Responsabilidade e Educação

Na minha infãncia, as latas de óleo viravam cabines de carrinhos com rodas de chinelos. A carroceria era de madeira reciclada de caixas de banana, os eixos, de raios de bicicleta, os faróis de tampinhas...

Os chinelos poderiam tornar-se também tampinhas de tanques de lavar roupas ou simplesmente bóias para anzol.

Embalagens de cigarro eram o dinheiro, dobradinho igual, que movimentavam os nossos parquinhos.

Jornais velhos tornavam-se pipas vodadoras levando suas notícias obsoletas às nuvens.

Naquela época a gente conhecia – e praticava – o verdadeiro sentido da reciclagem.

As bitucas de cigarro de meu pai eram perfiladas como alvos para os nossos revolverezinhos feitos por nós mesmos com um simples grampo de cabelo como gatilho e um casco de caneta esferográfica e até o palito de fósforos transformava-se no projétil que atingia, com efeito, as bitucas.

Os nossos chicletes mascados eram guardados, até virarem um bolo enorme, amaciados com um pouco de óleo de cozinha, depois misturado à cinza do fogão à lenha e, por fim, enrolado em um raio de bicicleta que era posto – como e com a aparência de um galho – sobre um poste de cerca e a gente ficava de butuca espiando os pássaros pousarem nele e imediatamente ficarem de cabeça para baixo pendurados até que os capturássemos. A gente chamava a armadilha de “visgo”, e nela o pássaro ficava grudado e o grude só saía com óleo de cozinha... Maldade! Conseguimos construir um viveiro em nosso quintal. Pontos positivos pela reciclagem. Pontos negativos pelos danos ambientais. Éramos crianças no sentido pleno da palavra!

Os pais nos compravam laranjas e com a sua sacaria – aquela colorida em forma de malha fina – nós colocávamos tampinhas de refrigerantes dobrados fazendo a parte de chumbada prendendo a parte de baixo da “rede de pesca” e pedaços dos chinelos amarrados na parte de cima – bóias – e com essa pequena rede artesanal a gente pegava lambaris e vendia nos botecos para virarem petiscos.

Naquela época os crimes infantis eram os de “roubar bandeira” do grupo adversário; a punição mais exemplar era o “pelotão de fuzilamento” com bolas de meia, onde o perdedor na brincadeira de bilóia – iria ficar em pé em um paredão e os demais tentariam acertá-lo com a meia cheia de trapos. A única quadrilha infantil que existia era a de festa junina.

Hoje vemos diariamente crianças – na aparência, mas não na alma – roubarem carros, casas e enfrentando policiais com igual ou superior capacidade armamentista. Os pelotões de fuzilamento fazem jus ao nome, pois o que usam são realmente fuzis de todas as marcas e modelos. Nas vidas dessas crianças, geralmente, o perdedor morre!

Na época da minha infância, os pais tinham autoridade sobre os filhos. Os mais velhos sobre os mais novos. Fui ensinado de que avô e avó eram respecivamente segundo pai e segunda mãe e na falta do primeiro pai e da primeira mãe, entravam os segundos, e, se houvesse, ainda, os terceiros pais e terceiras mães (bisavôs e bisavós). Professores e padres eram extensões familiares e a eles devíamos iguais respeito e consideração!

Aluno hoje não pode ser repreendido – bullyng. Não pode ter nota baixa – perseguição. Filhos não fazem questão de serem abençoados pelos pais ou tios – mico. Fumam cada vez mais cedo. Drogam-se cada vez mais cedo e ingerem bebidas alcóolicas como se não houvesse amanhã! Para alguns não há!

Crianças hoje não pisam descalços na terra – muitas vezes nem na sala para almoçarem ou jantarem com a família. Os vídeo-games dominam as novas gerações com entretenimentos cada vez mais violentos. Possuem amizades de facebook, onde um texto de dois parágrafos é uma enciclopédia – grande demais para se perder tempo lendo. Conversas dominadas pelos “kkk”, “rs”, “kd”, “vc”, “low” e uma infinidade de siglas às quais alguns estudiosos aprovam – como uma nova língua – e outros reprovam. Entendo que desenvolver uma nova língua pode até ser louvável, mas não ao preço de assassinar a língua pátria.

No olhar de muitos, a minha infância pode ser vista como pobre, como insignificante, como inocente ou como ignorante. Mas quais pais não gostariam de voltar no tempo e ver que o seu filho não está trancado no quarto com um vídeo-game violento ou se comunicando com um pedófilo online e sim, brincando na rua com bolinhas de gude, ou pipas, ou bolas de meia, ou simplesmente correndo livre e sorridente? Talvez até brigando, mas aprendendo a se socializar? Olho-no-olho com os amigos e não, olho-na-tela. Quais pais não gostariam de saber que o seu filho está sendo protegido por todos, vizinhos, amigos, policiais, padres, parentes, e professores?

Mas também não posso deixar de me perguntar: Será que as nossas brincadeiras infantis tiveram alguma participação na sua evolução para a violência infantil atual? As nossas inocentes brincadeiras de polícia e ladrão, poderiam, de alguma forma, ter influenciado o ladrão e a polícia de hoje? Não sei! O que sei é que em minhas brincadeiras, enquanto “polícia”, sentia prazer em capturar e prender, enquanto “ladrão”, em não ser capturado e preso. O que sei é que enquanto armado com meus revolverezinhos de cascos de caneta ou de madeira recortada, com caninhos de tubos de antena de televisão onde a gente punha traques de festa junina para estourar, simulando o tiro, a vontade que eu tinha era a de ter um dia uma arma de verdade. Mas é verdade também que hoje, não tenho a menor atração por armas de fogo, nem por violência, nem muito menos por ser bandido, o que faz com que a pergunta ainda permaneça no ar...

Sei também que quando eu brincava com os carrinhos que eu mesmo produzia no fundo do nosso quintal, eu sonhava mesmo era em um dia ter um carro de verdade. Mas nunca em nenhum momento me imaginei em um carro cometendo todo tipo de imprudências e barbaridades no trânsito, como muitos jovens cometem naturalmente hoje em dia, ceifando muitas vidas, de vez em quando as suas próprias. Uma vez eu enrolei um papel retirado do caderno da minha escola, acendi no fogão e “fumei” – apenas o papel queimando – pois queria imitar o meu pai que fumava à minha frente. Queria honrá-lo, imitando-o em seu comportamento. Levei um tapa na boca e uma reprimenda onde ele me explicara que “aquilo não prestava e que ele só fumava por vício e porque não conseguia parar”. Hoje eu sou grato a ele por aquele bendito ensinamento! Mas me pergunto: Não fosse essa sua atitude, seria eu hoje um fumante? Um alcóolatra? Um viciado? Um irresponsável? Talvez sim, talvez não! Mas um pai que ousar ensinar um filho hoje da maneira que fui ensinado pelo meu pai, naquele dia, vai pra cadeia! Tenho certeza de que aquele bendito tapa doeu mais nele do que em mim. Meu pai não era violento, minha mãe também não. Mas aquele susto era extremamente necessário. Aos meus olhos, sim... Aos seus, talvez não! Violência para mim é os pais verem seus filhos se destruíndo nas drogas e, em virtude das drogas, destruíndo a família e não fazer nada, porque o momento de fazer já passou porque a sociedade te privou de fazer o certo no momento certo que é o da infância e juventude, onde se dá a formação do caráter do ser humano. Depois de formado, da maneira certa ou errada, formado está! Não estou defendendo de forma alguma a violência, estou defendendo a autoridade a que os pais têm direito na educação de seus filhos. Um olhar do meu pai ou da minha mãe eram mais que suficientes para eu saber e corrigir a bobagem que por acaso eu tivesse feito.

Costumam dizer que tudo na vida vem em ondas. As ondas sempre têm o seu auge. Tivemos e passamos por muitos modismos, mas está duro de aguentar essa onda de violência. É uma onda cuja crista ainda não podemos vislumbrar. Não sei quando atingiremos o seu auge pra iniciarmos o seu declínio. É uma onda gigantesca, mas tenho certeza de que não é um tsunami, pois a destruição causada por um tsunami é monstruosa, mas é uma destruição ligeira, vem, destrói e a vida recomeça em pouco tempo. Tenho receio mesmo é de estarmos passando por um maremoto em meio a uma tempestade de raios e trovões. Quero mesmo é ver essa nova geração navegando em águas calmas novamente, com um céu azul destituído de poluição, revivendo a inocência de uma era onde o dia não começava e nem terminava sem um “A sua bênção pai!”, “A sua bênção mãe!”. “Deus te abençoe meu filho!” E a paz estaria selada com um afetuoso beijo no rosto!

Charles Lucevan Rodrigues
Enviado por Charles Lucevan Rodrigues em 22/08/2014
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