A Grande Virtude

Uma das virtudes dele era a velhice precoce. Para muitos jamais seria uma virtude ser velho antes do tempo. Ele gabava-se da velhice ter-lhe encontrado ainda na juventude. Lembro seus argumentos de defesa: Ser velho já agora é não se preocupar com o futuro e nem ser seu escravo. O tempo? Esse é um tolo que não me assusta mais, pois o tenho em completo. Para ele o tempo era o maior problema da existência, então esse problema já estava resolvido desde os trinta anos de idade.

O que facilitava seu pensamento e comportamento era a segurança e estabilidade que tinha em sua vida profissional. Entendia que para gozar da velhice precoce deveria estar com a vida financeira garantida. Como dizia Voltaire: Antes de querer ser filósofo, primeiro arrume um ganha-pão. Ele dizia que ser velho é tornar-se filósofo. Não o professor, mas filósofo mesmo. O professor nada mais é que um narrador de filosofias alheias. O velho não, o velho é verdadeiramente filósofo. Ele tinha uma filosofia. Só virtuosos possuem filosofias, as pessoas comuns digerem filosofias alheias.

Certa vez me disse que tal virtude tinha suas desvantagens. Desvantagens para quem achasse a solidão algo ruim. Ele sempre flertara com a solidão, pois era o único momento que era ele mesmo ao máximo. Dizia que seu tio-avô lutara na segunda grande guerra e jamais a deixara. Não, o sujeito não morrera em batalha. Voltou de lá com medalha no peito, mas o coração destroçado diante da violência bárbara nazista daqueles dias inesquecíveis. Dizia que o jovem que enfrentara bravamente o inimigo tornara-se um sujeito amargo até a morte. Viveu sozinho o tempo todo. Esta solidão ele repudiava, não queria isso. A solidão por ter o coração dilacerado não é virtude. A solidão por estar liberto das obrigações mais medíocres da existência é a grande virtude. Nisso, ele se achava um grande virtuoso.

Lembro, certa vez, que um grupo de jovens, ex-alunos dele, o chamaram de egoísta. Ele, ironicamente, dizia: Eis que vocês promoveram um vício à virtude sublime! Parabéns, jovens, pois conseguem elevar a letra e não o espírito. Conseguem elevar o verbo e depreciar o espírito! Vocês são a materialização da contradição! Por isso me afasto a cada dia da rotina de seus espíritos, pois tão acostumados à genuflexão esqueceram que já podem erguer as cabeças! E terminava com uma estrondosa gargalhada.

Para ser sincero, não aprendi muitas coisas com ele. Tenho algumas de suas palavras ainda guardadas, mas, na época, achava tudo aquilo uma porção de bravatas. Hoje, vejo que a única maneira de viver intensamente é agir como ele agia. Para isso é necessário atingir alguns objetivos na vida pessoal e depois desfrutar da liberdade de ser. Ele era um filósofo prático, sua filosofia é facilmente testada no dia-a-dia e provada a sua eficiência. É por isso que pude contemplar, em plena segunda-feira, que acima da velha igreja de Santa Teresa tem uma bela casa de porta verde e uma placa escrita: A velhice da juventude é o primeiro passo para a juventude da velhice.

Rodiney da Silva
Enviado por Rodiney da Silva em 15/05/2008
Código do texto: T990694
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