Otto Awards 2009

Abre-se uma cortina vermelha num imenso, lotado e glamuroso teatro: surge um apresentador desconhecido e vagamente conhecido ao mesmo tempo, estatura média, meio tímido, meio gordo (afinal, o mundo é deles), meio comum, sotaque mooquense, branco, cara de capitalista, que começa a discursar:

Entre idas e vindas, estou neste espaço desde 2005. Durante estes anos, li muita coisa não só aqui, mas em vários outros pontos do espaço cibernético em português, espanhol e em inglês, sendo que 99 por cento do que li foi puro lixo, produto de mentes que acham que fazer literatura é apenas deitar a pena sobre o papel; li também muitos escritores que, de tão comprometidos com normas estílisticas ou gramaticais, mostraram que visivelmente possuem músculos rígidos no cérebro, que se estendem até as pontas dos dedos. Detesto os que não transgridem. Mas tem que ser com bom-senso... Afinal, até para transgredir é necessário ter algum talento, senão você não passa de um idiota. Trangressão é a palavra. E é pensando nela que lembro de um dos contos mais impactuantes, escrito por um recantista: Raffert. O texto: "Quasímoda", que foi inspirado na obra de Edmund Wilson. A obra, grosso modo, trata da paixão incontrolável de um homem por uma mulher que, por fim, ele descobre ser uma deficiente que se mantém em pé devido a um complexo sistema de aparelhos ortopédicos. A cena de sexo entre o casal é estranha, cronenberguiana, repulsivamente excitante. Raffert possue outras duas obras fabulosas: "O coronel suícida" e "A cabaça", onde o autor expõe sua erudição em situações inesperadas, ousadas, mostrando a sinuosidade do espírito humano.

Não vou nem falar dos textos de amor, escritos pelas donas-de-casa enamoradas, sabrinianas, sempre tão amáveis com seus "beijo-carinho, beijo-reflexão, beijoqualquercoisa". Talvez escrever sobre amor seja uma terapia para relevar suas vidas monótonas, para as colocar, por alguns instantes, como párias de seu maior ídolo, Manoel Carlos. Para mim, escrever sobre amor, tem que ser como a Luna Steinherz fez em "Necessidades Básicas (Para ninguém)". Discursar sobre o amor sem ser professoral, sem ser bobo como o "Filtro solar" do Bial. Atingir a gênese do amor, expôr seu lado instintivo, mesquinho e nada nobre sem os quais tal sentimento não existiria. Se é que existe. Escrever tudo isso sem ferir seria talvez tarefa para gente como Clarice, mas... Nós temos a brasiliense. Luna é provavelmente um heterônimo, mas não quero ter certeza disso, pois apraz-me a idéia de que atrás de palavras tão bem colocadas e delicadas existe uma loirinha rica e mimada, uma Paris Hilton com cérebro.

Há alguns anos escrevi o prefácio do livro "Entre o Negro e o Nada", de Larissa Marques. É bem verdade que há inúmeros escritores niilistas, existencialistas, hoje em dia. Todo mundo escreve mais ou menos com os mesmos recursos para falar de suas bobeirinhas existenciais, de suas depressões pós-coito e sobre a dor da espinha nas costas. Larissa, num primeiro momento, pode parecer escrever estas facilidades, mas, com o tempo, você percebe que existe uma fiapo significativo agonizante em sua garganta, você percebe que o que ela escreve não é superficial, muito pelo contrário: é um recado que fala exatamente o que é viver no século que é uma lata de lixo, como no poema "Uma vida cinza".

Pra falar a verdade, eu gosto destes escritores obscuros. O obscurantismo os torna tão límpidos, tão reais! Junte este obscurantismo a um humor ácido, a uma visão crua do mundo. Temos Eduardo Paixão. Que nada tem de passional, se me permitem o trocadilho. Se vocês lerem "Balada de Heitor" vão certamente enxergar o mundo com mais clareza e vão ter mais certeza do que já vêem. Eduardo, na vida real, convive com estilistas e lindas modelos, o que certamente acrescentam à sua escrita duas características notáveis: o apuro estético e a futilidade da mesma estética, a ética do ser.

Eu já disse que detesto poesia, né? Pois é, mas isso não é completamente verdade. Eu leio Byron, Álvarez de Azevedo (meu lado adolescente clama!), Emily Dickinson e tantas outras coisas. Mas, aqui, por incrível que pareça, eu achei uma grande poetisa. Uma das poucas que sempre me toca: Ana Másala e o seu profundo bucolismo. E, de novo, estou falando de algo real. Não estou falando de Guimarães Rosa e suas "variações (nada plausíveis) sobre o tema". O bucolismo da Ana é genuíno. É a voz, talvez, de uma ruela deserta de paralelepípedos no interior de Minas Gerais, mas com um toque inegável de nossa poetisa-mor, Cecília Meirelles.

Por fim, seria injusto se não citasse a engenhosidade do Henry Alfred Bugalho, a preciosidade já reconhecida do Jorge Luiz, os haicais da Diana Gonçalves, etc.

Teve gente aqui no recanto que infelizmente desapareceu, mas que me garantiam prazeres imensos. Não posso deixar de mencioná-los: Ramiro Ribeiro, o nosso Guy de Maupassant batido no liquidificador com Dalton Trevisan; Ana Valéria Sessa, pessoa com quem quebrei paus homéricos, que possui uma feminiliade elegantíssima ao escrever; Luiz Guerra, um dos mais peculiares cronistas cariocas, fruto, creio, de uma geração "Telhado de vidro" - fazendo alusão ao cronista do Globo, Nestor de Hollanda. E não posso deixar de falar de Ariana Caritas, Lúcia Híbrida e mais as tantas que vivem na mente de uma mulher(?) aparentemente perturbada. Sua literatura "visceral", seu vômito espesso faz falta aqui.

É isso. Este texto não se trata de uma homenagem, mas, mais precisamente, de um agradecimento. Vocês me motivam a escrever a cada dia. Não tenho livros impressos de suas autorias, mas os imagino em minha biblioteca, brigando por espaço a tapas com Capote e Wilde. Recebam suas estatuetas no formato rechonchudo de meu corpo e vão para suas casas, pois os salgados já estão frios e a bebida eu bebi toda enquanto escrevia isso.

Ao som de Night song, do Arthur Blythe.

Otto M
Enviado por Otto M em 25/10/2009
Reeditado em 25/10/2009
Código do texto: T1886421
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