Vivências compartilhadas

A importância de uma homenagem não consiste em recebê-la, mas em merecê-la. E se hoje me é passada esta significativa e notável medalha, mais que procurar merecê-la, devo comprometer-me em zelar por este feito, como serva fiel, focada na Vida que há de ser vivida com dignidade.

Desde o dia em que me avisaram da escolha, um misto de angústia e gratidão me invadiu. Anti-social, desajeitada, atrapalhada em cerimoniais, não afeita às honrarias terrenas, um zigoto errado, como diria a autora de Mulheres que Correm com os Lobos, vi-me em apuros, não queria nem falar no assunto. Como rezei e refleti passagens bíblicas: Talentos, Grão de Mostarda... Precisava de Luz!

Lembrei-me então de Almira, uma amiga dos encontros de viúva, no cenáculo de Venda Nova... Dizia ela que precisamos aprender o equilíbrio entre o receber e doar. Assentada, deixava que lhe servissem o lanche, quando sempre fora ela a servi-lo. Como me foi oportuna esta lembrança que o corpo me trouxe, na sua santificada memória. Valeu a lição.

Cada tempo tem seu tempo e o presente me exigia nova postura, teria que acolher no coração e na razão esta singular e nobre homenagem. Sair do anonimato, do qual, na verdade, nunca fiz parte. A timidez devia retirar da zona de conforto e dar lugar a outro jeito de ser...

Acolhida a idéia, passei a catar aqui e acolá pessoas, feitos, ensinamentos que me fizeram gente e bem sabia que não eram poucos.

Afinal quem somos nós, senão um "amontoado" de seres?...

"Somos todos um"! A unidade na diversidade. O que perpassa em mim, rompe o universo. O sopro que deu origem à Vida é um só. Portanto sou o Universo, a Humanidade, a Natureza... Sou a Terra, o Divino, este Divino que sempre me salvou com seu abraço misericordioso. Ah, este Deus por quem me apaixonei desde criancinha. É uma perseguição recíproca: não há como fugir d"ele", nem "ele" de mim. Muitas graças rendo a este ser superior.

Sou minha ancestralidade: todas as raças, o princípio e o fim, alfa e ômega.

Sou meu pai, minha mãe. Iluminados seres com quem aprendi magnânimas lições. Trouxeram-me à Vida, moldaram meu caráter e eu os assisti na travessia para a eternidade. A eles, meu olá, minha bênção, meu abraço, minha reverência. Haverei de honrá-los por toda a Vida.

Sou meus irmãos e sua apurada descendência. Riquíssimo laboratório de fazer a gente crescer, no mais íntimo de nossa humanidade. É confortável sentir-se galho no mesmo tronco, beber a mesma seiva...

Sou saudade de quem passou por mim, tocou-me com afeto, mas não pôde me aguardar. Sou minha filha: estrela/guia que me tirou das escuras noites por que passei. Fizemos juntas uma longa caminhada de lutas e sacrifícios. Agora sou também seu esposo, um filho a mais. Sou os descendentes deles: meus netos, amores e ternura, colorido de Deus, amplituda, brevidade e longura... Neles, amplio meus horizontes, perpetuo a semente, vou além das fronteiras do tempo, prolongo-me no futuro e também no passado.

Sou meus mestres, professores de tantas escolas e de tanta Vida, gente querida por demais.

Sou meus terapeutas, curadores, confessores com quem compartilhei inquietações e achava meu rumo, meu norte...

Sou meus alunos:instrumentos de Deus, alguns deles me fizeram ver a luz no fim do túnel, e numa operação de resgate, truxeram-me de volta... Todos eles construtores de um adocicado saber, num ritmo de cumplicidade e respeito. Neles eu me validava e eles em mim.

Sou meus companheiros e colaboradores de ofício: um di-a-dia de refinada convivência e aprendizado. Queridos pares do Ginásio Monsenhor João Rodrigues, do Curso Complementar, Coronel Frazão, Colégio, Secretaria de Educação, Casa de D. Dorica....

No Coronel, descobri-me educadora, na Casa de D. Doria, refaço meu saber a cada novo dia...

Sou a oficina psicopedagógica, um exercício incansável de descobrir junto o desejo de aprender e achar, em dupla, o fio de ouro que nos devolve a alegria de se descobrir, permanentemente, em preciosa construção. Quanta grandeza este partilhar. Sou as crianças de Casa de D. Dorica com quem aprendo a pedagogia do amor e da presença, num sonho coletivo de se "produzir gente".

Sou padrinhos e madrinhas: abençoadas criaturas que burilaram meus pensamentos. Sou meus amigos: quanta riqueza!

Sou as autoridades e o povo, pessoas que me apoiaram e apóiam nos projetos e afazeres tantos que abracei e abraço.

A eterna "imbondeira". Sou Grupo Vida, Crijói, frutos de minha ânsia de aplaudir a Vida, estar no meio de gente, numa contínua troca social.

Bruxa e fada, um dia, disse-me um ex-aluno. Bruxa, quando não olho para trás para retrucar a pedra atirada, sigo em frente que a Vida tem pressa para acontecer, água parada cria lodo, perde sua transparência... Se necessário, trocar de passo, transformar-se, fazer mais e melhor. Fada: brilho no olhar, lágrima sutil, palavra emudecida, a alma lavada em celebração, diante de um ser que se superou e se assumiu inteiro e único em todos.

Sou alegria, sou medo, sou estabanada, sou raiva, sou sombra, sou busca, sou luz, sou gente, fortalecida na fragilidade...

Se me aceitam como sou, tenho que prosseguir determinada, em transformação contínua, a serviço do bem geral.

A gratidão deve, pois, permear meu ser e terei que viver, apaixonadamente, para fazer a diferença. Continuar como incansável caçadora de saberes, inveterada sonhadora.

Nunca fui mestra, sei que nada sei, mas quero saber mais, enveredar-me pelo infinito caminho do conhecimento. Sou discípula, de Deus, dos pássaros, da flor, do rio, das estrelas, de Vocês...

Farei tudo, enquanto, na Terra permanecer para contribuir na construção de um mundo cada vez melhor: lugar de Festa, Vida, Amor, Justiça, Esperança e Paz!

Esta talvez tenha sido a mais difícil tarefa vivida por mim. Sem dúvida, foi também a mais frutuosa de todas. Tive que debruçar sobre conceitos e preconceitos pessoais ou não, dilacerá-los, rasgá-los, refazê-los e percorrer caminhos internos que me propiciaram dor, alívio e muito autoconhecimento.

Desculpem se me faltou delicadeza, nesse percurso...