A relação que cada um tem com a religião que abraçou pode, sim, ser um ópio, porque o deixa extasiado, alienado frente às outras vertentes da realidade social e às vezes até insensível perante a dor do próximo, principalmente se esse próximo não for da sua fé.
Muitos usam a religião como defesa contra o enfrentamento da própria realidade crua e cruel que o circunda, contra o enfrentamento da própria consciência. E aí a religião, seja ela qual for, pelo menos para tais pessoas autoiludentes, passa a ser mesmo uma droga, um ópio, uma espécie de proteção até mesmo contra seu próprio passado de culpa. Intimamente, acham eles que a simples observância de práticas ritualísticas religiosas é uma espécie de esponja memorial que apaga todas as suas mazelas não quitadas com o destino e lhes isenta da prática do amor caritativo e fraternal. Essa relação opiofágica, sim, é a maior ilusão de um crente. Uma alucinação extremamente cara contra qualquer missão social que se estava ou estaria a engendrar sobre a Terra.
 
Mas, em princípio, considerada a estrutura dogmático-ritualística, nem toda formação ou ideologia religiosa é droga, em que pese à acusação do economista, filósofo e socialista alemão Karl Marx (1818-1883). Ele asseverou que “a religião é o ópio do povo”.
[Marx usou esse famoso enunciado muito mais dentro de um contexto histórico de ideologias religiosas que viviam (e ainda vivem) tentando mascarar as verdades libertadoras das consciências oprimidas pelo maior dos impérios – o império do Capital. O essencial do pensamento marxista quanto a essa questão encontra-se no livro “Sobre a Religião”, que Marx escreveu em parceria com Friedrich Engels.
 Hodiernamente, a Sociologia tradicional ainda é antirreligiosa, porque vê na Fé um entrave ao avanço das sociedades. Há, contudo, tendências sociológicas mais vanguardistas, que vêm enxergando horizontes mais abrangentes em derredor dessa matéria(ops!), da mesma forma que algumas tendências religiosas em relação à Sociologia, à Filosofia e às Ciências em geral.]
 
Não há dúvida mesmo que existem muitas drogas ideológico-religiosas. O crucificado do Gólgota que o diga, porque talvez tenha sofrido a maior consequência dessa droga, injetada na veia consciencial de seus próprios irmãos judeus, cujo ápice foram aquelas palavras: “Barrabás! Barrabás!”.
Muitas formações religiosas por aí são verdadeiras escolas ou usinas de seres egoístas e insensíveis sociais, porque não pregam nem exemplificam na linha de frente os ensinamentos do Cristo, ainda que muitas se autodenominem cristãs. Pregam na verdade uma espécie de egoísmo corporativo, quando todo gesto de doação tem de visar à própria igreja, não aos necessitados sociais através da igreja.
 
Entretanto, essas duas generalizações do conceito marxista – “a religião” e “o povo” – são altamente anticientíficas.
Não existe “a religião” como fenômeno monobloco, analisável e classificável como uma só realidade. O que há espalhadas por toda a Terra são mais de três mil formações sociais autodenominadas religiões, seitas, formações evangélicas e doutrinas.
A partir de uma mera observação mais afastada, é de se ver que há muitas religiões, seitas e formações ritualísticas que são efetivamente verdadeiras drogas anestesiantes, desumanizantes, insensibilizantes e engessantes, mesmo entre as que pregam o Cristianismo. Porém, há outras, especialmente entre as doutrinas filosóficas cristãs, que são reconhecidamente adjuvantes na autolibertação de seus seguidores, porque difundem linhas abertas de conscientização e de autorresponsabilidade com a pregação dos valores crísticos, que incluem precipuamente o exercício das relações sociais baseadas na caridade e na fraternidade.
Entretanto, em princípio, quem faz a sua religião é o religioso. E, normalmente, cada religião atrai seus seguidores de acordo com o grau de entendimento e de despertamento consciencial destes.
Existem aquelas religiões cujas bases morais não pregam exatamente o Evangelho, mas que são grandes coadjuvantes no despertamento da espiritualidade e do afastamento das corrupções do mundo. São válidas para muitos, como processo de avanço rumo ao objetivo maior, que é a plenificação da prática crística dentro de si.
O Evangelho, como código de conduta translibertadora, é o ápice da evolução consciencial das pessoas, não só das pessoas humanas, mas também das pessoas institucionais e particularmente das pessoas religiosas.
Jesus pregou uma moral ampla, ecumenicista e universal, que está acima de todos os processos e formações religiosas. O Evangelho é a grande síntese de tudo o que se produziu de bom, de eterno e de universal nas searas reflexivas entre os homens.
Todas as formações religiosas que ainda não se sintonizam plenamente com a moral evangélica, estão no caminho. Têm seus avanços e seus lados bons, mas ainda lhes faltam algumas peças de engrenagem, principalmente entre aquelas que não preconizam, na ordem do dia, no mural de entrada, o amor, o perdão, a humildade e a caridade a todas as pessoas indistintamente.
 
Apesar das diferenças estruturais das mais de três mil formações religiosas que há na Terra, os preconceitos e as dissensões só existem entre nós mesmos, terráqueos. Jesus, o Governador Espiritual do planeta, entende nossas cegueiras quanto à Verdade e sempre dá um desconto. Por intermédio de seus emissários espirituais iluminados, ele vai a todos os ambientes religiosos e não religiosos onde haja pessoas receptivas e de boa-fé precisando de sua intervenção socorrista ou esclarecedora, independentemente de credo ou de forma individual ou coletiva de credo, dentro ou fora de ambientes religiosos. As mensagens espirituais crísticas chegam a todas as frentes cristãs ou não cristãs, ainda que adaptadas às linguagens e figuras hieroculturais aceitas localmente e mesmo que entremeadas com discursos pastorais seculares e até aparentemente distorcidos dos cânones bíblicos ou evangélicos.
Milagres, curas, fenômenos, principalmente para melhorias íntimas e higidez espiritual acontecem em toda parte.
[Também as dores, os acidentes e as tragédias pessoais são de certa forma mensagens libertadoras, porque visam à retificação, ao apontamento e ao impulsionamento da caminhada dos sofredores na direção da Verdade. É questão de ter a mente aberta para perceber e entender as mensagens atrás das mensagens de conscientização, de amor ou de dor. Todo mal pode vir para o bem. Depende da leitura que se faz com o que se lhe fez ou com o que se fez consigo mesmo.]
 
Não são necessariamente os ideólogos religiosos que podem dificultar o processo libertador dos povos, mas também qualquer ideologia que se baseie em crendices humanas e não em fatos científicos irrefutáveis.
O materialismo científico é tão alienante quanto o espiritualismo mítico e dogmático. O próprio Marxismo ortodoxo é uma ilha ideológica. Equipara-se, em muitos aspectos, a formações religiosas alienantes. É também um ópio para o povo, na medida em que se baseia em teorias mais hipotéticas do que empíricas, sem respaldo histórico anterior ou posterior a sua existência meramente acadêmica, e porque não se flexibiliza para se desenvolver com as tendências sociopolíticas e espiritualistas. Ademais, nenhuma das previsões dogmáticas do Marxismo foi confirmada até hoje, e certamente nunca se confirmará por si sem o somatório de outras formas de abordagem socioeconômica mais vanguardistas baseadas na fraternidade e no amor em Cristo. O mesmo para as previsões de muitas religiões alicerçadas em princípios falsos sobre a vida e sobre as naturezas humana e espiritual. [Falta ao Marxismo uma visão espiritual sobre as questões sociais. As lutas de classe não acontecem apenas por divisões economicistas. Há todo um complexo oculto de forças, positivas e negativas, derredor dos impasses, que buscam tirar proveitos para o bem das gentes, embora muitas coalizões invisíveis valham-se das fraquezas humanas e sociais para tentar derrocar as instituições morais e culturais, rumo à destruição dos valores crísticos].
Hodiernamente, a grande luta social já não é a baseada em apartheids econômicos, mas, sim, entre forças morais, políticas, artísticas, espirituais, que marcam o início desta fase mais intensa da grande transição terráquea, de planeta de provas e expiações para planeta de regeneração.
 
Entretanto, o que mais se leva em conta não é a possibilidade de existência concreta das verdades defendidas pelos ideólogos, mas, sim, os efeitos práticos das mesmas na mudança político-econômica das sociedades, ora para avançar, ora para retroceder. Certamente, hoje todos nós estaríamos transitando em realidade comportamental bem diferente, se não tivessem se propagado as grandes ideologias científicas, econômicas e políticas de até então, a exemplo do Darwinismo, Lombrosianismo, Taylorismo, Socialismo Científico, Comunismo, Liberalismo e outras. Embora tenham tido vida muito curta ou nunca tenham existido praticamente, serviram de ponto de influência para o repensamento das funções políticas, econômicas e religiosas das instituições sociais e dos Estados, e por isso perenizaram mudanças reais. [O próprio Marxismo continua atual e necessário como base de reflexão para um mundo melhor, para um repensamento das ideologias econômicas e para um redirecionamento mais humanizante dos destinos do atual Capitalismo ainda sem freios.]
 
{Aproveitando a questão relacionada ao ópio, que foi usada por Marx no sentido comparativo, vamos afunilar um pouco o discurso, para falar de drogas mais materiais relacionadas a religiões.
De igual modo, nem toda droga é instrumento de religião no sentido de ligação a Deus.
A título de exemplo referencial podemos citar a maconha.
A maconha é uma droga entorpecente produzida a partir das
plantas da espécieCannabis sativa. Segundo correntes majoritárias da Medicina, ela diminui a coordenação motora, reduz a memória e a concentração, diminui a libido e induz a alucinações e a outros surtos psicóticos. Também provoca depressão, ansiedade e pânico, além de transtornos de personalidade, insensibilidade, rebeldia, impotência sexual, preguiça mental etc. Até induz ao suicídio. Claro que esses e outros efeitos variam em quantidade e intensidade em relação a cada usuário e ao tempo de uso, como acontece, aliás, com toda substância ativa que entra em qualquer organismo humano. Porém, um ou mais efeitos fatalmente fazem-se notar em cada usuário, sem muito tardar. Mas, apesar desses seus estatisticamente comprovados malefícios, a maconha é considerada a “erva sagrada” pelos rastafaris, dita como “capaz de elevar seus usuários para próximo do criador”, em que pese aos louváveis princípios libertadores de sua religião.
 
Muitos usuários de drogas psico ou fisiodependentes defendem a importância das mesmas para a expansão produtiva da consciência, principalmente no campo da Arte. Mas a parceria da Arte com a consciência humana não depende precipuamente da drogação desta para se viabilizar.
A própria Arte em si já é consciencio-expansiva, e há vários mecanismos outros que ajudam qualquer ser humano a se expandir animicamente sem ser pela via de alguma droga material. A predisposição de realizar alguma Arte ou algum trabalho útil já é pré-inspiracional, sem contraindicações para o corpo físico.
Uma oração, um diálogo, qualquer outra forma de motivação, inclusive a própria dor ou o próprio prazer, podem ser motes para expansão da consciência, para despertar o seu fator X ascensional, mesmo que ele esteja ou ainda precise permanecer em um ambiente objetivamente trevoso e antiartístico. [De repente, é ali mesmo onde o sofredor é galgado à função de iluminador da escuridão vibracional. Faz-se o céu subjetivo no umbral objetivo.]
A apreciação concentrada sobre uma obra de arte também expande a consciência e já provoca estalos criativos, construtivos ou modificativos.
Também a leitura de um texto artístico projeta a consciência. O texto físico é apenas o portal, mas o conteúdo é que é o outro mundo, em que o leitor mergulha pela imaginação, identificação, reflexão e, enfim, pela sua consciência.
O início efetivo de um processo criador, recriador, compositor ou construtivo qualquer já impulsiona a mente para a viagem transconsciencial necessária ao resultado pretendido. A ação é sempre um ato do espírito.
O uso de certas drogas, como a maconha por exemplo, é mais antiartistizante do que artistizante, porque costuma contribuir para a alteração, mas não exatamente para a expansão do estado de consciência. O uso continuado da maconha tende a reduzir a capacidade de raciocínio e impõe uma preguiça mental, que repercute na intelecção, na interpretação e, por via oblíqua, na criatividade.
A tomada de consciência de si mesmo, em seu natural, é que é a maior viagem que um ser humano pode empreender, e isso convida automaticamente a separar-se das drogas, o mais depressa possível, para não terminar se separando de si mesmo. É quando se passa a viver prestando atenção ao que pensa ou faz, mas também à sua própria saúde.
Tão ou mais importante do que a expansão da consciência individual ou cósmica é a tomada de consciência de seu papel no mundo e, principalmente, a melhoria de si mesmo pelo mundo e a melhoria do mundo por si.
Toda visão alucinatória é antes de tudo enganatória e faz o “vidente”, no mínimo, de bobo. É um preço muito caro que se paga por uma passagem. E não falo do preço em reais da droga, mas o preço em saúde e vitalidade que se paga com a alucinação.
Ademais, qualquer droga alucinógena altera os estados mentais, mas sempre destrói paulatinamente o cérebro, em um ou vários córtex, e um cérebro danificado danifica todo o corpo, que dele depende para ser saudável.
O êxtase verdadeiramente felicitador é o esforço de fazer do mundo real o mundo que se imagina quando se está com a consciência expandida pela esperança. Qualquer viagem noutra direção pode ser apenas uma ilusão de ótica, uma ilusão do espírito, falsa e alucinante, mera fuga para um precipício real e muitas vezes irreversível, se não interrompido o jogo de roleta-russa a tempo.
 
Enfim, a religião só é um ópio, se for afastativa da realidade da missão comum a cada um de nós aqui na Terra, que é amar. Amar seja como for, desde que em sintonia com os mandamentos evangélicos, consciente ou inconscientemente. É fazer as vezes do Nazareno na prática das ações melhorativas e despertativas das consciências. É fazer as pessoas religarem-se a Deus usando seus próprios potenciais únicos e especiais. É, enfim, vivenciar a verdadeira religião conceituada pelo Novo Testamento: “A religião pura e imaculada diante de nosso Deus e Pai é esta: Visitar os órfãos e as viuvas nas suas aflições e guardar-se isento da corrupção do mundo.” (Tiago 1:27).
O resto são caminhos degradativamente iludentes e opiizantes ou são caminhos gradativamente desiludentes e desopiizantes. E vale sempre ressalientar: o ópio ou o despertador consciencial está dentro de cada um. Não importa tanto a instituição religiosa, seus dogmas e seus autoadjetivos. O que mais vale é a religação que cada um faz com Deus quando está dentro de uma igreja ou quando está com
uma igreja dentro de si.

Josenilton kaj Madragoa
Enviado por Josenilton kaj Madragoa em 29/12/2010
Reeditado em 29/12/2010
Código do texto: T2697606
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