As mães e o domínio da Vida: texto base de palestra proferida no Centro Cultural Joacil de Brito – João Pessoa, PB – durante homenagens ao Dia das Mães; em 14/05/2012, 17h00.

Bom fim de tarde e boa noite a todos os presentes e, também, aos daqui ausentes.

É com muita satisfação que estou aqui hoje pra falar um pouco sobre o que apreendi de meus relacionamentos com as mulheres, particularmente com as mães.

O filósofo francês Edgar Morin, em seu livro Meus demônios, sentenciou: “Todo escritor se pensa o Sol”.

Estando próximo dos cinquenta e um anos, convivendo entre artes, como escritor, se já não me sentia antes o “dono da Verdade” – caso pudéssemos mesmo possuir alguma coisa, como pensamos – não nego que ando perto de me sentir um pouco como o Sol, já que dizem que o destino de todo artista é se tornar uma “estrela”.

Porque, no dizer do Psicoterapeuta suíço Carl Gustav Jung, os artistas são “as antenas da raça”. Não quero dizer com isto que todos tenham ou têm sido necessariamente grandes exemplos de bom caráter e, consequentemente, de humanidade.

Apesar de parcialmente ter rejeitado o Cristianismo – não por seu valor doutrinário educativo, mas por minha incompetência à realização de todos os seus maravilhosos divinos ideais de amor aos inimigos – influências de minha formação cristã, e sua louvação a necessários exercícios de humildade diante dos poderes da Vida e de nossas submissões a ela, ainda impedem que eu me sinta um astro.

Dessa forma, por mais que me esforce a considerar níveis mais altos de autoestima – níveis que chegam ao narcisismo – não posso me sentir mais do que “minha” cultura me fez diante de mim mesmo, de outros e, principalmente, diante do verdadeiro Sol ou do que a Vida se me tornou.

Mas, inescapavelmente inserido na Vida com tudo o que vive, depois de viver e ler sobre boa parte das histórias que muitos inventaram sobre o ser e o nada, apreendi sobre as grandezas que nos tornam diferentes e de certas pequenezes que nos fazem iguais.

Assim, com toda humildade possível a mim, sei exatamente o que Edgar Morin quis dizer ao revelar a intenção secreta de todo escritor. Porque, ao modo das estrelas, apesar de já se terem passado séculos desde o Iluminismo, em quaisquer tempos artistas escritores sempre pensam poder lançar outras luzes àqueles que ainda estão na Idade das Trevas, ou na escuridão projetada pela ignorância remanescente e, em muitos casos, persistente – apesar de terem se processado evoluções de consciências ao longo dos séculos de nossa formação humana.

Entre muito do que não sabem aqueles que admiram o glamour da vida dos astros a quererem sê-los, é preciso dizer-lhes que a natureza da estrela é assim: quanto mais brilham, mais rápido se consomem – sendo um número infinito as que nascem, vivem uma eternidade ou duas e morrem absolutamente sem que ninguém as veja.

No meu caso, como artista, como escritor, produzindo textos críticos e ficções, nunca busquei o glamour da vida artística economicamente bem sucedida, mas dizer para interessados e desinteressados o que apreendi do sentido essencial da existência e, graças à capacidade de livre arbítrio, inteligência e criatividade, sobre a infinita gama de valores que inventamos e imprimimos à Vida dando-lhe outros sentidos – embora mais particularmente às vidas que consideramos “nossas” a partir do que assimilamos, primeiro, nas vivências de nossos ancestrais, quer mais próximos ou muito distantes do momento quando vivemos.

Penso que, entre atentos leitores dos escritos da Vida, apenas os que se arvoram a imitá-la, como os artistas escritores, um tanto filósofos – já que, no dizer do escritor Milan Kundera, “o escritor é um pesquisador da existência” – entre outros artistas, enfim, penso que o escritor também queira dizer sobre os outros sentidos que se imprimiram à Vida; e mais sobre os que se podem imprimir a partir das vivências que tiveram e têm com ela, assim como fizeram os fundadores da história as determinações da validade do que atribuíram à nossa presença na Terra a sugerir mudanças possíveis para o desenvolvimento de melhores formas de expressão daquela Humanidade a que dizem que tendemos.

Dessa forma, a despeito de preferências de convivências em mundos imaginários – fundamentos do que foi, do que é e, mais, do que deve ser real no futuro – foi graças ao reconhecimento de certa razoabilidade em minha forma de sentir, pensar e expressar o que apreendi da Vida, e de sua compulsão por existir de formas várias que, hoje, passadas cinco décadas de meu nascimento, estamos aqui, também, a convite do escritor Ricardo Bezerra, Presidente da União Brasileira de Escritores em sua sede na Paraíba.

E já não tenho certeza se lhe agradeço ou mande lhe dar uma surra por ter me estimulado a estar em situação tão difícil – se por acaso alguma vez acreditasse na violência como recurso educativo, como certos pais, certas mães e certos policiais acreditam.

Mas lhe agradeço por valorizar e confiar que o que tenho a dizer pode contribuir a melhores qualidades do usufruto da Vida entre nós; mais particularmente lhe agradeço por esta oportunidade de falar um pouco sobre o que compreendo ser importante dizer aqui, entre outras coisas, da presença das mulheres-mães e sua condição de naturais apresentantes de toda essa disposição da Vida, a doar parte de seu ser a outras vidas, e de seus cuidados com a sobrevivência e o bem estar do que põe vivo.

Por suas proximidades viscerais com os processos de geração e administração da Vida, as mulheres não são apenas instintivamente suas mais próximas ajudantes, mas, como ela, pretensas “dominadoras” das vidas daqueles que ajudam a por no mundo. Como reconheceu minha esposa ser dominar o desejo das mulheres em geral ao me sugerir o título desta palestra – embora desde sempre, a despeito da presença de maridos submissos (se um tanto submissos às mulheres não forem todos os “homens”), as grandes dominações tenham sido efetuadas pelos machos de nossa espécie um tanto desconhecida, quer para o bem, quer para o mal.

Mas, a despeito de que as mulheres se sintam ofendidas quando fazemos piadas sobre elas, inspirados no que também têm de ridículo e incompetente enquanto seres humanos, ainda serão os “homens”, por muito tempo, os mais justamente criticados por seus maus feitos do que poderiam ser as mulheres referendadas em todas as piadas do mundo; já que estão em seus primeiros tempos de aprendizes administradoras dos destinos humanos do Céu e da Terra.

Gostaria de esclarecer que, como todo macho pretensamente humano – e mesmo sabendo o machismo filho da ignorância e de submissões a certos impulsos ancestrais – como macho entre machos é natural que, algumas vezes, tenha pensamentos e tome atitudes machistas. E mesmo tendo sofrido as primeiras influências da cultura feminista quando criança, cultura que, aos poucos, se desenvolvia nos lares paraibanos nos idos anos 1970 a estimular desquites e divórcios - símbolos dos primeiros passos femininos à toda libertação desejada – e que me adestrou a condição de homem futuro em convivências com o novo mundo por vir, como penso, completamente administrado pelas mulheres.

Como mais um exercício de imaginação e Literatura, influenciado por tudo o que vivi e estudei até aqui sobre as culturas que desenvolvemos sobre este mundo, andava a escrever uma ficção sobre a vida na Terra num futuro distante, completamente dominada pelas mulheres, cujo título é A última guerra.

Depois de séculos de opressões machistas, em minha história elas conseguem finalmente tomar todos os poderes dos “homens” e, na condição de maioria, exterminam quase todos eles – já que, para se reproduzirem, as mulheres de minha história estocaram em bancos de esperma, geneticamente manipulados a serem somente potenciais fêmeas "humanas" à garantia de que nenhum outro macho possa viver outra vez sobre a Terra.

Entre escravos sexuais e secretários gays – que, também vítimas do preconceito machista, as ajudaram a derrubar o império dos "homens" – apenas um pequeno grupo se sobreviventes machos está fora do Novo Mundo, escondido em algum lugar deserto da Terra, longe de seu conforto e dos rituais de adoração à Deusa que, agora, habita o céu no lugar do velho e ultrapassado autoritário “Pai" celestial.

Liderados pelo mais poderoso sobrevivente do velho mundo, o “Grande Calhorda”, no dizer da “Grande Imperatriz” – sua mortal rival conquistadora – eles lutam por continuar vivos e retomar o poder, intento impossível entre aqueles que, de fato, depois de séculos e séculos de ignorância e violência, combateram finalmente a última guerra.

Sabedor de meu projeto, um amigo me pediu para que não o escrevesse nem publicasse, temeroso de que se torne estímulo a futuros conflitos mais acirrados entre os sexos.

Como escritor e cidadão, eu não pretendo colaborar para a descrença em grandes mudanças possíveis a relacionamentos mais harmoniosos que, entre toda violência remanescente, agora se processam.

Já basta de tantas brigas inúteis onde, já que estamos vivos, deve existir apenas amor à Vida e colaborações mútuas a que nela possamos, afinal, estar completamente bem, dando e recebendo justamente cada um conforme suas necessidades e possibilidades de conquistas – como quiseram e querem todos os homens e mulheres de boas vontades entre tantas mesquinhas.

Apesar disto, quer por vocação ou ainda por imposições dos poderes masculinos, considerável percentual das mulheres (e de "homens") continua coadjuvante nos processos de construção de outras realidades possíveis sobre a Terra, ou mesmo fora dela. Mesmo que tenham conquistando aberturas a participações antes exclusivamente destinadas aos “homens”.

Outro dia, conversando com a escritora paraibana Marília Carneiro Arnaud – que se revelou incomodada com o estilo escatológico da literatura do escritor paulista / paraibano JW Solha – observei a diferença básica entre a sensibilidade masculina e a feminina em nossas relações com a Vida, com as realidades que nos cercam e com as artes.

Salvo algumas exceções, como a escritora britânica Doris Lessing – sendo-me difícil citar outra – a literatura feita por mulheres, sem querer diminuir seu valor artístico, estético, tende a abordagem de particularidades femininas, hoje denominado estilo “chick lite”: uma literatura mais voltada à exploração dos conflitos amorosos, passionais, cuja obra entre as clássicas talvez seja o livro "Alex ou o Tratado do Vão Combate", da escritora belga Marguerite Yourcenar. E mesmo que tenha escrito seu livro sob a perspectiva de um personagem masculino.

Já a literatura inventada e desenvolvida pelos "homens" tende geralmente a investigações científicas, filosóficas, estéticas, artísticas das razões ontológicas da existência e, em meio a ela, à descoberta da identidade essencial nas relações viscerais e virtuais que temos com aquilo que chamamos “humano” e "Deus", palavra-signo da Vida eterna e seus desdobramentos psíquicos, culturais, políticos e sociais.

Mas JW Solha me escreveu dizendo que não concorda com meu ponto de vista sobre as diferenças entre a literatura masculina e feminina – mesmo que uma sua leitora tenha considerado "muito masculino" "Marco do mundo", seu novo livro.

Porque, segundo Solha, muitos “homens” também leram "Marco do mundo" e sentiram o mesmo incômodo que sentiu a escritora Marília Arnaud.

Para ainda justificar minhas impressões sobre diferenças básicas de perspectivas entre as relações dos “homens” e das mulheres com a Vida e, particularmente, com a arte literária, respondi à Solha que, às vezes, escrevemos de forma tão masculina que não agradamos mesmo a certos “homens”.

Uma curiosidade sobre a produção artístico-literária feminina, segundo informações pescadas na Internet: “o Prêmio Nobel de Literatura já foi concedido 101 vezes para 105 laureados entre 1901 e 2008. Em mais de um século, só 11 mulheres tiveram seu trabalho reconhecido pelo prêmio; ou seja, só 10% do total”.

“Entre elas, está poetisa chilena Gabriela Mistral (1889-1957), que ganhou o prêmio em 1945, única mulher de um país da América do Sul a ser lembrada pela Academia Sueca”.

“Das 11 premiadas na história do Nobel, cinco estão vivas: a britânica Doris Lessing (1919, a mais velha, cujo prêmio nega ter ganhado), a austríaca Elfriede Jelinek (1946, a mais nova), a polonesa Wislawa Szymborska (1923), a norte-americana Toni Morrison (1931) e a sul-africana Nadine Gordimer (1923)”.

Continuemos com o tema central desta palestra: as mães e o domínio da Vida, título sugerido por minha esposa, como já disse, embora o título que pensei antes foi "Sobre as filhas de Eva e sua importância na administração da Vida", título que, com razão, minha esposa achou “prolixo”, enfadonho e entediante – como, infelizmente, parece ser a maioria de tudo que escrevo, mesmo que agrade a muita gente.

Mas por que começar a palestra a partir da consideração das mães como “filhas de Eva”? – poderiam perguntar vocês.

Afinal, serei eu um pregador e aqui vim fazer um sermão?

Quis caracterizar as mães como “filhas de Eva” não para reafirmar o preconceito medieval de que as mulheres são “servas do demônio”, ao mesmo tempo “mães e filhas do pecado original” a reforçar o que diz o Malleus Maleficarum, obra máxima produzida pela Inquisição, publicado em 1486 e que reza a mulher “fraca por natureza”, porque “assim aprendemos com a leitura do Gênesis”.

Para os autores do Malleus, sendo Eva criada a partir da costela de Adão, como “um osso curvo, a mulher é contrária à retidão do homem’ e, ‘em virtude dessa falha, a mulher é animal imperfeito, sempre decepciona e mente’. O diálogo com a serpente mostra sua tagarelice e, principalmente, sua pouca fé no Criador, originando-se o termo 'femina' de 'fe & minus', ou 'fé menor' – ‘por ser a mulher sempre mais fraca em manter e em preservar sua fé. E isso decorre de sua própria natureza’”.

Ainda segundo o Malleus, “a exceção encontrada é a personificação da pureza absoluta, a Virgem Maria, ideal inalcançável para o conjunto feminino”.

A despeito de todos esses aspectos negativos que a expressão “filhas de Eva” sugere, quis caracterizar assim aqui as mulheres apenas para referendar a formação cristã que recebemos – de onde compreendo que, a despeito de grandes equívocos interpretativos, derivam todas as fundamentais razões para que nós, pais, pensemos e sejamos como somos e para que as mães pensem e sejam como são. Mesmo que haja temperamentos muito diferentes a determinar pontos de vista e modos específicos de sentir, pensar e agir. E há muitos perversos no mundo, entre eles algumas mães realmente monstruosas, torturadoras e assassinas, justamente consideradas desnaturadas.

E isto porque, assim como não é somente por ter nascido macho que alguém pode ser reconhecido um homem, no dizer da escritora francesa Simone de Beauvoir em seu livro "O Segundo Sexo" “ninguém nasce mulher: torna-se mulher” – assim como nos parece claro que nenhuma mulher nasce mãe: torna-se mãe.

Ou não.

Pois ser homem, ser pai, ser mulher ou ser mãe não é algo determinado somente pela condição biológica. Porque, exclusivamente sob tal perspectiva, deveríamos nos reconhecer então apenas animais.

Mas, ao contrário das bestas, somos conscientes de nossa condição de seres vivos e, ao contrário dos animais irracionais – e ao contrário de como gostaria que vivêssemos Jesus Cristo – andamos ansiosos não apenas pelo que haveremos de comer, beber ou vestir amanhã, depois de amanhã e, provavelmente, durante todo o tempo de vida que dispomos a correr atrás de conquistar tudo o que inventamos à multiplicação um tanto insana de nossas necessidades neste mundo.

Assim, ser “homem”, “pai”, “mulher” ou “mãe”, e qualquer outro ou outra, é também uma determinação de nossas vontades. Porque, enquanto seres racionais, munidos de livre-arbítrio, de imaginação e de desejos, a despeito de para onde possa nos levar compulsoriamente nossa índole, ou escolhemos a humanidade ou, nos entregando à condição de meros animais racionais sedentos à satisfação de instintos, cederemos à desumanidade e logo nos destruiremos uns aos outros – o que, apesar de toda violência remanescente, não parece ser nossa maior vocação.

Porque, em essência, como nos foi ensinado, somos mesmo a imagem de um “Criador” ou, mais justamente considerado, apresentações biológicas pré-humanas da Vida eterna que tudo gera e mantém.

Graças ao convite de Ricardo Bezerra, então, me sinto agora como se estivesse de volta à Igreja – por onde provavelmente todas as pessoas aqui presentes passaram – sendo não apenas a medieval igreja católica, mas hoje, também, a dos neoprotestantes, ao mesmo tempo culpadas pela perpetuação de equívocos e tão necessárias à educação espiritualista que se tem repassado às novas gerações. Mesmo que ainda de forma supersticiosa e idólatra, mais estimulada pelo medo do que pela coragem.

Por ser então tal educação espiritualista mais voltada à credulidade do que a compreensão, que promoveria consciência da irmandade universal dos seres vivos enquanto essenciais filhos da Vida, e de sua vocação humana, por toda infantilidade reinante entre crentes a maioria dos jovens “descolados” anda cada vez menos interessada em conhecer a Verdade que, segundo Jesus Cristo, os libertaria de ilusões das quais, no fundo, ninguém quer se ver livre.

Pois ao libertarem-se delas se lhes impõem responsabilidades que eles e ninguém parece querer ter.

Aqui, agora, portanto, não me sinto mais na condição de jovem ovelha submetida a orientações e cuidados de um pastor, mas como se num púlpito a dar testemunhos sobre o que apreendi serem certas verdades e enganos a respeito da Vida como apresentação do poder de “Deus” e seu projeto paradisíaco de tornar tudo harmonioso “assim na Terra como no céu”, graças àqueles que, atuando na sociedade, procuram seguir os exemplos dos ditos e feitos de Jesus e de seus santos seguidores.

E mais quando tal intento se dirige a nos fazer saber, afinal, quem essencialmente se é ou, mais acertadamente, como poderemos ser melhores desde que Adão pôs nomes aos seres e as coisas que inventou à feitura das histórias que, graças a grandes seculares exemplos de resistências e conquistas de mudanças, andamos a supor poder ajudar a contar outra vez diferente.

Mas, por causa de maus entendidos sobre o que seja ou deva ser o homem e a espécie Humana, às vezes tem-se verdadeiro asco da “humanidade” – o que parece claramente expresso em muitos poemas musicados. Como naquela canção de Roberto e Erasmo Carlos, onde seus autores questionam o conceito de “progresso” e apelam a que sejamos tão “civilizados como os animais” – enquanto outras de suas canções ovacionam a presença das mulheres no mundo e suas funções de mães.

Entre santas, contam que Santa Tereza d’Ávila, com pureza no olhar, dizia que, no claustro, seus sacrifícios e renúncias eram infinitamente menores que os que fazem as mães. Mas ainda graças à perversidade desumana, considerável fatia da população mundial muitas vezes pensa melhor ser reconhecida como animais a ser confundida com “humanos genocidas”; como se tal incongruência fosse possível. Pois, a rigor, só é possível a perversidade naqueles que, graças a seus irracionais constantes inúteis grandes e pequenos atentados contra a Vida, podem ser reconhecidos inequivocamente desumanos – entre os quais qualquer animal está mais bem cotado a conivências.

As associações da palavra “humanidade” com a palavra “homem”, e certo repúdio ao que significam, dizem respeito ao fato de que, durante muitos séculos desde a fundação do mundo, ao longo da História que escreveram, e ainda andam a escrever, os machos da espécie que se pretende “humana” deram, ao mesmo tempo, louváveis exemplos de inteligência e humanidade e execráveis exemplos de desumanidade.

Dessa forma, por causa dos piores entre aqueles a quem apenas nomeio “homens” entre aspas, quer individualmente ou representantes de grupos, andamos nos sentindo cada vez mais envergonhados de nossos maus feitos – o que é um bom sinal. Mas agora, nestes primeiros anos do Século 21, parece que andamos também a depositar esperanças nas mulheres a que se tornem, oficialmente, as apresentantes dessa humanidade que ainda alguns homens pretenderam realizar, imaginando eu se a plena humanidade possa ser algum dia o maior inquilino da Terra.

E mesmo que nenhum de nós aqui presentes possamos mais usufruir de seus benefícios globais futuros – como não puderam as gerações daqueles que nos deram o conforto das luzes elétricas, o rádio, o telefone, a televisão, a moderna medicina ou os foguetes a visitações de outras esferas celestes, entre outros feitos que faz-nos saber onde somos grandes e onde permanecemos pequenos.

Porque, embora o Projeto Humanidade tenha já sido parcialmente realizado por grandes homens – sendo certamente muitos deles apoiados por grandes mulheres – suas antíteses perversas conseguiram manchar o mundo com atos da mais pura desumanidade.

Dessa forma, me parece que à satisfação de um secreto desejo milenar está começando a se realizar agora, neste início de século. Porque penso que, em todo mundo, está sendo paulatinamente repassada às mulheres a tarefa da efetivação da plena humanidade e, consequentemente, da Justiça socialmente distribuída – embora, estando muitas ainda seguindo modelos de poder masculino em suas atuações, não tenhamos a certeza de que obterão sucesso na empreitada tomando exemplo da britãnica Margaret Thatcher, então Primeira Ministra da Inglaterra, responsável pela declaração de guerra à Argentina pela posse das Ilhas Malvinas.

Mas, como as “filhas de Eva” que mencionei antes, mulheres que frequentaram ou frequentam igrejas sabem que, para que se realize o projeto de instauração, pelas mulheres, de uma melhor qualidade de usufruto da Vida - estando muitas fundamentadas em valores espirituais cristãos - foi-lhes dito por Jesus Cristo que, para que atuem com Justiça, necessariamente elas devem “se tornar homens”.

Entretanto, a despeito de que a palavra “homem” seja ainda usada em sentido genérico quando nos referimos à espécie “humana”, me parece agora mais necessário devermos “nos tornar mulheres” a poder mais rápido realizar a humanidade (ou talvez uma “mulheralidade”) – sem que eu queira dizer com isto que o mundo deva ser gay e sem que, contrariando expectativas cristãs tradicionais de “opção” sexual e formação de famílias, tenha eu nada contra quem considera que seus filhos poderão escolher o sexo a que pertencerão quando crescerem, ou qualquer novo modelo familiar alicerçado no afeto, reflexo do amor à Vida e a seu projeto humano a fim de que, como queria Jesus Cristo e todos os santos, possa ser tudo “assim na terra como no céu”.

Considerando ainda valorizações masculinas, sabem grandes homens o que significa ser reconhecido “homem”. Porque apenas merece ser considerado tal aquele que, como fizeram grandes exemplos humanos, está no nível ideal de dominação de seus instintos básicos e exercita o Amor. E talvez mesmo aquele amor um tanto instintivo que boas mães dedicam aos seus filhos e que, como se reconheceu na plena humanidade de Cristo, deve ser reverenciado como “divino”, principalmente quando distribuído a todos.

“Boas mães”, disse eu. Porque há mesmo mães desnaturadas, para dizer o mínimo de seu caráter; mulheres que têm seus filhos porque assim determinou suas fisiologias e a vivência em certas aventuras sexuais que, malgrado o prazer ou o desprazer que possam lhes ter causado, levam muitas mulheres a optar pela extração das sementes das novas formas da Vida que eventualmente passam a crescer em seus ventres.

A despeito de que o bíblico rei Salomão tenha objetado estarem talvez melhores que nós os que não nasceram, entre o que ignoro ainda não sei se pior é aquela mãe que voluntariamente aborta seu filho, sua filha ou se aquela que os rejeita depois que permite que saiam dela para o enfrentamento das dificuldades do mundo – que se tornam consideravelmente piores para aqueles que, como eu tive, não tiveram o prazer de receber o carinho materno.

Mas, para mim, as más consequências de um aborto são sofridas pelas mulheres que optam por praticá-lo – já que fetos ainda não sabem que existem e, portanto, a despeito do que possam pensar espiritualistas de todas as crenças, como eles ainda não sentem que estão vivos, não sentirão suas mortes.

Devo esclarecer que não quero aqui encontrar razões à justificação do aborto. Mesmo que a Vida, criativa por natureza, tenha de fato também poder destrutivo e o utilize sempre, também por determinação de leis humanas deve ser de exclusividade da Vida o direito ao extermínio daquilo que pôs a existir.

Entre ditados populares, um nos alerta a que “é melhor prevenir do que remediar”. Mas também aprendi que, “se conselho fosse bom não se dava: se vendia” – embora muitas coisas boas ainda sejam usufruídas de graça. Dessa forma, em relação à prática de abortos, já que estamos cada vez mais dispostos a prazerosas vivências eróticas, será sempre bom providenciar meios para não trazer à Vida quem está ausente dela do que matar quem esteja vivo.

Mas vamos deixar de lado este capítulo incômodo da vida das mulheres e tratar de elogiá-las. Porque ainda estamos em comemorações à existência das mães no mundo. Portanto, todas as honras àquelas que se doam aos sacrifícios da maternidade ou, ainda antes, ao sacrifício de serem mulheres em terras de ainda “quase-homens”.

Entre considerações de fortalezas e fraquezas, há pessoas fortes: “homens” e mulheres que encaram suas fraquezas e, quando podem, supera-as – sendo os fracos, para mim, aqueles que não são humildes em exercícios de grandezas.

Entre homens e mulheres, todavia, são as mulheres fortes quando nem mesmo muitos homens o são. Nem poderiam ser, já que não há neles o potencial de resistência as dores da maternidade, por exemplo, entre outros incômodos exclusivamente femininos – embora hoje anestesias tenham enfraquecido as novas gerações de mulheres em horas de parto, sendo muitas conscientes do abandono em orfanatos a que estão submetidas milhares de crianças ao redor do planeta. E aí muitas não imaginam a possibilidade de ficarem grávidas a por desnecessariamente mais gente no mundo – a despeito de apelos familiares à maternidade e de que, entre futuros nascidos, possa mesmo nascer outro salvador.

Mas o fato é que a Vida sabe o que fez, o que faz, o que fará e então não há porque não considerar sua vocação à diversidade senão como exercício daquele equilíbrio que também homens e mulheres, como imitadores das intenções da Vida, têm que fazer a harmonizações à realização do propósito máximo da existência: viver bem das mais variadas formas possíveis – embora somente conosco possa se apresentar “maléfica” ou manifestação do amor e da Justiça.

Entre os que lutam pelo justo usufruto do pedaço da Vida naturalmente concedido a nós através de nossas mães – também elas, filhas da Vida – já sabemos que não é mais importante o “homem” ou a mulher. Porque, por mais dominadores que pretendamos ser, ninguém pode ter o domínio sobre o outro quando não tem muitas vezes sequer o domínio de si mesmo e, muito menos, das determinações sobre o que quer a Vida.

Que possam enfim viver as mães o gozo pleno no Paraíso onde tantas vezes padeceram: que as novas mulheres, então – e quem sabe enfim verdadeiros homens – a partir de agora, a partir daqui, que nossas irmãs, amigas, esposas e, principalmente, que nossas filhas, em quaisquer espaços onde possam atuar, comecem realizando o que reivindicaram dever ser bem feito por parte dos homens à presença da humanidade sobre a Terra; boa vontade que, entre pretensos “humanos”, sempre acreditamos existir mais no coração feminino.

Muito obrigado.