aqui, repousando o descanso da noite, à espera de um amanhã promissor, implorando por serem novamente calçados ou serão minhas próprias expectativas? Bem, isso não importa agora, não mais.

Hoje cedo, ao me olhar no espelho, encontrei lá, bem diante de mim, uma outra pessoa. Completamente diferente, nitidamente irreconhecível. Fato que causou-me uma enorme dúvida, pois o reflexo era meu, somente meu.

Era eu? Sim, aquela era a imagem de quem eu me tornei com o tempo. Foi tão rápido que nem me deu chance de me acostumar comigo mesma. Inconcebível, essa nova pessoa, calçando os tais sapatos, abominavelmente vermelhos.

Acho que com o passar dos anos cedemos lugar a uma nova pessoa, tão irreconhecível, quanto surpreendente. E não falo só da imagem não, porque ela é o reflexo do ser humano que está lá dentro. A imagem é o rascunho, o borrão. O original é a essência, está lá, sempre ansiando por algo substancial, muito mais do que um simples par de sapatos vermelhos possam tentar revelar.

O tempo definitivamente vai cedendo um espacinho, que aumenta mais um pouquinho a cada ano a essa pessoa estranha que cai tomando o seu lugar. E vai chegar a hora em que ela vai ocupar tudo e o que restou de você nem vai se tornar lembrança, porque será engolida pelo esquecimento do cotidiano do tempo.

Quando se der conta, vai acontecer de nem se reconhecer dentro de um corpo que em uma outrora da vida foi seu. Novos sentimentos (e não significam que sejam melhores), novos hábitos, novos amigos, novo corpo (com uns tamanhos a mais) e um irreconhecível par de sapatos vermelhos de verniz no seu armário.

Não sei aonde eles me levarão, mas estou certa de que será por novos caminhos. Bons ou ruins? Só o tempo me dirá com quais passos terei pisado o meu futuro, porque a vida nos torna incompreensivelmente irreconhecíveis aos nossos olhos.