Porque sou panfletário

Eu tenho um grande defeito

Eu sou panfletário,

Qualquer um pode torcer o nariz

E dizer com desprezo;

É só um panfletário.

- a crítica mais contundente.

E com isso tudo descamba

Pelo ralo abaixo.

Não é doença infantil

Como sarampo, catapora,

É juvenil, como a acne.

Adquiri com os antigos,

Brecht, Maiakovski, Castro Alves,

E agora não há como

Livrar-me das cicatrizes

Tenho a cara furada

E não há "peeling" que dê jeito.

Preocupado com as críticas,

fui procurar nos poetas

a sua motivação.

Vejam, Borges,

o Jorge Luís,

pessoa boa e simpática,

ser totalmente apolítico;

não é que arrumou, também encrenca com o ditador das argentinas; porque não é uma questão de política, dói mais aos Borges serem governados por ignorantes. E cá entre nós, um ditador culto é uma miragem maior do que um rei filósofo:

“o que desejávamos escrever era a poesia essencial – poemas para além do aqui e do agora, livres da cor local e das circunstâncias contemporâneas”.

Nada portanto de panfletário. Um amigo disse;“Ah, vejo que você sustentava o ponto de vista de que o principal objetivo da poesia é surpreender”.

Já Elliot, T. S. afirma:

“Que a poesia é muito mais local do que a prosa, pode ser verificado na história das línguas européias”.

E mais: “Numa civilização saudável, a poesia maior terá algo a dizer a todos os cidadãos, em qualquer nível de educação”.

E mais ainda: “A poesia é uma constante lembrança de todas as coisas que só podem ser ditas em uma língua, e que são intraduzíveis”.

E finalmente: “É igualmente possível que o sentimento pela poesia e os sentimentos que são a matéria-prima da poesia possam desaparecer em todos os lugares, o que poderia facilitar aquela unificação do mundo, que algumas pessoas consideram conveniente para o próprio benefício deste”.

Estaria ele falando da globalização?

Então a poesia pode estar

desaparecendo do mundo.

Os sentimentos e emoções

podem estar sufocados.

O próprio ser pode estar

igualmente pisoteado.

Esse é o tema universal, isento de cor local, para além do aqui e do agora, que deve ser dito em todas as línguas nacionais, com as suas diferenças intraduzíveis. Precisamos dizer que o condor é um animal em extinção, e que o povo também. E que a praça não é do povo. Lamento muito, mas a praça só é do povo durante o carnaval. Pode ser que todo o mundo já saiba; mas quem está nascendo, não

Então eu sou panfletário

É um defeito que tenho

Cicatrizes de acne juvenil

Que "peeling" nenhum conserta

E mesmo avançado em idade

Carrego ainda no rosto

No cérebro, no pensamento

As marcas daquele tempo.