A esperança e a busca da verdade

A esperança

Ele estava à beira da morte. Era um indígena, nas profundezas da selva. Temia o que viria em seguida. O pajé lhe disse que depois da morte encontraria nova vida. Olhava para o deus sol e invocava a deusa lua. O pajé transmitia segurança. O fiel sorria. Morreu feliz, cheio de esperança.

Em outro ponto do mundo, o fiel recebeu a missão. Seria um homem bomba! Aproveitaria um momento nas festas naquela cidade. Sua morte representaria, também, a morte de muitos que estivessem próximos, no momento em que ele, cheio de fé e esperança, oferecer-se-ía em sacrifício. Sentia medo. O líder religioso lhe disse para não temer. Sua morte, nesta vida, seria recompensada pela vida eterna no além. Teria muitas virgens ao seu dispor. Foi para o sacrifício, foi feliz e morreu cheio de esperança.

No ocidente o fiel estava na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Não havia chance, não haveria milagre. Recebeu visitas de padres, bispos, pastores e afins. Estava com medo da escuridão da morte. Foi tranquilizado. Seria apenas um sono à espera da ressurreição. Viveria o milênio, participaria da primeira ressurreição. Depois viveria eternamente na terra renovada. Morreu feliz, morreu sorrindo, cheio de esperança.

Pelo mundo inteiro pessoas vivem e morrem cheias de esperança. É certo que o futuro eterno, objeto de esperança, muda de uma religião para outra. Isso pouco importa! Cada ser, cheio de esperança, tem certeza absoluta que a sua esperança é a esperança verdadeira (a bendita esperança!). Muitos vivem e morrem felizes. Muitos possuiram e possuirão a certeza de que dormiram e dormirão na fé verdadeira. Dizem: somente os ateus morrem sem esperança de uma vida eterna futura...

A busca da verdade

Tenho afirmado que "precisamos de esperança, porque a vida é dura", mas tenho asseverado, também, que "viver com esperança não significa viver com a verdade".

Notem, nos exemplos acima, que todos morreram cheios de esperança, mas cada esperança estava baseada numa ideologia diferente. São ideologias, no mínimo, excludentes. Cada segmento de fé transmiste uma esperança que produz excelente resultado. É claro que cada portador de esperança considera a sua a única que é verdadeira.

É possível, portanto, viver e morrer cheio de esperança. Os que não conseguem essa doce magia são os que buscam a verdade, exclusivamente a verdade. A verdade coaduna com a realidade. A realidade quase nunca coaduna com a esperança.

Por isso que eu insisto: viver com esperança faz bem, mas a adição da realidade no contexto da fé, nem sempre deixa a esperança com esse adocicado gosto. A adição da verdade (realidade) quase sempre confirma aquilo que é procurado por aquele que faz a busca da verdade. E o que é procurado, e encontrado, nem sempre é motivo para que se tenha esperança...