OUTRO MUNDO POSSÍVEL?

Após ter retornado do Fórum Social Mundial 2009 não posso deixar de relatar algumas nuâncias vivenciadas. Faço isto na qualidade de um ser anônimo com o “interesse exclusivo” de descrever, um pouco, o que de fato este acontecimento representou para a grande maioria de seus “participantes”. Indubitavelmente é preciso registrar a história para que ela não seja esquecida ao longo do tempo e assim nos ensine. Portanto, neste espaço se escreverá o que foi e não o que deveria ser o FSM 2009.

Em resumo, este deveria ser um espaço de contestação que propusesse novas alternativas do viver em sociedade frente ao avanço destrutivo do poderio do capital. Não obstante, o que se constatou foi mais um evento econômico, político, ideológico com finalidades para além do seu dever ser. Quem pode se encaminhar até Belém do Pará, infelizmente, apreciou esgotos a céu aberto, favelas descomunais e muitos trabalhadores excluídos de participarem do FSM 2009 dada á exigência do pagamento da inscrição somado a elevação dos custos para o consumo de bens e serviços. A indignação perante tal realidade vem de uma conversa pessoal com a italiana Fabíola, onde esta desabafa: “a lógica de mercado tomou conta, isto aqui esta impregnado pelo capitalismo. Deixaram entrar até a ‘coca-cola’. A Bacia Amazônica é a maior bacia hidrográfica do mundo, concentrando 10 dos maiores rios do planeta e 1/5 da água doce da terra. De modo algum imaginei que aqui teria de pagar para poder beber água de fonte um pouco mais confiável”. A saber, uma garrafa de 300 ml era comercializada a um real.

João Carlos Magalhães e Ana Flor notificaram, para a Folha de São Paulo (29/01/09), que os investimentos públicos - dos governos federal e estadual - recordes, de aproximadamente R$ 145,3 milhões para as áreas de infraestrutura, segurança e saúde. Soma-se, ainda, o patrocínio de empresas estatais que foi de 850 mil e a taxa de inscrição, que era de 15 para o acampamento da juventude e de 30 para quem fosse participar do evento. Ou seja, sem dinheiro, sem capitalismo, sem FSM 2009. Mas apesar de toda esta “dinheirama” muito pouco se contribuiu para o pensar uma nova sociedade. Durante a Marcha do dia 27/01/09, os protestos, as faixas, a crítica ao sistema intrinsecamente pecaminoso chamado capitalismo se contrastavam com trabalhadores que pintavam canteiros centrais já com vistas no negócio turístico do pós-FSM 2009. Assistiu-se a “banda” passar e as obras não estavam ainda prontas. Como se isto não bastasse na UFRA (Universidade Federal Rural da Amazônia) locais destinados a dar informações, entretenimentos culturais e reflexivos, atendimento à saúde, deram lugar em grande parte para o comércio de camisetas, bonés, chaveiros, piercings, tatuagens, brincos etc. O destaque ficou por conta de uma barraca toda cercada com “garrafas de água” para saciar a sede dos detentores do dinheiro.

Pensar é um dos atos voluntários mais difíceis. E se vai além de um simples exercício mental, conduz irremediavelmente ao compromisso e a responsabilidade, cargas por demais pesadas e angustiantes. Quem sabe seja por isso que no acampamento da juventude se teve vinte e “quatro horas de som a todo volume”, “muito riso” e “muita festa” em detrimento a pouca ou quase nada de reflexões em torno de um outro mundo possível. Na “aldeia da paz”, por exemplo, estava presente á aversão a tudo o que fosse industrializado, no entanto, álcool e cigarros confeccionados de modo natural eram muito bem vindos e consumidos. Vale lembrar que para as necessidades fisiológicas, além do “mato”, foram construídos “chuveiros” e “banheiros químicos”, pena muitos confundirem os primeiros com os segundos.

Dado que vivemos em uma sociedade atrofiada no exercício do pensamento, a questão que resta é: do modo que vem sendo organizado o FSM poderá lançar luzes para a edificação de um outro mundo possível:? Por ora, a continuar como esta a resposta é negativa. Somente uma minoria participa das discussões sérias em torno de buscar novas alternativas. O capital tornou o FSM mais um de seus súditos.