Salão Estocolmo

Eu sou um fogo-fátuo. Eu sou nada. Agora você me vê; agora não.

Você. Você é minha monomania.

É meu ansiolítico e é a provocação das mariposas que convulsionam no meu estômago.

Você é o vício que os médicos me proibiram de injetar nas veias, a má companhia de que meus pais falavam na minha inocência, o acidente que deixa sequelas repugnantes.

Você é as migalhas de alimento atiradas ao animal faminto enjaulado no meu peito.

Você é a extorsão, meu ataque suicida.

O rato morto que um caipira junta do chão pra ficar alisando escondido no bolso, cansado de esperar por coelhos peludos e adoráveis de um futuro que nunca chega, escondido além da nuvem de pó seco da Depressão de 29.

Eu sou seu boneco, você é o ventríloquo.

Eu sou seu circo, a casa dos espelhos, você olha pros meus olhos e vê a si mesmo refletido mais bonito, mais nobre, menos perverso; eu sou a sua imagem ideal, o lago para um Narciso, o meu amor te faz dormir à noite.

O seu me faz querer queimar no inferno.

Eu sou sua bailarina tísica quando caminho na corda bamba coberta de cerol sobre o público de homens eretos que não pagaram para me ver chegar sã ao lado de lá.

Eu sou o escorpião em sua valsa na roda de fogo, que termina cravando um punhal no próprio lombo.

Você me olha desgostoso, como um bife de segunda que você gostaria que fosse filé. "Serve", diz com os lábios franzidos; dirigindo rumo ao fim do mundo, o nariz empoado e uma garra na minha coxa loura, encosta o carro em qualquer canto para fazer sua refeição com a delicadeza de um pedreiro devorando a marmita.

Eu amo seu belo rosto orgulhoso de leão, eu amo sua alma podre de hiena.

Eu nunca te amei tanto quanto naquele dia em que você me bateu. Para me educar, disse; eu me comportava mal, eu era uma menina má, uma víbora; e eu estava prestes a te trair? Eu não sabia, mas se você diz, deve ser verdade. Desculpe.

Eles me dizem que eu estou mal, que emagreci e pareço doente, mas não os ouça, meu amor, meu tudo, não deixe que nosso mundo seja contaminado pela inveja de quem não sabe amar...

Você ri de mim quando estamos com seus amigos. Se são seus amigos, são meus também. Tudo bem, acho que minhas roupas são mesmo feias; meus peitos são pequenos, sinto muito, e me desculpe se o jeito que eu gemo quando nós transamos não te agrada, você podia ter dito quando estávamos sozinhos mas não tem problema, eu ainda te amo; e eu sou infantil demais, e burra, e estou sempre tão triste, eu deprimo você?, mas eu vou mudar, eu prometo, vocês estão de prova. Eu o amo.

E no eterno banquete com os corvos no Salão Estocolmo, ao som da décima terceira hora, eu mudaria tudo por você.

Eu mentiria por você.

Eu negaria por você.

Eu morreria por você.

Eu sou um fogo-fátuo. Agora você me vê.

Agora não.

Valentina Caligari
Enviado por Valentina Caligari em 08/10/2015
Reeditado em 25/01/2016
Código do texto: T5408562
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.