Uma Manhã

Acorda, abre os olhos. São dez horas da manhã. Instintivamente vem o desconforto de acordar só. Entretanto, agradece aos céus por não ter mais aquele emprego besta de intermináveis oito horas diárias, bem sofridas, agüentando as ladainhas do seu chefe. Era aliviante respeitar seu relógio biológico, estava mais saudável do que nunca, uma “saúde de ferro”, como lhe dizia o médico.

Sai da cama e se dirige ao banheiro afim de tomar aquele banho matinal para que possa ficar, definitivamente “em pé”. Com o sono afugentado, veste-se com seu robe e vai até a cozinha de seu pequeno apartamento. Coloca a água na chaleira vermelha e a leva ao fogão. Enquanto a água ferve, separa o pó negro e cheiroso do café moído ainda ontem na feira do bairro e prepara para si um ovo mexido.

A água fervida, passando pelo pó, emana o irresistível cheiro do café que perfuma todo o ambiente. Alcança o patê de presunto na geladeira, passa num pão francês e junta o ovo mexido. “Isso sim que é um sanduíche” – pensa. O café está pronto. Degusta o desjejum lentamente e, a cada gole do café, sente seus neurônios mais despertos. “Bom dia vida” – pensa novamente.

Terminado o ritual do despertar, volta ao closet. Veste-se casualmente para sair de casa. Antes de sair, no caminho para a porta, retém-se na estante de livros. Para. Olha para o porta-retratos que nela repousa. Acolhe o porta-retratos em suas mãos, o traz para perto do rosto e o beija carinhosamente. Devolve-o. Sai de casa. Tranca a porta. E como em todos os dias dos últimos 3 meses, pensa, esperançoso e melancólico, na pessoa com a qual, um dia, voltará a dividir o mesmo teto.