Crias, criaturas, crianças

Crianças Vitimizadas (I)

INFLAÇÃO DE VIDA.

A vida perde o valor

E tem que passar mais rápida.

As crianças envelhecem

Bem antes de chegar aos trinta.

Crianças em tudo prematuras,

Em tudo imaturas,

Dormem pelas calçadas

Enroladas em papelões.

Seu tempo corre mais rápido,

Já nascem desempregadas,

Fazem sexo aos oito ou dez,

Aos doze são prostitutas,

Aos quinze assaltantes,

Ou cavalo, pombo correio, mastim.

Aos vinte já são defuntas,

Almas tristes, revoltadas,

Que se evolam do mundo

Sem terem experimentado a vida.

Ou será que é isso a vida?

A única vida,

A única que existe,

A única que podem conhecer.

Uma vida inflacionada,

Das crias, criaturas, crianças,

Que como as tartaruguinhas,

Tentam chegar às águas,

E morrem ao longo das praias,

Sem nunca terem nadado,

E sem conhecer o mar.

( do livro inédito, Propraganda da Vida, 1999)

Crianças Vitimizadas (II)

OS ÍNDIOS RIEM.

Os índios riem quando as crianças desatinam,

Os índios acham graça quando elas ficam brabas.

Nunca se viu índio bater em criança,

Elas têm a melhor das educações naturais,

Que dinheiro nenhum pode comprar,

- nem em Harvard, nem em Oxford,

ou no Fundão, se encontra melhor,

Com muitas aulas práticas e tradições orais.

A criança faz beicinho, faz manha,

Bate o pezinho,

E o índio morre de dar risada.

A criança se acha o ser

Mais importante do mundo.

O índio deve pensar:

É mais importante que o sol?

É mais importante que o rio?

É mais importante que eu?

Mas não adianta discutir,

É melhor rir

De tanta pretensão.

Então os índios riem

Quando as crianças ficam brabas;

Porque sabem que onde for um

Vão todos.

(do livro inédito Propraganda da Vida, 1999)

Crianças Vitimizadas (III)

VÓ CORAGEM.

Tinha eu muito medo da minha avó

Porque ela que matava as galinhas

E falava com sotaque.

Afinal esses europeus são meio brutos;

"Os franceses esbofeteiam as crianças...

Os ingleses dão surras de vara,

com a maior das elegâncias empertigadas;

Os russos comem criancinhas...

Os alemães, eu não quero nem imaginar...".

Tinha eu muito medo da minha avó.

Que senhora cheia de coragem,

Da Bessarábia, judia, veio sozinha para cá ,

Trabalhou, casou, constituiu família,

Lutou pela vida, como todo mundo,

Perdeu filhos na gripe espanhola

E teve muitos outros para compensar.

Eu tinha muito medo da minha avó.

Não porque matava a galinha dos domingos,

Ou falava com sotaque.

Mas porque ela mandava no meu pai.

(do livro inédito: Propraganda da Vida)