A DESFIGURAÇÃO DA POESIA

No jogo da vida, "chegando como quem chega do nada", pelas mãos da amizade aparece o poema, para minha alegria e gozo analítico. Saudando a proposta subjacente de Maria Bethânia, num canto de alegoria, fruamos o bem que ele nos traz:

“JOGO DO ACASO

Cler Ruwer

O tempo às vezes parece um estranho,

Brincando com as vidas,

como simples “jogo de gamão”.

Cada peça faz parte de um jogo infinito,

que nunca para,

Cada valor; cada dom; cada amor.

Tudo passa e muda de lugar.

É o grande jogo do acaso;

onde eventualmente peças se encontram,

Mas o tempo de convivência,

só o próprio tempo define;

Na marca dos anos, dos meses, dos dias, dos minutos

e até dos segundos.

Cada momento, tem intensidade incomum

– o que o torna irrepetível.

E quando uma peça cai, fica à mercê,

esperando a sorte de não ser substituída.

Onde estou eu???

Onde está você???”

– remetido pelo Orkut, em 08/07/2012, 18h46min.

Amada Cler! O "JOGO DO ACASO" é um bom texto. Faço, por merecimento, um estudo analítico sobre ele, tentando apontar virtudes e eventuais defeitos. À simples vista, nem o aparente prosaísmo tira a sua densidade poética. É uma das peças de melhor coerência, tensão e corpus poético que já postaste neste Orkut, desde que te acompanho – há cerca de um ano. Discreto no conteúdo, bem urdido, com ritmo prevalente e assonante, em muitos momentos. O poema vai bem até o verso ..."esperando a sorte de não ser substituída.". Os dois versos finais soam como explicitações que nada têm a ver com o discurso poético, por serem expressões prosaicas autônomas, e, salvo melhor juízo, podem se dispensadas, para o bem de que o texto despretensioso possa continuar sendo um POEMA. No lirismo amoroso feminino (e este, no caso, não foge à regra) quase sempre ocorre essa tresloucada busca pela figura do amado, o que, normalmente desfigura o poema, tirando-lhe a codificação, o cerne sugestional intrigante (e instigante ao pensar e à estranheza), puxando-o para o discurso sem codificação de linguagem – excludente do verso com Poesia – tornando-o um simples e trivial “recado amoroso”. Acaso aceites, o poema ficaria mais hígido como peça com poeticidade se acatasses a supressão dos dois versos apontados. Não esqueças: o poema nunca pode ser pleno de linguagem aberta, derramada... O poema completa-se – pela sugestionalidade – na cabeça do leitor. Tal como está, os dois versos finais excluem-se pelo uso da denotação, por falta absoluta do sentido conotativo, característico do texto com Poesia. Parabéns pela ocorrência de alguns elementos novos em tua crescente busca pela linguagem figurativa, a única que pode vir a produzir Poesia. Percebe-se que a insistência na experimentação começa a surtir seus efeitos, no texto.

– Do livro ALMA DE PERDIÇÃO, 2012.

http://www.recantodasletras.com.br/tutoriais/3769797