Deus na visão de um homem comum (7ª Parte)

Vamos em frente – embora também seja possível que, mesmo com a sensação de que estamos indo “para frente” no espaço-tempo, possamos estar indo ao mesmo tempo para trás, idéia amparada pelas intuições de muitos místicos orientais e ocidentais cultores do Eterno, uns tantos tardiamente amparados pelas teorias de alguns cientistas astrofísicos contemporâneos, como o falecido Carl Sagan (1934-1996), ou o também “místico” Fritjof Capra (1939 - ).

À compreensão de um dos aspectos da Verdade relativo à “passagem do Tempo”, portanto, qualquer astronauta sabe que, uma vez fora das amarras gravitacionais que nos mantém sobre o planeta, já não lhe é possível considerar aqueles padrões de contagem temporal que usamos para trafegar aqui em baixo, ou estabelecer para si mesmo, arbitrariamente, qualquer outra perspectiva geográfica que lhe indique estar “acima”, “de um lado”, “de outro” ou “abaixo” do planeta Terra.

Circulando em órbita a pouco menos de 1.649 quilômetros por hora, velocidade aproximada de rotação da Terra em torno de si mesma, um astronauta sente passar um dia – para nós completando-se em vinte e quatro horas – em apenas uma hora. Oras: se apenas quando há poucas centenas de quilômetros acima das nuvens se vive situações geográfico-temporais completamente diferentes das que estamos habituados em nossos movimentos sobre o planeta - promotoras de significativos estados de consciência alterados que, inevitavelmente, também nos abalam as noções que temos de nossa nacionalidade e, portanto, da substância de “nossos próprios eus” em nossas relações insuficientes (como aconteceu com o astronauta norte-americano Neil Armstrong em 1969 ao olhar para a Terra, depois de por os pés na superfície lunar – embora muitos defendam a tese de que tal aventura não passou de uma farsa) – o que dizer das conseqüências perceptivo-transformativas das experiências de antigos alquimistas, cientistas e místicos, promovidas pela extrema sensibilidade intuitiva daqueles que, ainda sem a posse de nossos modernos instrumentos de observação micro e macro-cósmicas, ou sequer fisicamente suspensos a dois centímetros do chão (provavelmente estimulados por pulsões arquetípicas), foram capazes de perceber algumas significativas dimensões da Vida e o funcionamento da maravilhosa “máquina universal” que A testifica, bem como de nossas reais condições de partícipes temporários do céu e do Eterno.

Assim, se para um astronauta em órbita da Terra fica evidente que “vinte e quatro horas passam em uma”, ainda é estranho a um sem número de pessoas o iluminado, quando nos diz que, para “Deus”, um dia é como mil, dez mil, cem mil ou mesmo um milhão de bilhões de anos; ou que, nas dimensões temporais do Ser divino, Ele considera tudo como se no “primeiro dia” da criação – já que, na Verdade, a considerar o sentido correto da marcha evolutiva do Espírito em nós, possamos estar mesmo “andando para trás”, para o Princípio dos tempos.

Sem que importe muito à maioria se estamos indo “para trás” ou “para frente” na jornada que o Espírito nos impôs como partícipes das manifestações de Sua existência infinita, a questão mais angustiante, que nos abala a possibilidade de uma tranqüila noite de sono – embora menos do que o volume de nossos problemas financeiros – tem sido a certeza perturbadora sobre a realidade de nossa própria morte. Ainda segundo Steiner: “Estimado estatisticamente, o número dos mortos desde a última Idade do Gelo ultrapassa a dos vivos. Continuamos sendo um planeta de mortos. Mas é a essa condição que devemos nossas preces, nossa ontologia e muito de nossa arte”.

Durante meus ousados exercícios de respondente as questões mais difíceis que me possam ser dirigidas enquanto pretenso “representante”, ou “apresentante”, da divindade, um novo querido amigo perguntou-me quando morrerá.

Pensei por alguns momentos numa forma menos chocante de lhe dizer, estritamente sob a perspectiva “nua e crua” da divindade, a Verdade sobre o tempo de sua morte – ou, mais especificamente, da morte de seu pequenino “eu” histórico – e então, finalmente, decidi que, como um “porta-voz de “Deus” naquele momento, não haveria nada melhor para lhe dizer além da Verdade mesma:

- Você morrerá somente HOJE – disparei então, para o desconforto de meu amigo; e para o meu.

E por que situei o dia de sua morte, e inevitavelmente também a de todos nós, no Presente?

Porque, como observei antes, do exclusivo ponto de vista da divindade não há o passado ou o futuro, mas tão somente o Eterno-hoje onde vive tudo, o sempre Agora quando todos nós vivemos e quando morreremos – mesmo que pareçam nos distanciar da morte cinqüenta, cem ou mil daqueles anos que esperançosamente situamos no futuro.

Para maior elucidação desta incômoda parcela da Verdade total um comentarista do pensamento medieval de mestre Eckhart (1260-1328) escreveu: “o deserto que é Deus só se ganha percorrendo a senda estreita em que o homem já não está sujeito nem à audição nem à visão, nem ao espaço nem ao tempo, realidades que é preciso banir para além de todos os sentidos”.

Graças a esses níveis inusitados da percepção dos considerados “iluminados”, quando plenamente cônscios da realidade sensível da Vida infinita que nos sustenta, e a quem muitos chamaram “Deus”, todos ganharam em troca a inevitável conseqüente diluição das noções de suas personas, de suas identidades circunstanciais, históricas; em suma, gozaram suas primeiras mortes, condição si ne qua non ao início da correta percepção da natureza, dos lugares e das dimensões das “moradas do Ser” em tudo.

Assim intuíram todos os grandes avatares da História, aqueles genuínos apresentantes da Vida plena, íntegra, integral e integradora, não separada – uma vez que a consciência deste “eu” separado da Vida, que nos permitiu dar nome às coisas e a nós mesmos, projetou no exterior sua própria separação instaurando oposições – atributo essencial da consciência dita “luciférica” e “diabólica”. Porque em grego, diabolos, que deu origem à palavra “diabo”, significava simplesmente “aquilo que separa”.

A considerar, portanto, de acordo com determinados estímulos, as muitas variantes espacial-temporais a que pode ser submetida nossa sensibilidade perceptiva e, em conseqüência, a muitos outros níveis de consciência possíveis de ser alcançados (e necessários, sobretudo, por sua característica de destruir em nós qualquer preconceito de raça, cor, nacionalidade, espécie etc. que nos dêem razões para aumentar nossas muralhas e nos tornar mais distantes do que Verdadeiramente estamos uns dos outros), devemos, agora, retornar a questão das “coisas” que eram e que, como pretendi fazer-lhes sentir a partir “dos pontos de vista de Deus”, ainda são desde o Princípio.

Certa vez, conversando com um amigo, ele me perguntou se eu acreditava mesmo possível a existência de um “Deus”. Numa provocação crítica, perguntei-lhe: “se a ‘Coca-Cola’ existe, por que ‘Deus’ não pode existir?”.

CONTINUA