Discurso como Orador Oficial da Câmara Municipal de Caçapava no Dia do Professor (15/10/1998)

Discurso como Orador Oficial da Câmara Municipal de Caçapava no Dia do Professor (15/10/1998)

Senhoras e Senhores

Inicialmente eu gostaria de agradecer pela escolha de minha pessoa para ser o Orador Oficial nesta solenidade em comemoração ao “Dia do Professor”, data definida e criada pelo Decreto Federal 52.682/63. No entanto, acredito que há muita gente em nossa cidade em condições de estar aqui, falando pela data e pela profissão de Professor e, ainda que eu tenha ficado muito contente com a minha indicação, tenho algumas dúvidas de que eu seja realmente merecedor desta distinção.

De qualquer forma, apesar das dúvidas que tenho sobre a escolha, fico extremamente grato pela indicação, pois eu tenho tentado, de fato, ser merecedor desta e de outras honrarias. Tenho trabalhado efetiva e sinceramente, fazendo o melhor possível e tentando me superar profissionalmente a cada dia. Se a escolha não foi bem feita, porque talvez haja pessoa mais bem qualificada e competente, modéstia a parte, certamente foi muito bem feita pelo profissionalismo e pelo esforço do trabalho sério e correto que procuro desenvolver nas escolas em que eu trabalho e estão aqui vários colegas, alunos e ex-alunos que não me deixam mentir.

Sendo assim, já que não há mais jeito e que já estou mesmo aqui, vou dizer algumas coisas e fazer alguns comentários sobre esta Profissão que, oficialmente, resolvi encarar há pouco mais de 22 anos atrás, mas que na prática cotidiana estou militando desde criança e desde já, peço desculpas porque vou falar um pouco de mim, antes de chegar ao tema específico, que é o Dia da Profissão de Professor.

Sou do tempo em que os alunos mais perspicazes e mais rápidos, quando acabavam suas tarefas e trabalhos antes dos outros (grupo no qual eu me enquadrava), tinham que auxiliar aos que apresentavam, por algum motivo, uma dificuldade maior e não conseguiam dar conta de suas respectivas tarefas. Pois é, devo dizer que foi ainda naquele tempo que tudo começou e eu confesso que já gostava de ensinar naquela época. Acho até que eu acabava mais cedo minhas tarefas, apenas e tão somente, para poder ensinar aos colegas. Quer dizer, na prática sou professor desde que me entendo por gente. Possivelmente, eu seja um predestinado que já tenha nascido professor, mas isso é assunto para outras conversas.

Entretanto, nesse momento, preciso fazer outra confissão. Na realidade, eu nunca tentei ser outra coisa e acho que não gostaria e nem conseguiria ser algo diferente do Professor que sou, pois até hoje só aprendi, operacionalmente, fazer três coisas, são elas: Falar, Ler e Escrever, ferramentas básicas para quem pretende ensinar a alguém. Na verdade, nunca me preocupei muito com outras coisas. É claro, que com o tempo, essas três habilidades foram sendo aprimoradas em consequência do aumento progressivo de meu conhecimento específico das matérias que leciono e do desenvolvimento e aperfeiçoamento cultural que galguei até aqui.

Não tenho dúvidas de que foram as minhas primeiras incursões como professor que me permitiram chegar ao momento presente podendo assumir também as funções de Pesquisador, Escritor, Poeta, Jornalista, Pensador, Historiador, Filósofo, Humorista, Político, Orientador Educacional, Ambientalista, Filho, Marido, Pai, Amigo e Irmão. Isto é, ser professor foi, para mim, também um grande ensinamento. Aliás, acho que tenho aprendido mais do que tenho ensinado.

Sou grato a Deus por ter me permitido fazer uma escolha profissional correta, a qual, para mim, representa muito mais do que o simples cumprimento de uma função sócio-trabalhista. A condição de ser um professor, certamente, é, sobre todos os aspectos, o principal fator que tem me ajudado a viver até aqui, pois tudo o que consegui em todos os aspectos são consequência desta condição.

Depois de tudo que eu disse sobre o que representa a Profissão de Professor para mim é quase impossível não lastimar a grave crise que a profissão vem passando nos últimos anos e que tem sido drasticamente ampliada mais recentemente, em que pese às tentativas do Governo Federal, com honrosas, porém, até aqui, ineficazes ações, como por exemplo, o programa “Acorda Brasil, está na hora da escola”.

A crise da profissão de Professor relaciona-se a outras questões de cunho Ético, Social, Econômico, Político e Cultural e pode ser considerada sobre vários aspectos. Vejamos alguns desses aspectos:

01 - Falta de Condições de Trabalho

02 - Falta de Salário Digno

03 - Falta de Ética Profissional

04 - Falta de Critério Profissional para Definição do Professor

05 - Sucateamento da Profissão de Professor

06 - Desqualificação Social do Professor Profissional

07 - Falta de Implementos e Melhorias Profissionais

08 - Falta de Material Humano Qualificado

09 - Falta de Escolas Qualificadas em todos os Níveis

10 - Falta de Alunos Ávidos por saber e Interessados em aprender

11 - Excesso de Burocracia no processo Educacional

12 - Aumento do Conhecimento e Diminuição do Potencial

13 - Diminuição da tão falada “Vocação Profissional”

14 - Má distribuição dos Recursos Existentes

15 - Desinteresse de grande parte da Sociedade na Educação

16 - Interesses Comerciais suplantando os Educacionais

17 - Inversão dos Valores Sócio - Culturais e Sócio - Educacionais

18 - Atividades Políticas desvalorizando a Educação

19 - Políticas Educacionais Retrógradas nos Níveis Regionais

20 - Perda de Interesse pelo Conhecimento

Na verdade, para cada um desses itens caberia uma discussão a parte, no entanto isso foge ao propósito desse momento, mas fica aqui o meu repúdio a atual situação de lástima em que se encontra a Profissão de Professor.

Nós, Professores de fato, aqueles que vivemos em todos os aspectos da condição de Professor diuturnamente, somos os únicos que podemos avaliar o tamanho da crise. Por outro lado, nós também somos os únicos que conseguimos “ver” que a crise é passageira e certamente, terá um fim, porque sabemos que sem educação não há solução e também porque acreditamos naquilo que fazemos e sabemos da nossa importância para a manutenção e para o desenvolvimento da Sociedade.

Ainda falta muito, para que a realidade que nós enxergamos esteja também visível a outros segmentos profissionais e a certos líderes político-administrativos, no entanto temos certeza de que, em algum momento, eles conseguirão ver. Nesse instante estaremos, finalmente, mostrando que fazemos a diferença. Aliás, muita diferença, principalmente para aqueles que não conhecem quase nada, que carecem de informação e de conhecimento. Lamentavelmente, em geral são os mais pobres os que mais sofrem com a própria ignorância e só a educação pode mudar isso.

Mas, na verdade, fazemos diferença em todos os níveis, até porque se não existisse a Profissão de Professor, não haveria nenhuma outra, pois todas, de uma forma ou de outra, aprendem a partir do professor. É, meus amigos, é preciso lembrar sempre que : “se não houvessem professores, todas as pessoas do mundo não seriam, ao menos do ponto de vista profissional, absolutamente nada”. Isto é, o Professor é mais que necessário, ele é fundamental.

Por fim, meus colegas de profissão, fica a questão: que me desculpem aqueles que dão aulas contingencialmente, mas estou me referindo, nesse instante, apenas aos amigos professores profissionais, que fizeram do magistério não apenas um meio para ganhar dinheiro e viver a vida em dado momento, mas sim um meio para ganhar e viver toda a sua vida. Por que será que atuamos numa profissão tão complexa, problemática, difícil, de remuneração irrisória, onde não há incentivo profissional e muito menos pessoal, onde não há reconhecimento profissional por parte dos administradores públicos nem dos privados? Por que será que continuamos nessa profissão, a qual dá a impressão de que só nós mesmos, por interesses próprios, queremos a melhora? Por que será que investimos nessa profissão, a qual parece sermos nós mesmos os únicos que sabemos da sua importância para todos os segmentos da Sociedade?

Ainda que as respostas possam ser muito difíceis, tomo a liberdade, talvez até sendo um pouco leviano, de responder as perguntas acima: Creio que continuamos sendo professores, porque somos pessoas especiais, dotadas de um grande sentimento de amor e de altruismo pela humanidade e porque acreditamos no valor da vida e na experiência humana e ainda porque entendemos que realmente o homem é parte de Deus e o que Deus quer é cada um de nós faça a sua parte. Felizmente, nós professores, somos exagerados e resolvemos fazer a nossa parte e mais algumas partes das outras pessoas. Aliás, no meu caso, desde que me entendo por gente, como eu disse anteriormente, sempre foi assim.

Tomo mais uma vez a liberdade de dizer que somos “seres superiores” que, a exemplo dos muitos mártires que a história registra, estamos dando a nossa vida em prol da humanidade. Mas, é preciso que a humanidade comece a ver que o Professor também é gente e que também precisa, pelo menos às vezes, ter referências terrenas e que morar, comer, passear, brincar e outras “coisinhas pequenas” como estas, são também importantes para o professor, até porque como qualquer ser vivo ele precisa dessas “coisinhas” para continuar vivendo.

De minha parte, ainda que faltem algumas das “coisinhas” que acabei de citar, posso dizer que estou profissionalmente realizado. Aliás, como qualquer professor competente diria, independentemente de faltar qualquer uma das “coisinhas”, pois há outro lado da história que ainda não contei, que é o lado da relação professor - aluno. Essa relação mística, que é muito bem conhecida e compreendida pelos “bons professores” e que permite algo, que nenhuma outra profissão pode oferecer. O prazer de sentir e saber que alguém gosta de você puramente, isto é, pelo simples prazer de gostar. Esse alguém é o seu aluno, aquela pessoa que convive com você diariamente, que confia plenamente em você, pois acredita nas coisas que você diz e que depende diretamente do seu trabalho.

O seu aluno é aquele sujeito que sempre vai se lembrar de você, que sempre vai respeitar e às vezes até venerar você, enquanto ele estiver vivo e continuará se lembrando, mesmo depois que você estiver morto. O seu aluno é aquele sujeito que sempre que pode lhe homenageia de alguma forma e que faz sempre referências benéficas sobre você e sobre a sua pessoa. O seu aluno é o registro vivo e atuante de sua atividade e de sua qualidade profissional. Bons professores são modelos e servem de referenciais para os seus alunos.

Senhoras, Senhores, Professores, Alunos e Vereadores presentes a esta Sessão Solene, a profissão de professor é isso mesmo, é essa incongruência de sentimentos: mágoa e repúdio pelo que acontece nas relações estritamente trabalhistas e por outro lado, orgulho e vanglorismo pelo que acontece nas relações estritamente sociais. Nossa meta é encontrar uma maneira de unir os dois extremos e atingir um nível compensatório que possa satisfazer os dois momentos da profissão, o trabalhista e o social. Essa, obviamente, é uma tarefa árdua, mas que temos de acreditar que algum dia nós vamos conseguir cumprir.

De minha parte, devo dizer ainda, para os colegas professores aqui presentes,que tenho apresentado trabalhos em Congressos, publicado livros, publicado artigos em revistas e jornais, onde coloco abertamente o meu pensamento sobre as questões educacionais e sobre a situação do professor nesse país. Espero, sinceramente, que minhas palavras estejam produzindo algum eco e também espero que outros colegas estejam fazendo o mesmo. Desta forma, estou certo de que a nossa profissão, que já teve seu valor em dados momentos e em certos lugares da história desse país, voltará à condição de mais importante de todas, não apenas para nós, mas para toda a Sociedade brasileira.

Para terminar, gostaria de ler uma poesia que fiz especialmente para este dia e para esta solenidade, na qual procuro sintetizar o que disse aqui e o que penso da Profissão de Professor.

Professor, quem és tu?

Professor, quem és tu?

És um misto de homem e santo.

És um hiato entre a guerra e a paz.

És uma ponte entre o dia e a noite.

És o nada, és tudo ou és muito mais.

Ajudas a ler e a escrever.

Ensinas a pensar e a concluir.

Orientas a procurar e a pesquisar.

E procuras demonstrar como viver.

És mestre como foi Jesus Cristo.

És discípulo como Platão foi de Sócrates.

És pupilo das idéias de nobres educadores.

És aluno da Ciência de grandes pesquisadores.

Vives bem como ninguém,

Teu aluno, podes crer, pensa assim.

És um marco na vida dele

E embora ele geralmente não saiba,

Muitas vezes, ele também é assim.

És a ligação entre a ignorância e o conhecimento.

És o senhor da lógica e do pensamento.

És lua e sol para os outros homens.

És água e vinho ao mesmo tempo.

Tua vida profissional é esta professor.

Não adianta, essa cachaça é muito boa.

Bebes dela, tudo o que podes,

A danada é forte, mas tem bom sabor

E nunca consegues atingir o porre.

É, meu companheiro professor.

És o espelho do teu espelho.

És o calor do teu calor.

És o conselho do teu conselho.

És o amor do teu amor.

Então professor,...... quem és tu?

Luiz Eduardo Corrêa Lima

Caçapava, 15 de outubro de 1998