Meu querido, meu velho, meu amigo. (dia dos pais)

Como de praxe, todos anos, às vésperas do dia dos pais, a mídia e o comercio se preparam para melhor aproveitar a comemoração que é feita. Lamentavelmente grande parte de toda divulgação e festividade têm mero objetivo comercial e financeiro.

Não pretendemos com isso, fazer apologia à não comemoração das festividades, mas acreditamos que é possível homenagear os pais com coisas simples também, tal qual esta despretensiosa e sincera mensagem.

Debalde, gostaria de manifestar o meu profundo e insuficiente agradecimento a todos os pais, pobres e ricos, empregados e desempregados, cultos e iletrados, amáveis e rudes, sóbrios e ébrios, dóceis ou agressivos, biológicos e adotivos - também conhecidos como pais de amor e caridade -, humildes e orgulhosos, brancos, pretos, índios, mulatos, mestiços e caboclos, próximos ou distantes, presentes e até mesmos aos ausentes, vivos e falecidos, por contribuir (ou não) para a formação dos seus filhos, que são a base das sociedades futuras. Não nos esqueçamos no entanto, de agradecer primeiramente ao Pai celestial, pois sem Ele, nada disso seria possível.

Gostaria de agradecer a esses homens virtuosos por nos ensinarem que o Brasil tem jeito sim, e que devemos crescer e viver felizes por sermos brasileiros. Homens honrados que demonstram através do seu exemplo que nesse país ainda é possível haver juízes justos e honestos, ainda que esta verdade soe como cacófato. Personalidades notáveis que dão testemunho de que a classe jurídica do Brasil não é composta apenas por uma elite brega e sem cultura moral, que não chegam a viver como homens, roubam mas vivem uma vida digna de Odorico Paraguassu. Há juízes sim que, como Antonio Carlos Vieira Christo - pai de Frei Betto -, nunca empregaram familiares, embora tivessem filhos advogados, e que jamais fizeram da função um meio de angariar mordomias e, isentos, deram ganho de causa também a pobres, contrariando patrões gananciosos ou empresas que se viram obrigadas a aprender que, para certos homens, a honra é inegociável e que uma noite de sono com a consciência tranqüila não tem preço.

Acreditemos meus amigos, que neste país ainda há políticos íntegros como Antônio Pinheiro, pai do jornalista Chico Pinheiro, que revelou na mídia seu contracheque de parlamentar e devolveu aos cofres públicos jetons de procedência duvidosa.

Saibamos que no monólito preto do Banco Central, em Brasília, onde trabalham cerca de 3 mil pessoas, a maioria é honrada e, porque não é cega, fica indignada ante maracutaias de autoridades que deveriam primar pela ética no cargo que lhes foi confiado.

Agradeço também a esses ilustres homens de bem, como Lars Grael - campeão olímpico -, que nos ensinam através do exemplo mudo que, não ter talento esportivo ou rosto e corpo de modelo, e sentir-se feio diante dos padrões vigentes de beleza, não é motivo para se perder a auto-estima. A felicidade não se compra e nem é apenas um troféu que se ganha vencendo a concorrência ou uma competição. Homens esses que nos incutem valores e virtudes e desenham, em nossa existência, um sentido pelo qual vale a pena viver e morrer.

Bendigo aos professores que, nos instruem e nos levam a conhecer que o Brasil possui dimensões continentais e as mais férteis terras do planeta e que, não se justifica, pois, tanta terra sem gente e tanta gente sem terra. Assim como a libertação dos escravos tardou, mas chegou, a reforma agrária haverá de se implantar, dando a muitos pais de família, a oportunidade de uma vida digna e honrada. Esperamos apenas que regada com muito pouco sangue.

Agradeço também aos "pais sem-terra" que, por ocuparem áreas ociosas e prédios públicos são, hoje, chamados de "bandidos", como outrora a pecha caiu sobre Gandhi sentado nos trilhos das ferrovias inglesas e Luther King ocupando escolas vetadas aos negros nos Estados Unidos da América.

Agradeço aos pioneiros e profetas, sendo ou não pais, de Jesus a Tiradentes, de Francisco de Assis a Nelson Mandela, que foram invariavelmente tratados, pela elite de seu tempo, como subversivos, malfeitores, visionários. Rendo graças aos mestres que nos mostram todos os dias que, o Brasil é uma nação trabalhadora e criativa.

Milhões de brasileiros, na sua maioria pais de família, levantam cedo todos os dias, antes das 06:00, comem aquém de suas necessidades e consomem a maior parcela de sua vida no trabalho, em troca de um salário que não lhes assegura sequer o acesso à casa própria. No entanto, essa gente é incapaz de furtar um lápis do escritório, um tijolo da obra, uma ferramenta da fábrica. Sentem-se honradas por não descer ao ralo que nivela bandidos de colarinho branco (alguns empresários, deputados e senadores) com os pés-de-chinelo. É gente feita daquela matéria-prima dos lixeiros de Vitória que entregaram à polícia sacolas recheadas de dinheiro que assaltantes de banco haviam escondido numa caçamba e dos faxineiros dos aeroportos que devolvem maletas cheias de dólares esquecidas nos banheiros pelos gringos.

Homens que nos ensinam a evitar a via preferencial dessa sociedade capitalista que nos tenta incutir que ser consumidor é mais importante que ser cidadão, incensa quem esbanja fortuna e realça mais a estética que a ética. Benfeitores que nos demonstram que o Brasil é a terra de índios que não se curvaram ao jugo português e de Zumbi dos Palmares, que comandou os negros rebeldes em seu caminho para a libertação; agradeço por nos ensinarem que este país é terra de Angelim e Frei Caneca, de Madre Joana Angélica e Anita Garibaldi, de Francisco Cândido Xavier e irmã Dulce, dos meninos e meninas que tombaram no Araguaia, e é de Dom Hélder Câmara e Chico Mendes.

Quero dizer muito obrigado aos Homens que nos orientam a votar com consciência e a jamais ter nojo de política, pois quem age assim é governado por quem não tem e, se a maioria tiver a mesma reação, será o fim da democracia. Que os votos de todos nós possam ser em prol da justiça social e dos direitos dos brasileiros imerecidamente pobres e excluídos da sociedade e da era da informação e, por razões políticas, dos dons da vida.

Obrigado por nos ensinarem que não precisamos concordar com a desordem estabelecida e que será feliz se se unir àqueles que lutam por transformações sociais que tornem este país livre e justo. Então, poderemos transmitir aos nossos netos o legado de nossa sabedoria.

Por fim, gostaria de prestar uma pequena homenagem a um homem simples, mas que é para mim altamente complexo, justamente por sua simplicidade, além de ser uma das poucas e boas referências que tenho, meu Pai.

Meu querido velho, que esses seus cabelos brancos e reduzidos, pois a maioria já não os tens mais, possam continuar a me inspirar e ensinar que beleza estética não é fundamental, e que o ser será sempre melhor que o ter.

Que esse teu olhar cansado, profundo, possa por muito tempo ainda, clamar pelo meu auxílio, sem necessitar das palavras, me dizendo coisas, num grito silencioso, e me ensinando tanto, do mundo...

Que esses passos lentos, de agora, caminhando sempre, demonstram o trabalho árduo dantes, para adquirir o sustento da família.

Teus pés já correram tanto, na vida, e ainda continuam a correr, seja atrás de um cliente, do ônibus, da chuva, para ajudar alguém ou mesmo pela alegria de nos encontramos.

Te digo ainda meu Pai: que essa sua vida cheia de histórias, e essas rugas marcadas pelo tempo, não foram em vão, pois muito aprendi com elas, embora negues sempre na tua humildade louvável e digas que sou eu quem te ensina.

E que nas lembranças de antigas vitórias ou lágrimas choradas ao vento, possamos recordar com alegria e por longo tempo das mancadas que comentemos, tirando sempre uma boa lição delas.

Sua voz macia e sensata me acalma e me diz muito mais do que eu digo quando preciso.

Me calam fundo nalma, me fazem sempre refletir e encontrar a solução ótima para a dúvida.

Seu passado vive presente, nas experiências contidas, nas músicas cantadas e nas lembranças redivivas.

Esse velho coração apreciador das belezas da vida, ainda é lúcido o suficiente para ter consciência das limitações e dos obstáculos a serem superados, e ainda pulsa de alegria com coisas simples.

Seu sorriso franco e martirizado pelo tempo, me anima, e o seu conselho certo sempre me ensina.

Quero fazer mais que beijar tuas mãos, quero te pedir perdão pelos males que fiz.

Já lhe falei de quase tudo, pois a distância física que aproximou nossos corações, me impedem de falar-te mais.

Porém, tudo isso é muito pouco diante do que sinto por ti...

Olhando tua fronte mareada pelo passar das primaveras, vou de encontro ao teu coração, pois tu representa para mim muito mais que um irmão, e finalizo dizendo-te:

Parabéns pelo teu dia, meu querido, meu velho, meu amigo.

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Baseado no Texto: Ensina a teu finho (Frei Beto) e na música Meu querido, meu velho, meu amigo.