A Formação dos Professores e a Qualidade do Ensino

A Formação dos Professores e a Qualidade do Ensino

(Palestra proferida no Rotary Club Aparecida – 17/03/2008)

Luiz Eduardo Corrêa Lima*

Inicialmente gostaria de informar, particularmente aos Companheiros Rotarianos presentes, que estou embasando a minha fala na Formação dos Professores, porque este também foi um dos argumentos defendidos pelo Ex-Governador do Distrito 4750, Ano Rotário 2003-2004, Companheiro Roberto Carlos Monteiro, do Rotary Club Niterói-Icaraí, em sua Palestra proferida no final de 2007: “Analfabetismo e Analfabetismo Funcional: o Papel do Rotary”. Nesta Palestra o Companheiro Governador Roberto Carlos considerou a falta de Habilitação Específica dos Professores como sendo um dos principais problemas a serem trabalhados para a diminuição do Analfabetismo no País. Desta maneira, resolvi partir desse argumento como base para manifestar minhas idéias, por causa de quatro motivos fundamentais:

1˚– Porque eu particularmente penso que a Falta de Habilitação seja o principal problema para o analfabetismo dentro da escola, até porque eu distingo dois tipos de analfabetismo: um dentro e outro fora da escola. O “Analfabetismo Dentro da Escola” certamente depende, mais do que qualquer outra coisa, do bom desempenho do Professor. O segundo tipo de analfabetismo está associado há tantos fatores que o Professor acaba não sendo importante nessa avaliação, até porque ele não tem contato profissional com o que acontece fora da escola e assim esse tipo de analfabetismo, embora exista, é um problema que não se enquadra na nossa discussão e não será tratado aqui.

2˚ – Porque eu sou Professor há quase 33 anos e Formador de Professores há quase 30 anos e tenho percebido que essa questão está cada vez mais fora do controle no país, até porque sempre tem havido um incremento na necessidade de novos professores no Mercado e com isso a formação dos profissionais tem sido menos exigente e desta maneira a qualidade dos professores que saem das Escolas de Formação Específica tem diminuído bastante.

3˚– Porque os órgãos fiscalizadores, lamentavelmente, têm feito vista grossa e, o que é pior, têm até promovido mecanismos que prejudicam a Boa Formação dos Professores, estimulando o desenvolvimento de cursos rápidos e pouco abrangentes. Hoje há cursos de Formação de Professores para o Ensino Fundamental e Médio que duram dois anos e são realizados por correspondência, sem nenhum controle e que custam até 70% mais barato do que os Cursos Regulares. Ora, isso é um estímulo ao barateamento, ou melhor, a vulgarização dos Cursos de Formação de Professores.

4˚ - Porque não somos apenas eu e o Companheiro EGD Roberto Carlos que achamos que essa é uma questão importante, mas vários dos grandes Educadores Nacionais, dentre esses eu posso destacar aqui: Cláudio Moura e Castro, Mário Sérgio Cortella, Cristóvam Buarque, Jorge Gerdau Johannpeter e vários outros que citam a Formação do Professor como um dos itens mais importantes para o combate ao Analfabetismo e ao Analfabetismo Funcional.

Dito isto, vamos ver como a questão deveria estar andando se tudo estivesse de acordo com as normas estabelecidas e dentro dos costumes tradicionais que deveriam nortear todo o Processo Educacional.

Aqui no Brasil, embora eu penso que todos saibam isso, vou aqui reafirmar que os professores são diferentemente formados para atuar no Magistério em quatro níveis: Ensino Fundamental – Ciclo I (da Primeira a Quarta Série), Ensino Fundamental – Ciclo II (da Quinta a Oitava Série); Ensino Médio e Ensino Superior.

Para atuar no Ensino Fundamental – Ciclo I, teoricamente é necessário um Diploma de Conclusão do Curso de Magistério (antigo Curso Normal) ou equivalente; no Ensino Fundamental – Ciclo II, teoricamente é necessário um Diploma de Licenciatura Curta ou Plena numa determinada Matéria ou equivalente; no Ensino Médio, teoricamente é necessário um Diploma de Licenciatura Plena numa determinada Matéria ou equivalente e no Ensino Superior, teoricamente é necessário, no mínimo, um Diploma de Mestrado numa determinada Matéria.

A realidade Nacional tem demonstrado que, nesse caso específico, a Formação de Professores, assim como em tantos outros que acontecem nesse país, na prática a teoria também é outra, e infelizmente essas necessidades mínimas, estipuladas pela Legislação, geralmente não são cumpridas. Desta maneira, pode ser dito que tem muita gente inabilitada dando aula de qualquer coisa em qualquer lugar, porque em certo sentido é exatamente isso que acontece.

A carência de Professores Habilitados, em todos os níveis, é de tal monta, que os Órgãos de Ensino Público e muitas das Instituições de Ensino Particulares acabam suprindo as suas vagas com pessoal muitas vezes totalmente desqualificado para exercer a função de Professor, ou melhor, a função de “passador ou repetidor de matéria” ou mesmo “ocupador do tempo útil escolar”. Porque como é que alguém pode ensinar aquilo que não conhece? O número de Professores Eventuais, Substitutos e Temporários ministrando aulas daquilo que não entendem é deveras assustador e extremamente preocupante, em particular, num Estado como São Paulo.

Ora, se a Educação e o Ensino já não costumam ser tão bons quando são realizados por gente qualificada e do ramo; haja vista que hoje os Cursos de Licenciatura, aqueles cursos anteriormente citados que formam e habilitam os professores, estão cada vez mais curtos e assim menos abrangentes, como já foi dito; imaginem então, quando a coisa é feita por gente totalmente estranha e alheia à matéria em questão ou à Educação como um todo?

Quero crer que o que eu disse até aqui, deve ter deixado muito clara a dimensão do problema que é realmente bastante sério e precisa ser sanado.

Há dezoito anos atrás publiquei um artigo chamando a atenção para essa questão e nada aconteceu. Depois, há cerca de onze anos atrás apresentei um trabalho num Congresso Nacional de Educação, onde eu mais uma vez chamava a atenção para essa questão e de novo, nada aconteceu. Publiquei inúmeros artigos e tenho falado muito sobre essa situação catastrófica e outras questões educacionais, mas lamentavelmente só tenho visto a Educação e a Formação dos Professores andarem para trás no Brasil. É triste e embora todos conheçam o velho chavão que diz: “sem Educação não há solução”, não parece que estejamos, de fato, procurando solucionar a Educação e nem o país. Se o velho chavão for verdadeiro e parece que é, então, desta maneira, nós nunca vamos solucionar nada no Brasil, porque não estamos cuidando devidamente da Educação.

Como já disse, exerço a função de Professor há cerca de 33 anos e quase sempre trabalhei, exatamente, na Formação de Professores e sei da grande deficiência que existe nessa área, por conta dos mais diversos aspectos e situações, os quais não têm como ser discutidos nesse momento. Entretanto, entendo que por pior que possa ser a Formação do Professor, esta será sempre melhor do que não haver formação nenhuma e acredito que se essa questão simples fosse resolvida, isto é, que somente pessoas preparadas e habilitadas ao ensino trabalhassem como professores, grande parte de todo o problema educacional desse país e desse Estado, em particular, já estaria sendo solucionado.

Aqui no Estado de São Paulo, o problema é muito mais significativo, porque estamos no Estado mais populoso, mais rico e mais poderoso do país e não é admissível que certas coisas ainda aconteçam nesse Estado insigne de nossa Federação. Há regiões do Brasil em que a situação é efetivamente caótica em termos de profissionais habilitados na área de Educação e, embora eu não concorde, eu até entendo que as pessoas de maior nível de escolaridade tentem ensinar àquelas de menor nível, porque existe claramente uma necessidade imperante que obriga a isso nessas regiões. Porém, aqui em São Paulo esse tipo de atitude não precisa e nem deve ocorrer de maneira nenhuma. Temos todas as condições para produzir uma das melhores formas de Educação do mundo, sem precisarmos desse tipo de procedimento.

Nessas alturas caímos numa outra armadilha do sistema, porque alguém dirá: “mas, faltam professores”, o que até parece ser verdade. Entretanto, eu quero ser bastante realista e até mesmo cruel nesse momento e lembrar que: “sempre, faltarão professores”, enquanto a demanda for maior que a oferta. Mas, por outro lado, isso não pode ser a justificativa para que qualquer um ministre aulas sobre qualquer coisa em qualquer lugar e para que se desqualifique ainda mais a Educação nesse Estado, haja vista que as escolas estão cheias de “alunos” e que é preciso dar aulas. Ora, de que adiantam as aulas, se elas são apenas imagens “para inglês ver”. Nós precisamos de aulas reais para brasileiro assistir, acompanhar e aprender. Estamos, na verdade, fingindo e brincando de Educação. Essa enganação é perigosa e tem trazido sequelas bastante significativas. Por exemplo, é grande o número de crianças na quarta e até mesmo na oitava série do Ensino Fundamental ainda não alfabetizadas.

É preciso reavaliar essa prática de que a escola seja uma obrigação do cidadão e por isso empurra-se todo mundo para dentro da escola, num faz de contas generalizado. Na verdade a escola é uma obrigação do Estado, mas não é por isso que o Estado deve oferecer qualquer porcaria, a qualidade deveria ser o item primário na Educação. O cidadão, por sua vez, deveria ter direito de escolha sobre o procedimento e sobre o uso ou não da escola.

Num Estado de Direito efetivamente Democrático o cidadão deveria ser livre para escolher entre ir ou não ir para qualquer lugar, inclusive à escola. É claro que, como cidadão e principalmente como Educador eu penso que todos devam ter o direito à escola, mas como cidadão também entendo que quem não quer frequentar a má escola também deve ter esse direito.

E mais, embora eu possa até ser mal interpretado, acredito que temos que acabar com esse negócio de obrigar todo mundo a ir para a escola. No passado não muito longínquo, muita gente que não foi à escola se sobressaiu melhor do que aqueles que nela conviveram, como é o caso, por exemplo, do atual Presidente do País, que embora arredio à escola chegou a Presidência do Brasil. Efetivamente a escola não é para todo mundo e essa chamada Inclusão Social na Escola precisa ser repensada, mas esse é outro assunto que foge ao nosso interesse momentâneo.

Entretanto, as normas estabelecem que todo mundo é obrigado a estar na escola e assim, não há escola que aguente o número sempre crescente da população e o que pior, de gente que é obrigada a ir, mas que não quer estar na escola. Esse fato, logicamente, também só ajuda a diminuir a qualidade e atrapalha um pouco mais o processo educacional.

Mas, se formos um pouco mais atentos, veremos que na verdade não faltam professores em número tão significativo assim, ao contrário, falta mesmo é que se de dignidade ao Professor para que ele seja considerado da mesma maneira que os outros profissionais de outras áreas, pois assim eles voltarão para as salas de aula e sairão, das funções de bancários, comerciários, vendedores e inúmeras outras importantes funções, as quais têm lhes permitido receber um pouco mais por seus serviços intelectuais e físicos e certamente com menores índices de estresse. O Professor é um ser humano como outro qualquer e precisa sobreviver na mesma proporção que os demais seres humanos e se não lhe pagam o suficiente ou não lhe permitem tranqüilidade no emprego ou pelo menos a certeza de que irá conseguir pagar as suas contas e dormir em paz, ele procura outra função. O que eu mais conheço é Professor que não trabalha como Professor, mas que gostaria de estar trabalhando nessa função e tenho certeza que todos aqui presentes também conhecem muitos professores nessa situação.

Enquanto o Professor continuar sendo tratado como profissional de segunda e até de terceira categorias, apenas alguns mais sortudos e outros mais apaixonados e loucos pela profissão e, lamentavelmente, os muitos quebradores de galho e picaretas de plantão continuarão a atuar nela. É claro que assim, sempre acaba sobrando espaço para novos embusteiros, os quais, com anuência do Estado e dos Órgãos de Classe (que defendem o que está errado), vão ocupando cada vez mais os lugares dos verdadeiros professores que estão à procura de melhores condições de sobrevivência. O Professor assume outra função e o picareta ocupa a função de Professor. Infelizmente a situação está nesse nível lastimável.

Quer dizer, há um ciclo vicioso. Alias, vicioso não, um ciclo viciado e que parece não ter cura, porque a Sociedade, os Órgãos de Classe, as Escolas e o Estado, que deveriam atuar para solucionar o problema, fazem vistas grossas à questão e vão empurrando o problema com barriga, para ver no que vai dar. Mas, isso precisa ter um fim ou então o país jamais sairá desse marasmo educacional.

Em suma, em matéria de Formação do Professor temos atuado sempre na contramão da história. Se não vejamos: 1- Temos formado mal, porque as escolas de formação viraram “Fábricas de Diplomas”; 2 - Temos contratado mal, porque contratamos qualquer um, sem exigir nenhuma qualificação; 3 – Temos remunerado mal, porque pagamos apenas pelo tempo que o professor passa com os alunos, sem nos preocupar com a preparação das atividades didáticas e com constante necessidade de aprimoramento do Professor; 4 – Temos orientado mal, porque não estabelecemos ao Professor o real compromisso da Educação, que é educar e orientar o estudante para as diferentes ações de vida que ele poderá empreender.

O Professor tem que ter Cultura e não pode ser um simples “Passador de Matéria”, ele tem que ser um formador de pessoas e gerador de novas atitudes em seus alunos e para isso ele precisa estar devidamente preparado. O Professor, assim como qualquer outro Profissional especializado, não pode ser qualquer um. É preciso conhecimento de sua matéria, vontade de ensinar e aprender, capacidade argumentativa loquaz, imaginação e criatividade, habilidade mental plena, prazer em ministrar aulas e obviamente formação específica como Educador, para que um indivíduo qualquer se faça um bom professor.

Mas, nessas alturas, os Companheiros Rotarianos e os Senhores e Senhoras convidados aqui presentes já está se perguntando: e daí? O que o Rotary International tem a ver com isso? Por que essa fala árdua desse sujeito numa reunião rotária? Então, eu agora passo a responder, o que o Rotary International e nós Rotarianos temos a ver com isso.

Uma das principais atividades rotárias é trabalhar pela Educação e os Rotary Clubs poderiam estar empreendendo projetos e campanhas que incitassem os Poderes Públicos e também as Instituições Privadas de Ensino, que condicionassem a habilitação básica estipulada em Lei para os profissionais que atuam em seus estabelecimentos, de forma tal que quem não se enquadrasse no padrão mínimo, não seria admitido em hipótese nenhuma.

Por outro lado, os Rotary Clubs deveriam atuar no sentido de orientar os Governos do mundo, em especial em alguns países do anteriormente chamado “Terceiro Mundo”, através dos inúmeros rotarianos que ocupam cargos políticos e administrativos pelo mundo afora, para que produzissem melhorias no processo geral de Formação dos Professores, enfatizando a necessidade de uma formação abrangente e qualificada. No Brasil, especificamente, deveríamos trabalhar para mudar essa Legislação cada vez mais absurda, que facilita e desqualifica o Professor perante outras profissões e que favorece à formação de “picaretas do Ensino e da Educação”. O MEC precisa atuar mais contundentemente no que diz respeito aos Cursos de Formação de Professores e o Rotary pode pressionar nesse sentido.

Os Rotary Clubs poderiam também incentivar o desenvolvimento de projetos específicos que viabilizassem modelos educacionais diferenciados a partir das realidades locais das comunidades, dentro de um “Padrão Freireano de Ensino”. Esses modelos habilitariam professores qualificados localmente e naturalmente criariam o interesse pela Escola e pelo estudo dentro das diferentes comunidades por mais diferenciadas que elas fossem.

Os Rotary Clubs ainda poderiam promover campanhas pela Escola de Qualidade em todos os Sistemas e Níveis de Ensino, visando acabar com a vexatória obrigação da aprovação que envergonha o Ensino Público e com gula comercial que relegou a Educação ao segundo plano no Ensino Privado. Tais campanhas se notabilizariam pela qualificação profissional mínima do Corpo Docente das escolas. A Escola Pública deve aprovar quem merece, porque se na vida cotidiana é assim, há aprovação e reprovação, então porque na escola tem que ser diferente?

As Escolas Empresas e os Grandes Grupos Educacionais hoje existentes, as quais, salvo raríssimas exceções, não parecem estar muito preocupadas com a Educação, começariam a ter que trabalhar um pouco mais seriamente na seleção e na contratação de seu pessoal, ainda que pagando um pouco mais por isso, e assim garantiriam profissionais de ensino qualificados. Aqui é importante que se diga que, nem tudo que é mais caro é melhor. Entretanto, o que é mais caro acaba tendo maior credibilidade mercadológica, porque o mais barato, ao longo do tempo, acaba sendo desacreditado. Se o seu negócio é a Educação, então dê o exemplo, cumpra as Leis e pague bons salários aos seus funcionários, mormente seus professores. Cobre um preço justo por isso, divulgue o que está fazendo e não tenha dúvida de que o resultado será positivo. Aqueles Rotarianos que são proprietários de Estabelecimentos de Ensino deveriam ser os primeiros a dar este exemplo.

Companheiros, Senhoras e Senhores estas são pequenas ações que precisam, podem e assim devem ser feitas, mas possivelmente nenhuma delas isoladamente irá resolver todo o problema da Educação. De qualquer maneira, isso já seria um bom começo, porque certamente essas posturas minimizariam grande parte das questões educacionais. Quem sabe no futuro essas pequenas ações não possam se tornar práticas corriqueiras e desta maneira seja possível estabelecer uma nova ordem educacional no país.

Chamem de utopia, se quiserem, isso que acabei de dizer para os Senhores. Porém, entre o sonho e a esperança ou a miséria de espírito e o suicídio, eu sempre ficarei com as duas primeiras possibilidades, porque, diz o ditado que: “sonhar não custa nada” e que “a esperança é a última que morre”.

Companheiros Rotarianos lembrem-se de que foi o sonho de Paul Harris e a esperança de dias melhores para a humanidade que trouxeram nossa centenária instituição até aqui.

Muito obrigado pela atenção.

O Autor é Biólogo, Escritor e Ambientalista;

Professor de Ensino Superior, Técnico e Médio;

Sócio Fundador do Rotary Club Caçapava-Jequitibá.