Sobre Marias e Mães

Uma canção que eu queria ter feito: “Maria, Maria” de Milton Nascimento e Fernando Brant.

“Maria, Maria é um dom, uma certa magia, uma força que nos alerta

Uma mulher que merece viver e amar como outra qualquer do planeta

Maria, Maria é o som, é a cor, é o suor, é a dose mais forte e lenta

De uma gente que ri quando deve chorar e não vive, apenas agüenta

Mas é preciso ter força, é preciso ter raça é preciso ter gana sempre

Quem traz no corpo a marca, Maria, Maria mistura a dor e a alegria

Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça, é preciso ter sonho sempre

Quem traz a fé nessa marca possui a estranha mania de ter fé na vida”

Maria é o nome da minha mãe, nome que ela não tem mais, tirou quando casou porque não gostava da combinação Maria do Socorro. No papel agora está somente Socorro, mas ela não escapa, na vida ainda é Maria. Também é o nome das minhas três avós, Maria Júlia e Maria de Nazaré. A canção acima é um vitral, onde cada pedaço é um traço delas. Ainda outras Marias passaram e passam por minha vida deixando marcas, de tal forma que Maria torna-se um nome-retrato de todas as mulheres-mães do mundo, em especial, da América Latina. Daí meu desejo de ter sido o autor desse hino.

Fui visitar uma amiga no hospital e na saída deparei-me com outra Maria, uma estátua da Santa Mãe do Cristo, belíssima estátua (os artistas quase sempre capricham nelas), essa mesma Maria é considerada a Mãe do Brasil desde que “apareceu” no rio Paraíba como muitos crêem, e muitos também não crêem. Para mim o importante mesmo é o símbolo que a Aparecida carrega. Não concordo com nenhum exagero, tanto o do devoto que se aflige para ‘presentear’ a santa como se ela fosse masoquista, quanto o daqueles que a desprezam qual aquele pastor que a chutou. Ambos estão cegos aos símbolos.

É preciso ver os símbolos. O símbolo é a mística, é o que está mais além do que os sentidos captam, é o que se enxerga com outros olhos – os de dentro.

Maria é símbolo daquelas que possuem uma estranha mania de ter fé e fazer surgir a fé onde nada se via. Maria é o nome destas que despertam cedinho pra preparar o café dos filhos e arrumá-los para ir à escola, e depois vão trabalhar, enfrentando ônibus e metrôs lotados, outras o engarrafamento das avenidas, outras o suor, a chuva o cansaço, o sangue... Maria é o retrato-dito, nome-síntese das que dão a vida, mantém a vida, possibilitam o futuro, o sonho, a graça, que vivem na mistura de dor e alegria, das igrejas às praças e esquinas, dos campos às cidades e vilas. Maria é sinônimo de Mãe.

É dia das mães. Sempre é dia de mães. É lindo separar um dia-símbolo para dar alguma espécie de devoção às mães como uma flor, um sorriso, um abraço ou um telefonema... A devoção é linda e não deve parar. Triste é saber que há mães sem teto, sem comida, sem salário digno, sem tratamento digno em hospitais, e que de alguma forma somos (ir)responsáveis por todas essas Marias desprezadas no mundo. Feio é que a devoção morra no mesmo dia que nasce, no segundo domingo de maio, e que muitos ainda persistam na ilusão capitalista de que um presentinho é alguma coisa por si só, quando o que as mães querem na verdade é que os filhos as honrem com a própria existência, melhorando-as em suas vidas, andando por caminhos de paz, justiça e alegria.

É dia de mães. Dia de manha, dia de ternura, dia de raça e risos (um pouco de choro também), dia de insistir no mesmo sonho de sempre. Dia (sempre é Dia)... de possuir e espalhar essa estranha mania de ter fé na vida.