A Confissão da Arte

Eu toco as peças dos museus, eu as tocos. As toco quando ninguém está olhando. Gosto de senti-las. Gosto do cheiro que emana delas. Gosto das ideias por trás delas. Gosto do inconsciente do artista traduzido em mármore, tinta, palavras. Gosto de tocar até mesmo o vidro que defende as peças mais raras. No vidro gelado eu sinto o calor da angústia do artista. Eu gosto do velho. Eu gosto de histórias. Eu gosto das histórias por trás das estórias. Quando consigo entendê-las, quando posso alcançá-las.

Eu degusto canções. Sinto o sabor das lágrimas dos traídos. Sinto o sabor do gozo dos apaixonados. Sinto o fel dos infelizes, e o mel dos jubilosos. Sinto o azedume dos revoltados. Vou saboreando uma à uma, letra por letra, nota por nota. As mais gostosas são agridoce, as metáforas. Elas revelam a nudez do músico. Sua vulnerabilidade enquanto ser no mundo. Todo o exagero do amor desesperado das canções. O que leva alguém a escolher um instrumento. Os dedos que tocam. A garganta que treme enquanto as veias saltam. O veludo das ondas que flutuam pelo ar e se dissipam.

Aquilo que não tem nome. Aquilo que transborda do corpo, onde já não há mais espaço. Aquilo que quer se revelar. Eu vejo o desespero de cada obra, seja de dor ou de amor. A fuga na loucura. O explícito do abstrato. O fato, exato, no ato, do retrato. O medo, e o segredo, no enredo, do dedo. Que toca. Que aperta. A boca que sopra. Que cospe. Que grita. Que geme. Os olhos que fecham. O corpo que inclina. Que baila. Que exprime. Tudo exprime. Tudo na arte confessa. Se entrega. Se desprende. Se desliga desse mundo careta. Cria sua própria vida, em outro lugar. Em outra órbita, noutro mundo, quiçá.