O DIREITO À PREGUIÇA (parte III)
PAUL LAFARGUE
III - O QUE SE SEGUE À SUPERPRODUÇÃO
Um poeta grego do tempo de Cícero, Antiparos, cantava deste modo a
invenção da azenha (para moer os cereais): ia emancipar as mulheres
escravas e voltar a trazer a idade de ouro:
"Poupai o braço que faz girar a mó, ó moleiras, e dormi tranqüilamente! Que
o galo vos avise em vão de que já é dia! Dao impôs às ninfas o trabalho das
escravas e ei-las que saltitam alegremente sobre a roda e eis que o eixo
agitado rola com os seus raios, fazendo rodar a pesada pedra rolante.
Vivamos da vida dos nossos pais e ociosos regozijemo-nos dos dons que a
deusa nos concede."
Infelizmente, os tempos livres que o poeta pagão anunciava não vieram; a
paixão cega, perversa e homicida do trabalho transforma a máquina
libertadora em instrumento de sujeição dos homens livres: a sua
produtividade empobrece-os.
Uma boa operária só faz com o fuso cinco malhas por minuto, alguns teares
circulares para tricotar fazem trinta mil no mesmo tempo. Cada minuto à
máquina equivale, portanto, a cem horas de trabalho da operaria; ou então
cada minuto de trabalho da máquina dá à operária dez dias de repouso.
Aquilo que se passa com a indústria de malhas é mais ou menos verdade
para todas as indústrias renovadas pela mecânica moderna. Mas que vemos
nós? A medida que a máquina se aperfeiçoa e despacha o trabalho do
homem com uma rapidez e uma precisão incessantemente crescentes, o
operário, em vez de prolongar o seu repouso proporcionalmente, redobra de
ardor, como se quisesse rivalizar com a máquina. Ó concorrência absurda e
mortal!
Para que a concorrência do homem e da máquina tomasse livre curso, os
proletários aboliram as sábias leis que limitavam o trabalho dos artesãos
das antigas corporações; suprimiram os dias feriados (1) Porque os
produtores de então só trabalhavam cinco dias em sete, julgavam eles então,
assim o contam os economistas mentirosos, que viviam só de ar e de água
fresca? Ora vamos! Eles tinham tempos livres para gozar as alegrias da
terra, para fazer amor, para se divertirem, para se banquetearem em honra
do alegre deus da Mandriice. A triste Inglaterra, engaiolada no
protestantismo, chamava-se então a "alegre Inglaterra" (Merry England).
Rabelais, Quevedo, Cervantes, os autores desconhecidos dos romances
picarescos, fazem-nos crescer água na boca com as suas narrativas
daquelas monumentais patuscadas (2) com que se regalavam então entre
duas batalhas e duas devastações e nas quais tudo "era medido aos pratos".
Jordaens e a escola flamenga escreveram-nas nas suas alegres telas.
Sublimes estômagos gargantuescos, que é feito de vós? Sublimes cérebros
que abarcáveis todo o pensamento humano, que é feito de vós? Estamos
muito diminuídos e muito degenerados. A vaca atacada de raiva, a batata, o
vinho com fucsina e a aguardente prussiana sabiamente combinados com o
trabalho forçado debilitaram os nossos corpos e diminuíram os nossos
espíritos. E foi então que o homem encolheu o seu estômago e que a
máquina alargou a sua produtividade, é então que os economistas nos
pregam a teoria malthusiana, a religião da abstinência e o dogma do
trabalho? Mas era preciso arrancar-lhes a língua e deitá-la aos cães.
Porque a classe operária, com a sua boa fé simplista, se deixou doutrinar,
porque, com a sua impetuosidade nativa, se precipitou cegamente para o
trabalho e para a abstinência, a classe capitalista achou-se condenada à
preguiça e ao prazer forçado, à improdutividade e ao superconsumo. Mas, se
o supertrabalho do operário magoa a sua carne e atormenta os seus nervos,
ele também é fecundo em dores para o burguês.
A abstinência à qual a classe produtiva se condena Obriga os burgueses a
dedicarem-se ao superconsumo dos produtos que ela manufatura
desordenadamente. No início da produção capitalista, há um ou dois
séculos, o burguês era um homem ajuizado, de hábitos razoáveis e calmos;
contentava-se com a sua mulher ou quase; bebia e comia moderadamente.
Deixava aos cortesãos e às cortesãs as nobres virtudes da vida debochada.
Hoje, não há filho de arrivista que não se julgue obrigado a desenvolver a
prostituição e a mercurializar o seu corpo para dar um objetivo ao trabalho
que os operários das minas de mercúrio se impõem; não há burguês que
não se farte de capões trufados e de Laffitte navegado, para encorajar os
criadores de La Fleche e os vinhateiros do Bordelais. Nesta profissão, o
organismo deteriora-se rapidamente, os cabelos caem, os dentes
descarnam-se até à raiz, o tronco deforma-se, o ventre entripa-se, a
respiração complica-se, os movimentos tornam-se pesados, as articulações
tornam-se anquilosadas, as falanges enodam-se. Outros, demasiado fracos
para suportar as fadigas do deboche, mas dotados da bossa do
prudhomismo, dessecam o seu cérebro como os Garnier da economia
política, como os Acolias da filosofia jurídica, a elucubrar grossos livros
soporíficos para ocupar os tempos livres dos compositores e dos tipógrafos.
As mulheres da alta sociedade têm uma vida de mártir. Para provarem e
fazerem valer as "toilettes" feéricas que as costureiras se matam a fazer,
andam de manhã à noite de um lado para o outro, de um vestido para outro;
durante horas abandonam a sua cabeça oca aos artistas capilares que, a
todo o custo, querem saciar a sua paixão pelos montões de postiços.
Apertadas nos seus espartilhos, pouco à vontade nas suas botinas,
decotadas de maneira a fazer corar um sapador, voltejam noites inteiras nos
seus bailes de caridade para recolherem alguns soldos para os pobres.
Santas almas!
Para desempenhar a sua dupla função social de não produtor e de
superconsumidor, o burguês teve não só de violentar os seus gostos
modestos, perder os seus hábitos de trabalho de há dois séculos e entregarse
a um luxo desenfreado, às indigestões trufadas e aos deboches sifilíticos,
mas também teve de subtrair ao trabalho produtivo uma enorme massa de
homens para conseguir ajudantes.
Eis alguns números que provam como é colossal essa diminuição de forças
produtivas: de acordo com o recenseamento de 1861, a população de
Inglaterra e do País de Gales compreendia 20066244 pessoas, das quais 9
776259 do sexo masculino e 10289965 do sexo feminino. Se deduzirmos os
que são demasiado velhos ou demasiado novos para trabalhar, as mulheres,
os adolescentes e as crianças improdutivas, em seguida as profissões
ideológicas como por exemplo governantes, polícia, clero, magistratura,
exército, prostituição, artes, ciências, etc., depois as pessoas
exclusivamente ocupadas a comer o trabalho de outrem sob a forma de
renda fundiária, de juros, de dividendos, etc., restam por alto oito milhões de
indivíduos dos dois sexos e de todas as idades, incluindo os capitalistas que
funcionam na produção, no comércio, na finança, etc. Nesses oito milhões
contam-se:
Trabalhadores agrícolas (incluindo os pastores, os criados e criadas de
lavoura que habitam na quinta) - 1098261
Operarios de fábricas de algodao, de lã, de câ nhamo, de linho, de seda, de
malha - 642607
Operários de minas de carvao e de metal - 565 835
Operários metalúrgicos (alto-fornos, laminadores, etc.) - 396998
Classe doméstica - 1 208648
"Se somarmos o número dos trabalhadores têxteis ao dos das minas de
carvão e de metal, obteremos o total de 1 208442; se somarmos os primeiros
e os das fábricas metalúrgicas, temos um total de 1 039 605 pessoas; ou
seja, de ambas as vezes um número inferior ao dos modernos escravos
domésticos. Eis o magnífico resultado da exploração capitalista das
máquinas." (3)
A toda esta classe doméstica, cuja grandeza indica o grau atingido pela
civilização capitalista, tem de se acrescentar a numerosa classe dos infelizes
exclusivamente dedicados à satisfação dos gostos dispendiosos e fúteis das
classes ricas, lapidadores de diamantes, rendeiras, bordadoras,
encadernadores de luxo, costureiras de luxo, decoradores das casas de
recreio, etc. (4)
Uma vez acocorada na preguiça absoluta e desmoralizada pelo prazer
forçado, a burguesia, apesar das dificuldades que teve nisso, adaptou-se ao
seu novo estilo de vida. Encarou com horror qualquer alteração. A visão das
miseráveis condições de existência aceites com resignação pela classe
operária e a da degradação orgânica gerada pela paixão depravada pelo
trabalho aumentava ainda mais a sua repulsa por qualquer imposição de
trabalho e por qualquer restrição de prazeres.
Foi precisamente então que, sem ter em conta a desmoralização que a
burguesia tinha imposto a si própria como um dever social, os proletários
resolveram infligir o trabalho aos capitalistas. Ingénuos, tomaram a sério as
teorias dos economistas e dos moralistas sobre o trabalho e maltrataram os
rins para infligir a sua prática aos capitalistas. O proletariado arvorou a
divisa: Quem não trabalha, não come; Lyon, em 1831, levantou-se pelo
chumbo ou pelo trabalho, os federados de 1871 declararam o seu
levantamento a revolução do trabalho.
A estes ímpetos de furor bárbaro, destrutivo de todo o prazer e de toda a
preguiça burguesas, os capitalistas só podiam responder com uma
repressão feroz, mas sabiam que, se tinham conseguido reprimir estas
explosões revolucionárias, não tinham afogado no sangue dos seus
gigantescos massacres a absurda idéia do proletariado de querer infligir o
trabalho às classes ociosas e fartas, e foi para desviar essa infelicidade que
se rodearam de pretorianos, de polícias, de magistrados, de carcereiros
mantidos numa improdutividade laboriosa. Já não se podem ter ilusões
sobre o caráter dos exércitos modernos, são mantidos em permanência
apenas para reprimir "o inimigo interno"; e assim que os fortes de Paris e de
Lyon não foram construídos para defender a cidade contra o estrangeiro,
mas para o esmagar no caso de revolta. E se fosse preciso um exemplo sem
réplica, citemos o exército da Bélgica, desse país de Cocagne do
capitalismo; à sua neutralidade é garantida pelas potências européias e, no
entanto, o seu exército é um dos mais fortes em proporção da população. Os
gloriosos campos de batalha do bravo exército belga são as planícies do
Borinage e de Charleroi, é no sangue dos mineiros e dos operários
desarmados que os oficiais belgas ensangüentam as suas espadas e
ganham os seus galões. As nações européias não tem exércitos nacionais,
mas sim exércitos mercenários, que protegem os capitalistas contra o furor
popular que os queria condenar a dez horas de mina ou de fábrica de fiação.
Portanto, ao apertar o cinto, a classe operária desenvolveu para além do
normal o ventre da burguesia condenada ao superconsumo.
Para ser aliviada no seu penoso trabalho, a burguesia retirou da classe
operária uma massa de homens muito superior à que continuava dedicada à
produção útil e condenou-a, por seu turno, à improdutividade e ao
superconsumo. Mas este rebanho de bocas inúteis, apesar da sua
voracidade insaciável, não basta para consumir todas as mercadorias que os
operários, embrutecidos pelo dogma do trabalho, produzem como maníacos,
sem os quererem consumir e sem sequer pensarem se se encontrarão
pessoas para os consumir.
Em presença desta dupla loucura dos trabalhadores, de se matarem de
supertrabalho e de vegetarem na abstinência, o grande problema da
produção capitalista já não é encontrar produtores e multiplicar as suas
forças, mas descobrir consumidores, excitar os seus apetites e criar-lhes
necessidades fictícias. Uma vez que os operários europeus, que tremem de
frio e de fome, recusam usar os tecidos que eles próprios tecem, beber os
vinhos que eles próprios colhem, os pobres fabricantes, como espertalhões,
devem correr aos antípodas para procurar quem os usará e quem os beberá:
são centenas de milhões e de biliões que a Europa exporta todos os anos
para os quatro cantos do mundo, para populações que não têm nada que
fazer com esses produtos (5) Mas os continentes explorados já não são
suficientemente vastos, são necessários países virgens. Os fabricantes da
Europa sonham noite e dia com a África, com o lago sariano, com o caminho
de ferro do Sudão, seguem com ansiedade os progressos dos Livingstone
dos Stanley, dos Du Chailiu, dos de Brazza; de boca aberta, escutam as
histórias mirabolantes desses corajosos viajantes. Que maravilhas
desconhecidas encerra o "continente negro"! Campos são plantados de
dentes de elefantes, rios de óleo de coco arrastam no seu curso palhetas de
ouro, milhões de cus negros, nus como o rosto de Dufaure ou de Girardin
esperam pelos tecidos de algodão para aprenderem a decência, pelas
garrafas de aguardente e pelas bíblias para conhecerem as virtudes da
civilização.
Mas tudo é insuficiente: o burguês que se farta, a classe doméstica que
ultrapassa a classe produtiva, as nações estrangeiras e bárbaras que se
enchem de mercadorias européias; nada, nada pode conseguir dar vazão às
montanhas de produtos que se amontoam maiores e mais altas do que as
pirâmides do Egito: a produtividade dos operários europeus desafia todo o
consumo, todo o desperdício. Os fabricantes, doidos, já não sabem que
fazer, já não conseguem encontrar matéria-prima para satisfazer a paixão
desordenada, depravada, que os seus operários têm pelo trabalho. Nos
nossos distritos onde há lã, desfiam-se trapos manchados e meio podres,
fazem-se com eles panos chamados de renascimento, que duram o mesmo
que as promessas eleitorais; em Lyon, em vez de deixar à fibra sedosa a sua
simplicidade e a sua flexibilidade natural, sobrecarregam-na de sais minerais
que, ao acrescentarem-lhe peso, a tornam friável e de pouco uso. Todos os
nossos produtos são adulterados para facilitar o seu escoamento e abreviar
a sua existência. A nossa época será chamada a idade da falsificação, tal
como as primeiras épocas da humanidade receberam os nomes de idade da
pedra, idade de bronze, pelo caráter da sua produção. Os ignorantes acusam
de fraude os nossos piedosos industriais, enquanto que na realidade o
pensamento que os anima é o de fornecer trabalho aos operários, que não
conseguem resignar-se a viver de braços cruzados. Estas falsificações, que
têm como único móbil um sentimento humanitário, mas que rendem
soberbos lucros aos fabricantes que as praticam, se são desastrosas para a
qualidade das mercadorias, se são uma fonte inesgotável de desperdício de
trabalho humano, provam a filantrópica habilidade dos burgueses e a
horrível perversão dos operários que, para saciarem o seu vicio do trabalho,
obrigam os industriais a abafar os gritos da sua consciência e até mesmo a
violar as leis da honestidade comercial.
E, no entanto, apesar da superprodução de mercadorias, apesar das
falsificações industriais, os operários atravancam o mercado em grandes
grupos implorando: trabalho! trabalho! A sua superabundância devia obrigálos
a refrear a sua paixão; pelo contrário, ela leva-a ao paroxismo. Mal uma
possibilidade de trabalho se apresenta, logo se atiram a ela; então são doze,
catorze horas que reclamam para estarem fartos até à saciedade e no dia
seguinte ei-los de novo na rua, sem mais nada para alimentarem o seu vicio.
Todos os anos, em todas as indústrias, os despedimentos surgem com a
regularidade das estações. Ao supertrabalho perigoso para o organismo
sucede-se o repouso absoluto durante dois ou quatro meses; e, não
havendo trabalho, não há a ração diária. Uma vez que o vício do trabalho
está diabolicamente encavilhado no coração dos operários; uma vez que as
suas exigências abafam todos os outros instintos da natureza; uma vez que
a quantidade de trabalho exigida pela sociedade é forçosamente limitada
pelo consumo e pela abundância de matéria-prima, por que razão devorar
em seis meses o trabalho de todo o ano? Porque não distribuí-lo
uniformemente por doze meses e forçar todos os operários a contentar-se
com seis ou cinco horas por dia, durante o ano, em vez de apanhar
indigestões de doze horas durante seis meses? Seguros da sua parte diária
de trabalho, os operários já não se invejarão, já não se baterão para
arrancarem mutuamente o trabalho das mãos e o pão da boca; então, não
esgotados de corpo e de espírito, começarão a praticar as virtudes da
preguiça.
Embrutecidos pelo seu vício, os operários não conseguiram elevar-se à
inteligência deste fato segundo o qual, para ter trabalho para todos era
preciso racioná-lo como à água num navio em perigo. No entanto, os
industriais, em nome da exploração capitalista, já há muito que pediram um
limite legal do dia de trabalho. Perante a Comissão de 1860 sobre o ensino
profissional, um dos maiores manufatureiros da Alsácia, o Sr. Bourcart, de
Guebwiller, declarava:
"O dia de trabalho de doze horas era excessivo e devia ser reduzido para
onze e aos sábados devia-se suspender o trabalho às duas horas. Posso
aconselhar a adoção desta medida embora pareça onerosa à primeira vista;
experimentamo-la nos nossos estabelecimentos industriais há já quatro
anos e demo-nos bem e a produção média, longe de diminuir, aumentou."
No seu estudo sobre as máquinas, o Sr. F. Passy cita a seguinte carta de um
grande industrial belga, o Sr. M. Ottavaere:
"As nossas máquinas, embora sejam as mesmas que as das fábricas de
fiação inglesas, não produzem o que deveriam produzir e o que produziriam
essas mesmas máquinas em Inglaterra, embora as fábricas de fiação
funcionem menos duas horas por dia. [...] Trabalhamos todos duas longas
horas a mais, estou convencido de que, se trabalhássemos onze horas em
vez de treze, teríamos a mesma produção e, por conseguinte, produziríamos
mais economicamente. "
Por outro lado, o Sr. Leroy-Beaulieu afirma que "um grande manufatureiro
belga observa muito bem que nas semanas em que calha um dia feriado a
produção não é inferior às das semanas normais" (6).
Aquilo que o povo, logrado na sua ingenuidade pelos moralistas, nunca
ousou, ousou-o um governo aristocrático. Desprezando as elevadas
considerações morais e industriais dos economistas, que, como as aves de
mau agoiro, cacarejavam que diminuir uma hora ao trabalho das fábricas era
decretar a ruína da indústria inglesa, o governo de Inglaterra proibiu por lei,
estritamente observada, trabalhar mais de dez horas por dia; e, depois disso
tal como antes, a Inglaterra continua a ser a primeira nação industrial do
mundo.
Eis a grande experiência inglesa, eis a experiência de alguns capitalistas
inteligentes, ela demonstra irrefutavelmente que, para reforçar a
produtividade humana, tem de se reduzir as horas de trabalho e multiplicar
os dias de pagamento e os feriados, e o povo francês não está convencido.
Mas se uma miserável redução de duas horas aumentou em dez anos a
produção inglesa em cerca de um terço (7), que ritmo vertiginoso imprimiria
à produção francesa uma redução geral de três horas no dia de trabalho? Os
operários não conseguem compreender que, cansando-se excessivamente,
esgotam as suas forças antes da idade de se tornarem incapazes para
qualquer trabalho; que absorvidos, embrutecidos por um único vício, já não
são homens, mas sim restos de homens; que matam neles todas as belas
faculdades para só deixarem de pé, e luxuriante, a loucura furiosa do
trabalho.
Ah! como papagaios de Arcádia repetem a lição dos economistas:
"Trabalhemos, trabalhemos para aumentar a riqueza nacional." O idiotas! é
porque trabalhais demais que a ferramenta industrial se desenvolve
lentamente. Deixai de vociferar e escutai um economista; ele não é um águia,
não é o Sr. L. Reybaud, que tivemos a felicidade de perder há alguns meses:
"De um modo geral, é na base das condições de mão-de-obra que se regula
a revolução nos métodos de trabalho. Enquanto a mão-de-obra fornece os
seus serviços a baixo preço, esbanjam-na; procuram poupá-la quando os
seus serviços se tornam mais caros." (8)
Para forçar os capitalistas a aperfeiçoarem as suas máquinas de madeira e
de ferro, é preciso elevar-se os salários e diminuir as horas de trabalho das
máquinas de carne e osso. As provas? Podemos fornecê-las às centenas. Na
fábrica de fiação, o tear mecânico (self acting mule) foi inventado e aplicado
em Manchester, porque os fiandeiros se recusavam a trabalhar tanto tempo
como antes.
Na América, a máquina invadiu todos os ramos da produção agrícola, desde
o fabrico da manteiga até à sacha dos trigos: porquê? Porque o Americano,
livre e preguiçoso, preferiria morrer mil vezes a ter a vida bovina do
camponês francês. A lavra, tão penosa na nossa gloriosa França, tão rica de
aguamentos, é, no Oeste americano, um agradável passatempo ao ar livre
que se pratica sentado, fumando descuidadamente o seu cachimbo.
NOTAS:
(1) No Antigo Regime, as leis da Igreja garantiam ao trabalhador 90 dias de
descanso (52 domingos e 38 dias feriados) durante os quais era estritamente
proibido trabalhar. Era o grande crime do catolicismo, a causa principal da
irreligião da burguesia industrial e comercial. Na Revolução, mal esta foi
senhora da situação, aboliu os dias feriados e substituiu a semana de sete
dias pela de dez. Libertou os operários do jugo da Igreja para melhor os
submeter ao jugo do trabalho. O ódio pelos dias feriados só aparece quando
a moderna burguesia industrial e comerciante ganha corpo, entre os séculos
XV e XVI. Henrique IV pediu a sua redução ao Papa; este recusou, porque
"uma das heresias que correm atualmente diz respeito às festas" (carta do
cardeal d'Ossat). Mas, em 1666, Perefixe, arcebispo de Paris suprimiu 17 na
sua diocese. O protestantismo, que era a religião cristã adaptada às novas
necessidades industriais e comerciais da burguesia, preocupou-se menos
com o descanso popular; destronou no céu os santos para abolir na terra as
suas festas. A reforma religiosa e o livre pensamento filosófico não eram
senão pretextos que permitiram à burguesia jesuíta e voraz escamotear os
dias de festa do popular.
(2) Estas festas pantagruélicas duravam semanas. Don Rodrigo de Lara
ganha a sua noiva expulsando os Mouros de Calatrava-a-velha e o
Romancero narra que:
Las bodas fueron en Burgos,
Las tornabodas en Salas:
En bodas y tornabodas
Passaron siete semanas
Tantas vienen de las gentes,
Que no caben por las plazas...
(As bodas foram em Burgos, o regresso das bodas em Salas; em bodas e
regresso de bodas passaram sete semanas; acorrem tantas pessoas que
não cabem nas praças...) Os homens destas bodas de sete semanas eram os
heróicos soldados das guerras da independência.
(3) Karl Marx, O Capital, t. III.
(4) "A proporção segundo a qual a população de um pais é empregada como
doméstica, ao serviço das classes abastadas, indica o seu progresso em
riqueza nacional e em civilização.)" (R. M. Martin, Ireland before and after the
Union, 1818.) Gambetta, que negava a questão social, depois de já não ser
advogado pobre do Café Procope, queria certamente referir-se a essa classe
doméstica sempre crescente quando ele reclamava o advento das novas
camadas sociais.
(5) Dois exemplos: o governo inglês, para agradar aos países indianos que,
apesar das fomes periódicas que desolam o país, teimam em cultivar a
dormideira em vez de arroz ou de trigo, viu-se obrigado a empreender
guerras sangrentas para impor ao governo chinês a livre introdução do ópio
indiano. Os selvagens da Polinésia, apesar da mortalidade que daí adveio,
viram-se obrigados a vestirem-se e a embriagarem-se à inglesa para
consumirem os produtos das destilarias da Escócia e das tecelagens de
Manchester.
(6) Paul Leroy-Beaulieu, La Question Ouvriere au XIV siecle, 1872.
(7) Eis, segundo o célebre estatístico R. Giffen, do Departamento de
Estatística de Londres, a progressão crescente da riqueza nacional da
Inglaterra e da Irlanda em:
1814 - ela era de 55 mil milhões de francos
1865- 162,5 mil milhões de francos
1875- 212,5 mil milhões de francos
(8) Louis Reybaud, Le Coton, son Régime, ses Problêmes, 1863.