Discurso: Posse na Academia Divinopolitana de Letras de Divinópolis

Discurso de posse na Academia Divinopolitana de Letras de Divinópolis

Marco Antônio Pinto

Ilustríssimo Senhor

Augusto Ambrósio Fidélis

Presidente da Academia Divinopolitana de Letras.

Ilustríssimo Senhor

João Carlos Ramos

Vice-Presidente

Ilustríssimos Senhores Fernando de Oliveira Teixeira - Secretário Geral e demais componentes da mesa.

Ilustríssimo Senhor, Professor, Mestre Admirável Mercemiro Oliveira Silva - Acadêmico que realizou minha apresentação.

Ilustres Acadêmicos!

Minha esposa Helena Paulinelli e meus filhos, Breno e Carlo Paulinelli Pinto.

Convidados... Senhoras e Senhores!

Da Minha Antecessora

Gostaria de iniciar minhas palavras ressaltando a minha sublime antecessora Rosa de Freitas Souza!

Rosa de Freitas Souza nasceu em Nova Serrana, dia 28 de abril de 1936. Era filha de Elias Ferreira de Abreu e Rita Maria de Freitas. Ocupou a cadeira de nº 12 da Academia Divinopolitana de Letras, que tem como patrono o poeta Castro Alves.

Rosa de Freitas veio ainda criança com a família para Divinópolis, onde se fez musicista e atriz, lecionou música e canto orfeônico. Realizou inúmeros cursos de formação, especialização e reciclagem de docentes em Educação Artística.

Como violinista, fez parte da Orquestra Tabará e, como contralto, participou do Coral Marupiara. A atriz gravou seu nome em ouro na história do teatro; atuou em inúmeras peças, recebeu em 1971, o título de Melhor Atriz de Divinópolis.

Publicou o documentário “Caminhando no Passado” Prefaciado por Frei Bernardino Leers e participou de todas as antologias e anuários editados pela Academia Divinopolitana de Letras.

Era casada com Nestor Nantes de Souza. Foi sindicalista do Sindicato dos Professores de Minas Gerais. Classificou em vários concursos de prosa e verso.

Rosa de Freitas Souza era Membro do Centro da Comunidade Luso-Brasileira, de Belo Horizonte, participou da Tocata do Grupo Folclórico “Gil Vicente”, como bandolinista. Foi regente do Coral “Luís de Camões”, do mesmo Centro, o qual abriu as comemorações dos 500 anos do Brasil, em Belo Horizonte, apresentando os hinos do Descobrimento e os hinos nacionais de Portugal e do Brasil, este com introdução cantada, inédito e que teve grande repercussão no mundo artístico musical.

A poetisa deixou um legado brilhante na produção literária de Divinópolis, seus poemas trazem temas variados desde um breve lirismo a uma temática existencial e psicológica, marcando também sua simplicidade e seu preciosismo.

Rosa de Freitas Sousa faleceu aos 77 anos em Belo Horizonte, no dia 23 de setembro de 2013.

Senhor Presidente e ilustres acadêmicos!

A cadeira nº 12 desta excelsa academia que fora ocupada por Rosa de Freitas trará grande responsabilidade a este novo acadêmico. Conservarei a memória desta mulher admirável e manterei a chama viva desta instituição, que tanto enobrece nossa Divinópolis.

Confesso que quando li o poema de Rosa de Freitas, intitulado "Acredite" fiquei tocado da mais pura emoção, porque não dizer isento da razão, dessa razão que às vezes obscurece a beleza e a simplicidade da vida.

Eis o poema!

Acredite

Depois do vento

Deu-se a luz do sol

E minha vida inteira encheu-se de encanto,

Coisas minhas e das estrelas.

Por isso, acho,

Deus não me fala nada, coitado,

Porque não dá pra me distinguir

No meio dos felizes.

Do Patrono da minha Cadeira - Castro Alves

Senhor Presidente e ilustres acadêmicos!

A biografia de Castro Alves já conhecida de todos, dispensa maiores comentários. Baiano, nascido aos 14 de março de 1847, na Fazenda Cabaceiras município de Muritiba, faleceu em Salvador, no dia 6 de julho de 1871, aos 24 anos de idade.

Gostaria de ressaltar aqui a mente revolucionária, madura, sábia e lírica que, no vulcão da mocidade abrandou tão cedo suas lavas, mas que manteve com suas obras o calor que aquece sem carbonizar o coração de todos que o leram.

Há duas faces na poesia de Castro Alves, uma de conteúdo lírico- amoroso e erótico, onde o poeta busca a sensualidade típica de nosso povo e, outra, social e humanitária.

Na sua lírica, o poeta caracteriza-se pela paixão, a intensidade com que exprime o amor, como desejo, encantamento da alma e do corpo. Sua paixão pela atriz portuguesa Eugênia Câmara o inebriou como o mais forte dos absintos marcando sua personalidade, o que o fez construir os mais belos poemas de esperança, euforia, desespero e saudade.

Na face social, sua poesia, sensível às inspirações revolucionárias e liberais do século XIX, Castro Alves viveu com intensidade os fatos do seu tempo e foi, no Brasil, o anunciador da Abolição e da República, dedicando-se à causa abolicionista de maneira exacerbada, o que lhe valeu o apelido de “Poeta dos escravos”. Utilizando-se de uma linguagem excepcional de comunicabilidade, a poesia de Castro Alves elevou o "negro-coisa", o "negro-propriedade" ao negro herói e totalmente humano.

Quando li e ouvi a declamação do poema Navio Negreiro feita pelo ator Paulo Autran percebi que uma obra-prima, e aprendemos isso com Michelangelo, é aquela que a mente humana sequer poderia imaginar mais perfeita. Se a pietá do escultor italiano é uma dessas obras da escultura, o poema Navio Negreiro do meu Patrono, merece o mesmo tratamento na literatura. Este poema fez-me compreender como o ser humano é o mais belo e trágico dos seres vivos que habitam este planeta. Belo por construir grandes coisas e amar, trágico por utilizar sua inteligência para expulsar, escravizar e matar.

Eis duas estrofes de dois poemas que retratam a lírica e o social em Castro Alves respectivamente:

(Poema para Eugênia Câmara):

"Vamos, meu anjo, fugindo

A todos sempre sorrindo

Como boêmios errantes

Bem longe a nos ocultar,

Alegres e delirantes"

(7ª estrofe da parte V do poema Navio Negreiro):

Ontem a Serra Leoa,

A guerra, a caça ao leão,

O sono dormido à toa

Sob as tendas d'amplidão!

Hoje... o porão negro, fundo,

Por toda parte vagar.

Infecto, apertado, imundo,

Tendo a peste por jaguar...

E o sono sempre cortado

Pelo arranco de um finado,

E o baque de um corpo ao mar...

Um panorama histórico do Centro-Oeste de Minas.

Senhor Presidente e ilustres acadêmicos!

Frei Vicente do Salvador nascido em Matuim Ba em 1564 e falecido em Salvador 1637, foi um religioso franciscano, conhecido como pai da historiografia brasileira, digamos assim, o Heródoto brasileiro. Em toda a sua obra, História do Brasil de 1500 a 1627, Frei Vicente do Salvador mistura realidade com fantasia e afirma o que ele esperava da terra, uma vez que esta já fazia parte de seu imaginário. O que descrevia não era a realidade, mas sim o que se acreditava. Um exemplo disto é a sua descrição dos animais encontrados no Novo Mundo. Após relatar todos os que já eram conhecidos na Europa, passou a demonstrar a existência de seres fantásticos, povoadores do imaginário popular. Eis um trecho de sua obra:

“... Há raposas e bugios... chamados guaribas, que tem barbas como homens, e se barbeiam uns aos outros, cortando com os dentes. Andam sempre em bandos pelas árvores e, se o caçador atira a algum e não o acerta, matam-se todos de riso; mas se o acerta e não cai, arranca a flecha do corpo e torna a fazer tiro com ela a quem o feriu, e logo foge pelas árvores acima e, mastigando folhas, metendo-as nas feridas, se cura e estanca o sangue com elas...” (História do Brasil de 1500 a 1627. São Paulo: Editora da USP. 1982 p. 63)

Já no final do século XVII e início do século XVIII, o mestre de campo José Rebelo Perdigão que, na qualidade de secretário do governador e capitão-geral do Rio de Janeiro, Artur de Sá e Meneses, acompanhou este em suas viagens a São Paulo e em Minas Gerais, onde seria possível obter notícias recentes sobre os primeiros achados de ouro naqueles sertões.

A concentração populacional em torno das Minas foi tão intensa no auge da produção aurífera que o sertão ficou esquecido, tornando habitat de aldeamentos indígenas, quilombos e aventureiros em busca do vil metal.

Etimologicamente, a palavra "sertão" é oriunda do radical latino “desertanu” que se traduz como uma idéia geográfica e espacial de deserto, de interior e de vazio. É um local inculto, distante de povoações ou de terras cultivadas e longe da costa. Em fontes de procedências variadas, o fato de o sertão ser identificado enquanto um deserto nos remete sempre à noção de que era vazio de elementos civilizados.

Os Sertões foram definidos pelos primeiros cronistas da época colonial em relação ao seu afastamento dos núcleos populacionais, sua escassa população, pela dificuldade em transitar pelos seus caminhos, quase sempre trilhas dentro de matas, e pelo perigo constante de ataques de feras, índios ou quilombolas.

A porta de entrada para esta imensa região é hoje chamada de Centro Oeste Mineiro, ou Região do Campo Grande tão bem descrita pelo notável historiador dorense Waldemar de Almeida Barbosa.

No início do século XVIII saiam os primeiros aventureiros em direção a Goiás, que naquela época fazia fronteira no alto da Serra de Bambuí e compreendia todo o Triângulo Mineiro, que nós mineiros num passo perdido, na voz silenciosa e discordante, na lentidão rápida do bom senso, tomamos dos goianos. A febre do ouro aportou-se até Mato Grosso e Cuiabá. A vida não era fácil para aqueles que seguiam para nossa região. Eis aqui um relato de Barbosa de Sá, testemunha e cronista desse período, que narra o horror da situação:

Só em 1721 chegou a primeira ferramenta para a mineração. Não havia pescadores e um dourado colhido acaso vendia-se por sete e oito oitavas. Muitos andavam opilados e hidrópicos, todos em geral com pernas e barrigas inchadas, com cores de defuntos; apetecia-se comer terra e muitos o faziam. Em 1723 apareceram os primeiros porcos e galinhas. Em 1725 chegou-se a dar por um frasco de sal meia libra de ouro. (...). Milho, antes de brotado, era comido pelos ratos; depois de nascido caíam-lhe em cima os gafanhotos; se espigava, o sabugo saía sem grãos; o que granava tinha de ser colhido verde para os pássaros o não comerem. As ratazanas eram tantas que um casal de gatos foi vendido por uma libra de ouro, e os filhotes a vinte oitavas. Em 1729, por falta de fazendas, venderam-se camisas de alguns lençóis que se desfaziam a doze oitavas de ouro; a vara de algodão da terra a três e a quatro oitavas; o sal não havia nem para batizado.

(José Barbosa de Sá, Anais da Biblioteca Nacional, Vol. 23, 1904 pág 5-58).

Senhor Presidente e ilustres acadêmicos!

Foi neste mundo insólito, neste mundo de exclusão e expulsão. Foi neste mundo de feras, do índio, dos quilombolas e do grande Regente e Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona com suas sesmarias, após a decadência e a fuga da mineração, no segundo quartel do século XVIII que nasceram os primeiros aldeamentos e termos da Comarca Rio das Mortes, formando o Centro Oeste de Minas.

Aqui, já no século XIX e XX brotaram os quarenta e quatro municípios tendo Divinópolis por capital.

Hoje posso chamá-la de minha terra, onde desde 1995 as batidas de meu coração misturam-se ao barulho das indústrias, do comércio, dos automóveis apressados, das escolas que buscam o futuro. Hoje posso chamá-la de minha infinita e bela cidade que vive a cada dente sorrindo, a cada suor derramado e a cada olhar que brilha nestas águas turvas e curvas do velho rio Itapecerica.

Divinópolis! Terra de homens persistentes! Divinópolis! Espaço de Jadir Vilela de Souza, Sebastião Bemfica Milagre, José Maria Álvares da Silva Campos e de Carlos Altivo, os quatro pioneiros, que num encontro feliz em 08 de junho de 1961 criaram a Academia Divinopolitana de Letras.

Divinópolis! Terra de Rosa de Freitas Souza.

Senhor Presidente e ilustres acadêmicos!

A memória jamais se apagará, mesmo que surjam gerações ávidas por substituí-la pelo fantástico e necessário mundo virtual. Pelo mundo midiático e efêmero, já não será possível, porque a literatura se incumbiu de guardá-la até mesmo neste espaço.

O que são os poetas, os escritores, atores, cantores e artistas? Sempre tive comigo como seres despojados e cheios de ternura.

Certa vez, quando seminarista em 1980 em Uberaba, recebi a tarefa de, por vários dias, acompanhar pela manhã, antes do nascer do sol, o saudoso Arcebispo Dom Alexandre Gonçalves do Amaral nas habituais caminhadas em torno da Praça das Mercês. Ele Morava numa rua adjacente à referida praça. Já não exercia mais o episcopado. Homem de uma fecunda intelectualidade, Dom Alexandre foi um dos fundadores da Academia de Letras do Triângulo Mineiro. E sempre no final de nossas andanças sentávamos num banco à sombra de um de uma paineira, para conversarmos. Era otimista e despido da formalidade que o cargo lhe impôs durante sua vida pastoral, mas trazia na cabeça o solidéu e a elegância das vestes talares que nunca abandonara. E na minha ansiedade juvenil, conversando a respeito da sua Academia, perguntei ao sábio: E os poetas, escritores, atores, cantores, artistas em geral, que são eles para o mundo religioso Dom Alexandre? O arcebispo tomou minhas mãos e me disse: Vou revelar-te um segredo meu jovem! Esses seres são anjos abandonados por Deus aqui na Terra para nos ajudar a amansar o coração dos homens! E perplexo retruquei com uma pergunta: Abandonados? Sim! Disse ele taxativo: O abandono de Deus é o calor mais consolador que um ser humano poderia ganhar. Sempre que deixava Dom Alexandre em sua casa corria até meu quarto para anotar o que havíamos conversado, pois eu deveria estar às 8:00h em ponto nas aulas de filosofia na sala da biblioteca do seminário.

Senhor Presidente e meus caros acadêmicos!

O fardo daqueles que se aventuram em criar, guardar a arte, a memória, a linguagem e o imaginário através das letras, é sempre conviver com um mundo de feras e com um mundo em desenvolvimento. É sempre desenhar um mundo de esperanças, contribuindo para que a sociedade, a cidade e o país jamais possam perder a identidade.

Todo ser humano tem dentro de si um verso de Castro Alves e um universo de um Leon Tostoi ou de um Machado de Assis. Basta fazer a mais longa das viagens, talvez aquela sem fim, que é a busca de si mesmo.

Que dia feliz para mim! Deixei de ser um barranqueiro do Rio São Francisco, para o ser do Rio Itapecerica e agora membro de tão honrosa Instituição, a Academia Divinopolitana de Letras.

Que dia feliz para mim! Ter como colegas e amigos, acadêmicos, aqueles que, com sabedoria, simplicidade e amor, guardam e semeiam a arte e a memória no coração das pessoas através da literatura.

Muito Obrigado!

Divinópolis, 17 de maio de 2014.

Marco Antônio Pinto
Enviado por Marco Antônio Pinto em 07/04/2015
Reeditado em 09/06/2015
Código do texto: T5198570
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