Discurso do XXXVIII Prêmio literário Felippe D’Oliveira

Boa noite. Prezadas autoridades aqui presentes, prezados vencedores do XXXVIII Prêmio literário Felippe D’Oliveira, prezados demais jurados do prêmio literário aqui mencionado e prezada comunidade em geral que aqui está.

Sabemos da importância, não apenas regional, mas nacional do Prêmio literário Felippe D’Oliveira, no sentido de que ele é um incentivo aos escritores e poetas que, por certo, em início de carreira, necessitam da legitimação de algum prêmio literário para difundir suas produções artísticas país afora. Nesse sentido, o prêmio do qual tratamos aqui, recebeu e premiou vários textos de escritores e poetas de outros estados do Brasil, o que denota a abrangência e a importância desse prêmio, além, é, claro, da qualidade artística desses escritores e poetas. Também, verificamos produções artísticas de boa qualidade, elaboradas por escritores e poetas da cidade de Santa Maria.

Nós, jurados, agradecemos à Secretaria Municipal de Cultura pela escolha de nossos nomes para compor o corpo de jurados do Prêmio Felippe D’Oliveira nesse ano de 2015. Tenham a certeza de que cada texto foi lido e analisado com perícia e profissionalismo, afinal, tínhamos em nossas mãos não apenas arte literária, mas a vida de sujeitos que trabalham e se dedicam a essa arte. Muitas vezes, eu, professor Felipe, chamo o trabalho de escritor de ofício de sensibilidade, sobretudo, porque não basta domínio de técnicas de escrita literária, mas sim, certo domínio de reconhecer e de organizar a sensibilidade. Aquilo que é banal para muitos é matéria sensível às pessoas que se dedicam ao ofício de sensibilidade, de modo a colocá-la no papel sob o nome de POEMA, CRÔNICA e CONTO. Saibam que, nós, jurados, não utilizamos apenas nossos conhecimentos teórico-conceituais na análise dos tantos textos lidos. Utilizamos, também e, sobremaneira, o que chamo de empatia do leitor, isto é, colocamo-nos no lugar, não apenas de especialistas em língua e em literatura, mas sim, no lugar de sujeitos leitores que conseguem colocar-se no lugar dos outros, em termos de, colocar-se no lugar de suas narrações e versos. Assim, como sujeitos leitores, nos apaixonamos por textos muito bem escritos naquilo que denomino: arte da sensibilidade.

E há algo muito importante nesse texto-discurso que agora estou tecendo: o que é a arte? Muitos acreditam que a arte está tão distante de nós e que é tão inatingível, que muitos dela nem conseguem se aproximar. Esses mesmos colocam a arte num pedestal dourado que deve ser reverenciado por poucos, geralmente, os que dominam certos mecanismos de poder e acabam restringem-na a uma coletividade muito seleta. É lógico que arte está nos livros, nas peças de teatro, nos quadros dos grandes pintores da humanidade. Mas e se eu disser que não está somente aí? A arte, não só a literária, essa arte que os vencedores desse prêmio conseguiram legitimar, está em muitos outros lugares que tantas e tantas pessoas se negam a ver. Atrevo-me, então, a utilizar trechos de um texto de Atílio Alencar, publicado em 30 de abril de 2014, no site de Claudemir Pereira, denominado Uma biblioteca em cada esquina:

“Livro é coisa cara, e por isso mesmo, um símbolo de distinção – quando não de segregação. Afirmar a paixão pela leitura não pode nunca ser um manifesto de alienação: considerar-se elevado espiritualmente pelo bom gosto literário é ignorar as causas dos baixos índices de leitura no Brasil. É virar as costas para a precariedade de condições existenciais que determina quem lê e quem não lê, quem domina os códigos da ‘alta literatura’ e quem, privado do direito ao acesso, se vê diante do desafio de inventar sua própria poesia, com os recursos quem tem a mão.

O espaço deste texto é exíguo, e a reflexão sobre o tema, inesgotável. Mas mesmo ciente da pouca profundidade implicada no esboço de pensamento, eu não deixaria de fazer uma provocação: quem reivindica hoje a valorização da arte e da literatura, estaria ciente das mil formas com que os sujeitos à margem da cultura oficial reinventam linguagens e suportes, driblando obstáculos para redefinir o que é ou não poesia?

Seria forçosa uma associação entre a poesia concreta e o pixo, ou entre o verso livre e as batalhas de hip-hop, por exemplo?

Longe de mim as equações que explicam tudo pela falta, e reduzem tudo ao esquema simplista de causa e efeito. Tampouco acredito em ‘iluminar’ outros indivíduos, como se este ou aquele repertório cultural fosse o legítimo – e o outro, passível de recriminação e reintegração à norma. Menos para explicar e enquadrar as novas linguagens, e mais para atestar a nossa ignorância e inércia frente aos incontáveis modos de fazer arte na atualidade.

A questão que me aflige é mais no sentido de, ao fazermos o papel de entendidos e preocupados com a falta de cultura (sic) alheia, estarmos justamente provando a nossa insensibilidade abissal para com toda a manifestação artística própria do nosso tempo, mas não necessariamente apegada aos mesmos valores que cultuamos.

Esta semana, Santa Maria perdeu um poeta que nunca será nome de rua, nem ganhará busto na praça. Cantava rap nas esquinas de sua comunidade e em eventos ignorados pelos cadernos de cultura. O nome do rapaz era Igor, mais conhecido como Magrão.

A morte do Magrão, aposto, não será lembrada nos versos das confrarias amigáveis e mornas de poetas ‘bem-apessoados’.

Na África, segundo me contaram, diz-se que quando um velho ou um sábio morre, com ele incendeia uma biblioteca inteira. Acredito que com a morte de alguém como o Magrão, em cada esquina da cidade uma biblioteca incendiou.”

Finalizo esse texto-discurso, solicitando que todos os que aqui se encontram, reflitam sobre o conceito de arte, de produção de arte, de espaços de arte, e sobretudo, finalizo, rendendo a minha homenagem ao Igor, mano Magrão, que tantas vezes, eu, mestrando em Estudos Linguísticos da UFSM (o que poderia sugerir ojeriza à artes ditas periféricas), fui assistir na Praça dos Bombeiros em busca de uma arte genuína; fui ouvir as suas rimas, a sua literatura sensível, feita por um SUJEITO INTEGRAL e, que, posso chamar de ARTE. Gostaria agora, de um aplauso não apenas para os vencedores do Prêmio Felippe D’Oliveira 2015, mas também ao Igor, o mano Magrão, um artista que também produzia arte.

Muito obrigado a todos e a todas pela atenção.