Discurso de formatura do orador

Caríssimos pais, familiares, professores e amigos aqui presentes é com muita honra que nos apresentamos diante de vós com o nosso ilustre anel de formatura, para firmarmos uma aliança com a educação do nosso país. Hoje, temos a honra de dizer que somos professores licenciados em letras e que neste curso tivemos a oportunidade de refletir acerca das palavras, as quais apresentam uma “estranha potência”, conforme a ideia de Cecília Meireles.

Nossas palavras, ao longo da graduação, ganharam potência quando estivemos expostos ao gênero aula, quando fomos convidados a refletir sobre os textos teóricos e quando participamos ativamente das apresentações de trabalhos. As palavras também se potencializaram nas discussões dos corredores dos pavilhões do nosso curso, nos debates calorosos das chapas do curso de letras, nas conversas dentro da sala da xérox e nos pedidos formais realizados aos diretores do instituto e da faculdade. É bem verdade que em alguns momentos as palavras foram ocultadas, no entanto não tornamos a nossa comunicação menos potente quando fizemos uso de outras linguagens diferentes da verbal. Quanta potência estranha foi gerada por meio de um olhar atravessado! Ou por meio de um gesto deselegante!

Pais, familiares e amigos, aqui na universidade, nós, professores e alunos, também divergimos em nossas ideias, defendemos nosso posicionamento, expressamos nossas escolhas e às vezes na má empregabilidade de uma palavra, ou na interpretação equivocada desta, brigamos. Movidos pelo orgulho nos distanciamos uns dos outros e, consequentemente, perdemos o hábito de cumprimentar nosso colega de curso. Sabemos todos que nossa missão vai muito além de uma simples divergência. Podemos sim discordar do outro e até mesmo ficar sem falar com ele, mas não podemos jamais omitir o nosso juramento e deixar de produzir ciência. O conhecimento construído neste espaço precisa atender as expectativas de nossa sociedade. E com ou sem palavras devemos retribuí-la com os frutos de nosso conhecimento.

Hoje, ao término do curso é possível realizarmos reflexões dessa natureza em que demonstramos sensatez em nossa postura e compromisso com a prática de ensinar, diferentemente de quando iniciamos a nossa graduação em que a palavra de ordem era a empolgação. Ainda que estivéssemos movidos pelo desejo do sumo bem conhecer, nossas ações davam-se geralmente por meio da emoção. Nosso amadurecimento intelectual começou a surgir quando compreendemos a funcionalidade das disciplinas da academia para a nossa vida.

Explicitemos então os principais diálogos de algumas disciplinas em nossa vida acadêmica. Na literatura universal nos deparamos com a “Divina Comédia” de Dante. As alegorias desta obra velaram boa parte da crítica do autor a respeito da sociedade italiana do século XIV. O poeta Dante simboliza cada discente em seu sacrifício na busca da sabedoria divina. A pensar que o inferno, o purgatório e o céu podem simbolizar respectivamente a preparação para adentrar no ensino superior, a graduação e a eterna busca do conhecimento.

Na medieval, mudou-se apenas o cenário, pois nós, graduandos, novamente estivemos expostos às alegorias. Desta vez, iniciamos uma caminhada por um vasto e desconhecido bosque do Bosco Deleitoso. Durante o percurso fomos convidados a refletir sobre a nossa caminhada. Hoje, em corpo e alma temos a oportunidade de rememorar nossos diálogos traçados naquele bosque chamado graduação.

Em seguida, veio a clássica em tons tenebrosos. Os tormentos do Gigante Adamastor fizeram vários colegas de cursos desistirem da viagem, e os que ficaram nas caravelas da sala de aula, ainda tiveram que eliminar uma grande dúvida: como vou seguir? Na barca do inferno ou na barca da glória?

A verdade é que seguimos para o Brasil e infelizmente mais alguns colegas tropeçaram nas pedras de Carlos Drummond de Andrade. Não sabemos ao certo se além das pedras drummondianas, nossos amigos também se intimidaram com o novo modelo de pensar e construir a literatura nacional. Ser ou não ser, lutar e vencer. Eis aqui os descendentes de tupi, o alaúde... simplesmente é representado pelo nosso estado de emoção diante desta vitória. Somos os heróis de nosso curso, de nossa família e de nós mesmos. Carregaremos para sempre o muiraquitã lilás que representa as diversas metamorfoses que nossas vidas passaram ao longo do curso.

Já está quase na hora deixarmos este auditório. Deixaremos aqui também os registros de nossa participação nas aulas, de nossas caminhadas na orla da universidade, de nossas refeições no RU e de nossos passeios no circular. Já começa a bater a saudade das nossas festas de confraternização de final de ano. O bolo, os salgados, os presentes do amigo oculto todos feitos ou comprados na última hora. Era uma correria para a realização de nossa confraternização, assim como foi uma correia a nossa vida ao longo do curso.

E para concluir este discurso, gostaria de mencionar o trecho de um texto bastante curioso, intitulado “Ler devia ser proibido”, de Guiomar de Gramont, professora de Filosofia da Universidade Federal de Ouro Preto.

“A pensar fundo na questão, eu diria que ler devia ser proibido. Afinal de contas, ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens para realidades impossíveis, tornando-os incapazes de suportar o mundo insosso e ordinário em que vivem. A leitura induz à loucura, desloca o homem do humilde lugar que lhe fora destinado no corpo social. Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto perigoso, inconformado com os problemas do mundo, induzido a crer que tudo pode ser de outra forma. Afinal de contas, a leitura desenvolve um poder incontrolável. Liberta o homem excessivamente. Sem leitura, ele morreria feliz, ignorante dos grilhões que o encerram. Ler pode ser um problema, pode gerar seres humanos conscientes demais dos seus direitos políticos, em um mundo administrado, onde ser livre não passa de uma ficção sem nenhuma verossimilhança. É preciso compreender que ler para se enriquecer culturalmente ou para se divertir deve ser um privilégio concedido apenas a alguns. A leitura ameaça os indivíduos porque os faz identificar sua história a outras histórias. Sim, a leitura devia ser proibida. Ler pode tornar o homem perigosamente humano.”

Portanto, caros colegas, sejamos responsáveis por tornar este mundo cada vez mais perigosamente humano com o nosso conhecimento.