CLARA MARTINS PANDOLFO. VIDA, OBRA, LEGADO

                         Sérgio Martins Pandolfo*

        Agradeço inicialmente em meu nome pessoal e no de todos da família a escolha do nome de nossa saudosa matriarca para designar a “Mostra Clara Pandolfo de Ciência e Cultura”, evento integrante da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, que o Ministério da Ciência e Tecnologia e o Governo do Estado do Pará levarão este ano às escolas da capital e a vários municípios do território paraense.
       Nascida em Belém aos 12 de junho de 1912, CLARA MARTINS PANDOLFO era filha de ALBANO AUGUSTO MARTINS, comerciante português, e JUDITH BARREAU DO AMARAL MARTINS, brasileira, francolusodescendente.
       Esteve casada durante 51 anos com ROCCO RAFAEL PANDOLFO, dentista e engenheiro agrônomo, gaúcho, italodescendente, falecido em Belém em janeiro de 1987.
       Faleceu em Belém aos 31 de julho de 2009 com 97anos, lúcida e participativa.
Graduou-se em Química em 1930 pela Escola de Química do Pará que funcionou em Belém até 1931, com corpo docente constituído por professores contratados na Universidade de Sorbonne, França, e dirigida pelo naturalista francês Paul Le Cointe.
Ao término do curso, com base em pesquisas de laboratório sobre espécies vegetais regionais, apresentou Tese sob o título Contribuição ao Estudo Químico de Plantas Medicinais da Amazônia, defendida publicamente e aprovada com distinção pela Congregação da Escola.
        Aqui chamo em meu favor o depoimento da prestigiada jornalista paraense Ana Diniz, extraído de seu blogue
          “Clara Martins tinha 19 anos quando ingressou no mundo científico, ao lado de, nada mais, nada menos, Paul Le Cointe. Ela estudava na Escola de Chimica Industrial, fundada em 1910 e fechada em 1931. Sua presença no primeiro e único boletim da Escola de Chimica, publicado em 1929, é como colaboradora de Le Cointe, líder da equipe francesa que tocava a escola, numa contribuição ao estudo químico das plantas amazônicas.”
         Os anos de tirocínio escolar e os que se seguiram em que trabalhou, como colaboradora do professor Paul Le Cointe, em pesquisas tecnológicas sobre matérias primas regionais, nos laboratórios daquela Escola, marcaram fundamente sua formação técnico-científica levando-a a adquirir gosto pelo estudo dos recursos naturais da Amazônia a que dedicou, desde então, as atividades de sua vida profissional.
          Invoco novamente a análise expendida pela supradita jornalista parauara, constante da mesma fonte:
         “Eu penso no que Clara deve ter enfrentado para entrar nessa escola, uma adolescente de dezesseis anos... a ciência era, nos anos 20 do século XX, um reduto masculino; creio que o fato de ter uma inteligência extraordinária a ajudou; mesmo assim, numa época em que o destino feminino vinha traçado do berço, estudar química industrial, com cientistas franceses – devia ser demais para a província!) (...). Dois anos depois daquela estréia, a escola era fechada por Getúlio Vargas. Mas Clara tinha adquirido uma paixão, definitiva: a Amazônia. Vinte e cinco anos depois, Clara conseguia sua reabertura”.
        Atividades Exercidas - Por mais de 20 anos exerceu atividades nos laboratórios locais como Química dos Laboratórios de Bromatologia e de Hipodermia da Diretoria de Saúde Pública do Pará e do Laboratório de Biologia da Santa Casa de Misericórdia do Pará, neste organizando e dirigindo, por vários anos, uma Seção de Hipodermia e Produtos Injetáveis. Durante esse período realizou também estudos sobre espécies oleaginosas da Amazônia.
        Ao instalar-se em Belém a SPVEA (Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia), foi requisitada pelo seu primeiro Superintendente para servir como Assessor Técnico, vindo posteriormente a assumir a presidência da Sub-Comissão de Recursos Naturais da Comissão de Planejamento daquela Superintendência.
       Com a extinção da SPVEA e criação da SUDAM (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), em 1966, foi nomeada Membro do Conselho Técnico da nova Instituição e, mais tarde, com a reestruturação do órgão, assumiu a Direção Geral do Departamento de Recursos Naturais.
        Atividades de magistério - Paralelamente às atividades técnicas exerceu, também, durante mais de 25 anos, o magistério secundário e superior, como professora de Química de vários colégios de Belém, na Escola de Enfermagem do Pará e na antiga Escola Superior de Química do Pará, de onde foi professora fundadora e, por vários anos, Diretora, posteriormente incorporada à Universidade Federal do Pará, da qual se aposentou como professora titular. Professor Emérito pela Resolução nº 1.713, de 02 de janeiro de 1989 da UFPA.
        Outras Atividades - No desempenho de suas atividades profissionais, participou de numerosos Congressos, Missões Técnicas e Grupos de Trabalho, visitando Instituições especializadas do País e do estrangeiro, proferindo Palestras e Conferências em Cursos, Seminários e Universidades.
        Vinda de uma época em que não existiam as facilidades de hoje e tendo vivido sempre na Amazônia, onde eram escassas as oportunidades de aprimoramento de conhecimentos, buscou-as, entretanto, incessantemente, através de esforço próprio, no manuseio dos livros e na experiência haurida e acumulada no recesso dos laboratórios onde serviu e no trato constante com os problemas da região, nas longas viagens de estudo e observação empreendidas aos mais longínquos recantos do interior amazônico.
         Em toda a sua vida profissional, sua atividade destacou-se, sobretudo, como obra de tenacidade, de paciente obstinação, de força de vontade de realizar, mesmo nas condições mais adversas, em face das enormes dificuldades de ordem técnica, financeira e institucional, que teve de enfrentar.
         Seu trabalho em favor da região pode ser aquilatado pelo rastro de realizações que marcam sua passagem pelo Órgão de desenvolvimento regional e pelo magistério local, merecendo destaque, entre outras, as seguintes:
    a - Emissão de pareceres e informações técnicas em vários processos que transitaram por esse Órgão, visando ao estudo e ao melhor conhecimento do meio amazônico.
    b - Concepção e implantação, em caráter pioneiro, de um projeto-piloto de cultura do Dendê realizado em convênio da SPVEA com o Institute de Recherches pour lês Huiles et Olégineux (I.R.H.O.) da França, que serviu como demonstrativo de uma das grandes vocações naturais da região.
     c - Coordenação dos programas de pesquisa florestal desenvolvidos pelo Centro de Tecnologia Madeireira da SUDAM, trabalhos que serviram de base a uma proposta de Política Florestal Regionalizada para a Amazônia, a qual lançou sob a denominação de Florestas de Rendimento, hoje largamente implantado e em execução sob a rubrica de manejo florestal.
     d - Em 1979, devidamente autorizada pelo Decreto da Presidência da República, por Portaria do Superintendente da SUDAM, atendendo a convite que lhe foi formulado pelo CENTER OF BRASILIAN STUDIES, da SCHOOL OF ADVANCED INTERNATIONAL STUDIES, da UNIVERSITY JOHNS HOPKINGS, viajou a Washington, Estados Unidos, para pronunciar, nos dias 09 e 11 de maio, duas Conferências sobre a questão florestal na Amazônia, mais especificamente sobre a proposta de política florestal que ela apresentara visando à criação de Florestas de Rendimento.
        Neste ponto cabe reiterar o que já o dissera alhures:
       “Tão só para pôr exemplo, são de seu engenho e lavra os estudos que culminaram na elaboração da proposta de criação das Florestas Regionais de Rendimento, denominação hoje por sibilina sutileza sofismática transmudada para “projetos de manejo florestal” valendo citar aqui breve trecho do trabalho de Mario B. Aragão, Pesquisador titular da Escola Nacional de Saúde Pública: Ainda a Amazônia, in Cadernos de Saúde Pública, RJ. 5(2): 219-227, abr/jun, 1989: “A esse respeito foi apresentada uma proposta muito lúcida pela Dra. Clara Pandolfo da SUDAM, que são as Florestas Regionais de Rendimento” (...)”. E mais adiante “A melhor proposta surgida até hoje foi a da criação das florestas regionais de rendimento, onde empresas madeireiras receberiam concessão para explorá-las, sem se tornarem proprietárias nem da terra nem da vegetação”.
     e - Supervisão e montagem de um Laboratório de Pesquisas Minerais, na SUDAM, com vista ao estabelecimento de métodos adequados ao tratamento dos minérios regionais.
     f - No campo do Magistério destacou-se o empenho com que se dedicou ao ensino da Química, tendo lutado, durante muitos anos, pela reabertura da Escola de Química do Pará (cujas atividades foram encerradas com a Revolução de 1930), iniciativa que afinal viu vitoriosa por decisiva influência da SPVEA, com sua reabertura em 1956 e, posterior incorporação à Universidade Federal do Pará.
Insiro: “Entre esses ex-alunos destaca-se a liderança da professora Clara Martins Pandolfo, sempre lembrada como incansável lutadora pela reabertura da Escola e organizadora de movimentos para esse fim” (LIMA, ALENCAR, BARBOSA, 1985).
        Treinamento e Especializações - Visando ao aprimoramento de seus conhecimentos profissionais participou de Seminários de Treinamento nas áreas de Desenvolvimento de Executivos de Alto Nível (pela Escola de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas); Processamento de Dados para Dirigentes de Órgãos Governamentais; Engenharia de Sistemas aplicada ao Planejamento de Projetos (ministrado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE); Técnicas de Planejamento de Sistemas (pela IBM) e Capacitação na Formulação de Projetos na Região Amazônica (Acordo SUDAM/PNUD).
        Distinções, Medalhas e Condecorações - Dentre as numerosas com que foi agraciada, destacam-se a ORDEM DO MÉRITO GRÃO-PARÁ, outorgada por Decreto do Governo do Estado do Pará e a MEDALHA DO MÉRITO FLORESTAL “NAVARRO DE ANDRADE”, pela Sociedade Brasileira de Silvicultura, sediada em São Paulo, considerada a maior honraria no campo dos recursos florestais, no Brasil.
No 9º Encontro dos Profissionais da Química da Amazônia (27 a 30/06/2005) do Conselho Regional de Química da 6ª Região foi agraciada com Plaqueta de Prata “pelos relevantes serviços prestados à classe dos Químicos como Docente da antiga Escola Superior de Química do Pará”. Em decisão de 26/02//2007 o antedito Conselho criou o “Prêmio Profª Clara Pandolfo”, a ser conferido por ocasião dos Encontros dos Profissionais da Química da Amazônia a profissionais de reconhecidos méritos
       Homenageada pela Secretaria  de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia (Sedect) do Estado do Pará em 2011 com a Mostra “Clara Pandolfo” de Ciência e Cultura, como parte da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia promovida pelo Ministério da Ciência e Tecnologia
       Trabalhos Publicados - é autora de numerosos trabalhos publicados relatando suas pesquisas na Amazônia, dos quais caberia ressaltar, por significativos:
     1- A AMAZÔNIA. Seu grande potencial de recursos naturais e oportunidades de industrialização (Trabalho classificado em 1º lugar no Concurso “Paulo Maranhão), SUDAM, Belém, vol.1, 1969. (Este trabalho lhe valeu o desfrute de uma viagem à Europa, com seu esposo, como integrante da caravana paraense da “Viagem da Primavera” 1968, ofertada pela Folha do Norte, promotora do concurso, e a empresa turística Lusotur que efetivava anualmente o pré-citado evento turístico).
     2- A FLORESTA AMAZÔNICA – ENFOQUE ECOLÓGICO-ECONÔMICO, Belém, SUDAM, 1977 – (propondo uma política florestal regionalizada, com a criação de Florestas de Rendimento, visando a racionalizar a extração de madeira na Amazônia Brasileira).
     3- A atuação da SUDAM na preservação do patrimônio florestal da Amazônia, Belém, SUDAM, 1972.
     4- Seminário sobe A REALIDADE AMAZÔNICA, Belém, SUDAM, 1973
     5- Considerações sobre a questão ecoógica da Amazônia brasileira, Belém, SUDAM, 1990
         Por fim, a Profª Clara Pandolfo, a par de seu permanente e devotado magistério técnico-científico em prol do desvendamento dos segredos e complexidades da Floresta Amazônica e de sua rica e multifária biota, também foi uma cultora das artes literárias, em especial da poesia, que ela degustava nos seus vagares, tendo também exercitado a literatura não-científica por meio de vários artigos que escreveu e fez publicar na imprensa paraense. A destacar, o resultado obtido no “Concurso Internacional de Poesias, Contos e Crônicas ALPAS XXI – 2008” em que obteve Destaque Nacional com o conto Um episódio passional, o qual veio a ser publicado na Coletânea Palavras de Abril.
         Desde fevereiro de 2011 é a Patronesse da Cadeira de número 03 da Real Academia de Letras, com sede em Porto Alegre, RS, de posse vitalícia do Acadêmico Correspondente Sérgio Martins Pandolfo, representante de Belém do Pará.
      “Sinto muito não estar em Belém para participar da homenagem à mestra e amiga que marcou minha juventude com suas lições de ciência e de vida!! Sem dúvida, ela foi a mulher mais valorosa da ciência colocada a serviço do desenvolvimento econômico e social do Pará no século XX !! E pioneira na luta pelo desenvolvimento sustentável - pois foi das primeiras que empreendeu estudo e ação para a preservação sustentável das nossas florestas”, a recitar a médica e amiga da família Edith Seligman Silva.
         Afora as atividades laborais e funcionais Clara era da Casa e da Família.
Em remate, testemunho verdadeiramente despretensioso e insuspeito e que traduz bem a personalidade, a fibra e a luta indesvanecida dessa grande amazônida em favor desta região, tão grande e malconhecida quanto imensa é sua riqueza, importância e cobiça desprecatada em todo o mundo:
     "Clara Pandolfo, que morreu na semana passada, aos 97 anos, foi uma das mais notáveis paraenses, pioneira na emancipação da mulher. Foi aluna muito estimada de Paul Le Cointe na velha escola de química, produto de uma época em que a elite local ainda era esclarecida, mesmo - ou, sobretudo - depois da decadência da [...].' Lúcio Flávio Pinto, Jornalista paraense, agosto 15, 2009.

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(*) Médico e escritor. ABRAMES/SOBRAMES
Discurso pronunciado no dia 27/05/2011 na cerimônia de lançamento oficial da “Mostra Clara Pandolfo de Ciência e Cultura”, promovida pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e o Governo do Estado do Pará, por meio da Secretaria de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia (Sedect), no Auditório do Centro de Ciências Naturais e Tecnologia (CCNT/UEPA).
E-mail: sergio.serpan@gmail.com - serpan@amazon.com.br
Site: www.sergiopandolfo.com


Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 29/05/2011
Reeditado em 28/03/2012
Código do texto: T3001056
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